Em 1977, Guerra nas Estrelas e Contatos Imediatos do Terceiro Grau concorreram ao Oscar de Melhor Diretor. Mesmo perdendo para Woody Allen, George Lucas e Steven Spielberg registraram a primeira dobradinha da Ficção Científica na disputa. Trinta e três anos depois, o fenômeno se repete – claro, graças à expansão do número de indicados: Avatar, de James Cameron, e Distrito 9, de Neill Blomkamp, estão no páreo. Para completar o quadro, Quentin Tarantino entra na dança com sua História Alternativa de Bastardos Inglórios. Sem contar as indicações técnicas para Star Trek e Coraline e o Mundo Secreto disputando Melhor Animação. É o Oscar da Ficção Científica e da Fantasia. Os benefícios são claros para um gênero assumidamente odiado pela Academia e, normalmente, tratado como subproduto cinematográfico. Entretanto, tudo depende de uma coisa: a vitória de Avatar na categoria principal.

*artigo publicado ANTES do anúncio dos vencedores do Oscar, na Sci-Fi News.

Por Fábio M. Barreto,
de Los Angeles

Avatar é o Melhor Filme do Oscar 2009. Ou pelo menos deveria ser. Razões não faltam para a nova coroação de James “Rei do Mundo” Cameron; e nenhuma delas é inócua. Entretanto, a disputa dessa categoria extrapola a mera qualidade técnica nessa edição do evento que continua sofrendo com problemas na audiência e, de forma arriscada e benéfica, ampliou a quantidade de concorrentes. Com mais filmes de sucesso envolvidos, mais gente se interessa pela premiação, logo, mais televisores ligados. Além disso, as dez vagas permitem menos injustiças como a inexplicável não indicação de O Cavaleiro das Trevas no ano passado. É a Academia mostrando desejo para se modernizar e – antes tarde do que nunca – reconhecer boas realizações no reino dos blockbusters. A escolha entre Avatar, Guerra ao Terror e Amor Sem Escalas [os verdadeiros concorrentes nessa briga] vai definir muito mais que o filme do ano. Na verdade, os membros da Academia vão eleger seu novo modo de pensar e compreender os concorrentes daqui para a frente; ou seja, vão escolher entre continuar buscando apenas a melhor mistura da fórmula “roteiro, história e caracterização” ou também vão levar em conta a influência comercial e relevância popular do Melhor Filme.

Uma escolha parecida precisou ser tomada nas últimas eleições presidenciais norte-americanas, quando votar em Barack Obama representava apostar no futuro e na mudança, enquanto apoiar John McCain significava a manutenção do status quo político. Traduzindo em termos cinematográficos, a vitória de Avatar vai revitalizar os conceitos da Academia. Se Guerra ao Terror ou Amor Sem Escalas vencerem, nos veremos diante de um novo período regido por dramas sérios. Mera questão de posicionamento, afinal de contas, cada um desses três filmes merece a estatueta com louvores.

Avatar tem mais de 2 milhões de vantagens por conta da bilheteria recorde mundial. Nos Estados Unidos, faturou mais de US$ 600 milhões, cerca de 30% de seu faturamento total. Tudo isso em menos de dois meses, período em que liderou as bilheterias de forma absoluta não sendo ameaçado nem mesmo pelo Sherlock Holmes de Robert Downey Jr. Sucesso comercial irreparável, porém é o critério cinematográfico que faz de Avatar o virtual vencedor da competição: há pelo menos dez anos não se via um filme capaz de mudar o modo de se fazer cinema e, claro, sua relação com o público. É o famoso “game changer”, um evento capaz de mudar as regras do jogo.

A combinação entre tecnologia de captura de performance e 3D redefiniu o futuro da cinematografia de maneira incisiva. Antes de Avatar, esse tipo de técnica impressionava, mas sua influência tinha abrangência limitada e não impedia outros cineastas de tentar inventar suas próprias tecnologias. Foi o caso do Gollum de Peter Jackson, que apontava um caminho promissor, mas não impediu Robert Zemeckis de seguir outro caminho com animação em A Lenda de Beowulf. Assim como o bullet time de Matrix gerou inúmeras cópias. Entretanto, Avatar não permite espaço para dúvidas justamente por beirar a perfeição.

