Há pouco tempo, o presidente Barack Obama enfezou os conservadores e defensores de agressividade econômica crescente, e constante, contra Cuba ao mudar as regras do jogo, sugerir a revisão dos embargos e restabeleceu relações diplomáticas com Havana. Obama partiu de um ponto relevante: “se a estratégia dos últimos 60 anos (bloqueio econômico, isolacionismo diplomático e hostilidade declarada) não funcionou até agora, não há razão para acreditar que vá funcionar no futuro, logo, melhor tentar algo novo”. E ele estendeu a mão ao governo de Raúl Castro.

Praticamente, o reestabelecimento de relações diplomáticas aponta para mudanças a curto prazo, como o término da atual política de aceitar imigrantes cubanos como exilados políticos (uma vez que acordos de extradição podem ser desenvolvidos em breve), interrompendo o fluxo de fugitivos, criando uma rota turística direta e lucrativa entre os dois países e, claro, abrindo oportunidades de negócios. Uma das grandes empresas a não perder muito tempo com o novo cenário foi o Netflix, que exibe filmes via streaming e pretende estar presente em 200 países até o final de 2016.

Hoje, a companhia anunciou o lançamento dos serviços Netflix em Cuba, entretanto o sucesso depende exclusivamente das melhorias na infraestrutura e em muito trabalho dos advogados de direitos autorais. O primeiro grande desafio do Netflix é permitir que sua vasta biblioteca de títulos seja, de fato, exibida na ilha. Como a maioria dos contratos não contemplavam o território, e as leis de censura lá ainda são extremamente pesadas, o pacote inicial será limitado a alguns títulos clássicos, documentários como Virunga e The Square, infantis como All Hail King Julien e, claro, os originais do serviço como House of Cards, Orange is the New Black e Marco Polo. Perguntado pela nossa reportagem, o Netflix informou não ter uma grade completa para divulgação. O press release oficial menciona uma “seleção de filmes e séries de TV populares”.

“A média de salário em Havana, por exemplo, é de US$ 20 por mês. E a estatal de telecom não oferece 3G para os residentes, apenas para estrangeiros em roaming”

Claro, isso pode ser temporário, afinal de contas, são acertos contratuais e todos os distribuidores vão adorar receber mais royalties por exibição. Todo mundo ganha nessa. Mas o maior perigo é mais imediato, e pode colocar tudo em risco: infraestrutura. A média de salário em Havana, por exemplo, é de US$ 20 por mês. O Netflix custa US$ 7,99 por mês. No dado mais recente da International Telecommunication Union, que mede a acessibilidade na países, apenas 3,4% da população cubana tem acesso à Internet e maioria são conexões discadas, completamente inaptas a receber streaming em alta definição do Netflix. O Internet Stats aponta 27% da população com acesso, mas eles levam em conta o ponto a seguir e pessoas com acesso a contas de e-mail, não navegação ou banda larga. Para resolver esse problema, desde 2013, o governo criou “Internet Clubs” – cybercafes públicos que cobram entre US$ 4,5 e US$ 10 por hora. Ou seja, o acesso ainda está longe de ser popular e, inicialmente, os clientes do Netflix serão pessoas com maior poder aquisitivo, membros do governo e comerciantes bem-sucedidos. Fidel vai assistir, com certeza!

Habana_Vieja_de_nocheAí é a questão de fazermos a conta: $20 por mês$7,99 da assinatura do Neflix$9 da cybercafe (duas, horas, afinal, a pessoa vai assistir a um filme!) = sobram $3,01 para sobreviver. A conta não fecha. Claro, esse é um caso extremo e o foco é mesmo o consumidor que tem acesso à rede em casa (mesmo assim, com essa média salarial, a assinatura do Neflix continua bem salgada para ver um filme em conexão discada e em SD), porém as perspectivas de melhoria são, no máximo, fracas. Por conta disso, um dos “serviços” mais populares em Cuba é a cobra de um memory stick cheio de filmes, séries e outros produtos de entretenimento nos vendedores piratas a um preço bem menor. O grande problema da evolução é o sistema arcaico de telefonia em operação em Cuba. Há promessas de atualização do governo desde 2013 e talvez a abertura das relações acelere o processo. A cobertura de telefonia celular ainda é pequena. A estatal de telecom, ETECSA, por exemplo, oferece serviço de 3G apenas para estrangeiros em roaming (e ainda assim ele baleia muito) e não oferece nenhum pacote de Internet móvel para os clientes locais.

A jogada do Netflix é interessante, afinal, por ser uma das primeiras, gerou uma mídia impressionante, debates nas redes sociais – e, claro, muitas piadas – além de mostrar o compromisso da empresa de alcançar a meta prometida de 200 países até o final de 2016. O lançamento no Japão já está programado para outubro de 2015, com seus quase 36 milhões de clientes em potencial e as velocidades de conexão mais rápidas do mundo. O objetivo da companhia é ampliar sua base de espectadores para mais de 57 milhões de assinantes. Entretanto ela depende, e muito, do Senado e do Congresso americano, agora controlados pelos conservadores republicanos. Barack Obama sugeriu um caminho com menos sanções e mais comércio, porém, é preciso passar pelo crivo do Senado e do Congresso. E não há garantia alguma de que elas, de fato, vão ser implementadas ou que mais ajuda será enviada a Havana. Até segunda ordem, os países ainda discordam em praticamente tudo, Cuba ainda continua comunista, muitos cubano-americanos ainda querem ver a ilha em chamas (ou pelo menos os Castro numa estaca), e as diferenças são brutais. O próprio interesse do Netflix pode ajudar nesse processo e deixar outras empresas envolvidas, afinal, o potencial é gigantesco, mas o terreno ainda é bastante arenoso.

De qualquer forma, mesmo em caso catastrófico, o Neflix ainda vai poder dizer: “bem, tentamos!”. Se der certo, eles terão o monopólio, afinal, com um mercado de poder aquisitivo tão baixo, vai ser difícil para o Hulu entrar na jogada, por exemplo. O timing foi perfeito. É uma vitória garantida!

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Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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3 Comments

  1. Confesso que a ação do Netflix me surpreendeu um bocado. Me parece mais uma bela jogada promocional, aproveitando do momento em que a nova política em relação a Cuba ainda está em discussão.
    Certamente não veremos mudanças no poder de comprar do cubano a curto ou médio prazo, então a entrada do Netflix acaba sendo no momento apenas um indicativo do que a população (um dia, quem sabe) poderá conseguir tendo acesso livre à Internet.

  2. […] a política de isolacionismo com alguns Estados de lado e tentar algo novo. O mais recente sendo Cuba. Nesse momento, delegações dos Estados Unidos e Irã estão reunidos na Suíça para tentar […]

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