Isso acontece pela mudança na relação entre filme e público. Tradicionalmente, os filmes de ficção científica e fantasia criam mundos maravilhosos como a Terra-Média ou Tatooine, mas a natureza plana da imagem os mantém distantes do público. É bonito, mas nitidamente construído para causar aquela impressão. Pandora é diferente, pois é um lugar tão “real” quanto uma visita à floresta mais próxima. O cinema abandonou a esfera do efeito visual para a realidade simulada, tanto para personagens quanto para cenários. Esse é seu maior mérito e, sem dúvida, o mais longevo.

Pelos critérios oficiais de avaliação, Avatar fica devendo em originalidade da história, tanto é que seu roteiro não foi indicado. Mesmo totalmente relevante e influente, sua trama é mais uma releitura das mitologias heróicas e da grande história da raça humana. Essa discussão, porém, transcendeu os cinéfilos e tomou grandes proporções criando grandes grupos de defensores e detratores. Comparações com a trajetória de John Smith, de Pocahontas, e o tenente Dunbar, de Dança com Lobos, municiaram aqueles que odiaram; enquanto conceitos ecológicos e inspiradores abasteceram o outro lado. Esse cenário criou outro ponto positivo para Avatar, pois permitiu ao cinema demonstrar novamente sua relevância nas discussões do grande público, algo dificilmente provocado por um blockbuster.

É a junção de todos esses elementos que faz de Avatar o filme merecedor do prêmio:
– Revitalizou o formato comercial bem no meio da crise provocada pelo fantasma da pirataria; com a tecnologia 3D, a maior parte dos espectadores correu para os cinemas resultando nos mais de US$ 2 bilhões de faturamento, contra os aproximados US$ 500 milhões de orçamento [número extra-oficial];
– Reinventou a “experiência cinematográfica”, ao garantir realismo a algo anteriormente apenas exótico e curioso;
– Mudou os conceitos cinematográficos ao entregar um novo jeito de fazer filmes – há produtores que apostam nesse sistema para reduzir os custos de filmagem, por exemplo, então se criar um cenário com essa riqueza de detalhes pode se encaixar como uma luva nessa situação; É o nascimento de uma nova linguagem.
– Reintroduziu o debate sobre a qualidade de um filme no dia a dia dos espectadores;
– Lembrou Hollywood que, com ou sem crise, essa é uma das indústrias mais rentáveis e influentes do mundo.

Mais algum dos concorrentes consegue reunir tantos marcos tecnológicos, comerciais e históricos como esse? Não. Logo, premiar é inevitável, a não ser que se queira passar uma forte mensagem. Entretanto, isso já aconteceu com O Retorno do Rei, escolhido não necessariamente por ser o melhor filme do ano, mas pelo conjunto da obra gigantesca da Trilogia do Anel de Peter Jackson. E o Oscar precisa aumentar, e manter, o nível de interesse público por sua cerimônia. Para alguns, consagrar Avatar é um mal necessário, para outros, nada mais que justiça por uma trajetória de sucesso e competência.

ALIENÍGENAS E SOLDADOS

Os outros dois filmes de FC&F envolvidos na disputa por Melhor Filme são experiências menos modificadoras que Avatar, fazem por merecer a indicação. Distrito 9 foi a surpresa do ano ao maximizar seu desempenho sem ter orçamento milionário e nenhuma estrela em seu elenco. Custou US$ 30 milhões e faturou pouco mais de US$ 200 milhões em todo o mundo, mas, acima de tudo, reintroduziu a ficção científica social de modo simples. São os três S de Distrito 9: Surpreendente, Simples e Sem Famosos. Sua presença entre os dez melhores do ano é indício de que a Academia decidiu, pelo menos, reconhecer certos fenômenos. No caso desse filme, sucesso comercial coincide com qualidade técnica e também em termos de história, tanto é que Distrito 9 também disputa a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado.

Caso diferente enfrenta Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino. Fossem cinco os indicados, sem dúvida, essa História Alternativa sobre a Segunda Guerra Mundial estaria entre os indicados. Porém, exceto por Christoph Waltz, que já venceu o Globo de Ouro e só perde o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante caso uma bomba atômica caia em Los Angeles, Bastardos ficará de fora. Não se trata de injustiça, mas de azar de Tarantino, por concorrer com James Cameron, Kathryn Bigelow e Jason Reitman tanto em Melhor Filme quanto Melhor Diretor. Mas há um consolo, chegou mais longe que outros ícones da cinematografia como Blade Runner e 2001 – Uma Odisséia no Espaço, que sequer foram indicados à categoria principal, mas nunca deixaram de influenciar.

Ganhando ou não, esses filmes fazem a sua parte gerando receita, provocando discussão e dando voz ao gênero; por outro lado, o Oscar garante o glamour, promove exposição midiática e popular e eleva as obras a postos inesquecíveis. E, nesse ano, tudo isso vai acontecer em meio a esse cenário improvável: com destaque para extra-terrestres, planetas alienígenas, armas esquisitas e guerras que não aconteceram. É o melhor momento já visto pela Ficção Científica nos holofotes de Hollywood.

Seguro dizer que, de uma vez por todas, o gênero que sempre encheu de dinheiro os bolsos dos estúdios deixou de aparecer de forma pontual nas premiações e se torna uma constante. Muito por isso graças às novas tecnologias, que permitem aos diretores criarem efeitos menos chamativos e, assim, despistar os críticos sedentos por razões para reprimir fantasias mal-feitas, por exemplo. Com toda essa exposição e discussão sobre o papel da Ficção Científica no cinema, é de se esperar novas ondas de consumo direcionado nos Estados Unidos e as editoras celebraram da mesma forma que os estúdios de cinema. No Brasil, exceto pela injeção de ânimo aplicada pela recém-chegada Editora Draco, os lançamentos continuam parcos e sem investimento em novos talentos nacionais [por investimento entenda um lançamento decente, acima das 1.000 cópias tradicionais que, invariavelmente, encalham]. O momento é bom. FC deixou de ser subproduto e tomou seu lugar no mainstream. Só não aproveita quem não quer.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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4 Comments

  1. […] This post was mentioned on Twitter by Blogueiros Cinéfilos. Blogueiros Cinéfilos said: SOS Hollywood: 2010: O Oscar da Ficção Científica http://bit.ly/aZ7S3T […]

  2. Tem uma coisa crítica nessa história toda, Barretão: O que faz um filme ser o melhor filme? Eu sinceramente não entendi por que raios “The Hurt Locker” foi tão premiado. É um filme sobre o quê? Foi uma escolha apenas política? Uma alegoria aos soldados americanos? Ele não me pareceu mais denso ou mais bem executado que “In the Valley of Elah” de 2007. Não acho que Ficção Especulatica seja sub-gênero para a Academia, acho que ela é vista com um quê de brincadeira por todo mundo. Mas quando você leva em conta que você tem de colocar na mesma taxinomia tanto um filme quanto “G. I. Joe”, e “District 9” é uma crueldade com a densidade e técnica do segundo… “Up in the air” me pareceu mais uma historinha com um quê de drama elaborado, do que outra coisa (lembrando de sua matéria sobre Anna Kendrick considero “Rocket Science” melhor no geral). Então é aquela coisa: O que faz decidir? De todo modo seria um resultado histórico. James Cameron não precisa provar nada a ninguém. E ter uma mulher como melhor diretora pela primeira vez também é algo importante. Levando em conta as premiações de “The Hurt Locker” temos de considerar que a premiação do Oscar foi pelo menos consistente. Esse comentário ficou meio inconclusivo, mas melhor terminar em aberto do que usar um clichê… Certo?

  3. Será que NUNCA veremos uma ficção levando um OSCAR de melhor filme???

    1. Vagno, vc realmente acha q isso seja importante? Quer dizer, se uma ficção levar, e daí? Whatever! Nâo é a porcaria do Oscar/Academia q vai referendar pro mundo se um filme tido como bom é realmente bom. Veja este pensamento: se um filme é bom, ele é bom independentemente da Academia; no entanto, se a Academia premia um filme ruim/razoável, ele não vai se tornar bom/magistral só porque foi oscarizado. Logo, a Academia é solenemente irrelevante… Aha, é lógico que se trata de um sofisma, mas tem um pouco de verdade nisso, não acha?

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