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Homem-Formiga: Galhofa para adultos e crianças

Quando Guardiões da Galáxia estreou, a reação foi imediata: a Marvel abraçou o lado engraçadão sem medo de ser feliz e o filme explodiu nas bilheterias. Agora, com a estreia de Homem-Formiga (Ant-Man, 2015), a tendência se confirma com mais um acerto mercadológico da Marvel Studios. Entretanto, com perspectiva e conhecimento dos próximos passos do Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), nota-se que por trás de tanta piada e descontração familiar, esconde-se mais uma parte chave da parte séria dos planos de Kevin Feige: Guerra Civil. E isso não afeta, em nada, o desenrolar do filme, que tem seus momentos feitos para os fãs pirarem, mas quer mesmo é a atenção da maior plateia possível.

Como de costume, evitei praticamente todos os trailers de Homem-Formiga. Vi o primeiro e perdi o interesse completamente. Embora o trailer não tenha me afastado do conceito, simplesmente não criou muita conexão. Exatamente como aconteceu com Guardiões da Galáxia, que adorei. É aquela questão do contexto: uma piada pode parecer engraçada no trailer? Pode, mas dê o contexto adequado e ela se transforma em algo irresistível. O cenário se repetiu e, aos poucos, o filme pelo qual eu não me importava foi crescendo, ganhando muito com o humor descarado – e Paul Rudd NÃO é o mais engraçado ali, pois perde feio para Michael Peña – e, a despeito de uma história cheia de potencial catastrófico, encontra seu lugar tanto no UCM quanto na atenção do público.

Depois da explosão emocional de fãs de Agent Carter, na cena de abertura, as piadas começaram a se encaixar, uma após a outra e o nível de envolvimento foi aumentando, ao ponto de vários desfechos e momentos hilários ganharem risos e palmas. Isso vale ouro num filme. Levar a plateia junto ao ponto dela reagir a diversas cenas, em sequência. E muitas dessas reações vinham de crianças, que entraram no espírito da brincadeira e não queriam sair. Essa talvez seja a grande qualidade do UCM, pois, diferente da Warner sisuda e que dormiu de calça jeans molhada, a Marvel bateu no peito e assumiu a responsabilidade de divertir a família, sem alienar nenhum dos elementos e, ainda assim, satisfazer os marmanjos que ainda cresceram com livretinhos de papel amarelado. Sim, estamos velhos!

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Esse fato é fundamental no posicionamento dos super-heróis hoje em dia: Vingadores faz a parte mais séria, do mundo em perigo, das grandes batalhas do Bem contra o Mal. Enquanto isso, os filmes paralelos – Guardiões, Homem-Formiga e etc – vão cuidando da manutenção de um mundo habitado pelos Vingadores (há sinais deles por todas as partes) e seus respectivos vilões, mas podem agregar mais Humanidade à causa dos heróis. Para isso, Homem-Formiga joga sujo e coloca toda a carga emocional na relação pai e filha, em dois núcleos distintos, mas com efeitos poderosos. Afinal, como não torcer pelo final feliz da garotinha porra-loca que adora bichinhos bisonhos e feios? A conexão é garantida. É o jeito mais fácil, e efetivo, de se criar alcançar o tão sonhado “human level”, que tantos filmes tentam e falham. Em muitas ocasiões, é puro medo de ser óbvio ou clichê. Bem, a Marvel acabou de fazer isso duas vezes, sem intervalo. Guardiões começa com Peter Quill perdendo a mãe e Homem-Formiga tem um pouco mais: duas famílias destruídas, dois pais em situações opostas, mas igualmente problemáticas para reconquistar as filhas, e aquela clássica ideia de ninguém nunca aceitar bem o preço do sacrifício feito pelos heróis. É o coração das grandes histórias em quadrinhos, do que faz desses heróis humanos. Afinal, é tudo que eles são. Os superpoderes apenas amplificam a índole de cada um deles. E a Marvel sabe explorar isso. É inegável.

Outra coisa que a Marvel não tem medo de fazer: vilões unidimensionais. Por alguma razão maluca, o UCM meio que vai contra toda a escola moderna de roteiro no trato com vilões. Nada de grandes arcos, nada de maquiavelismo ou maldade pura, ou maluquice descabida como o Coringa de Heath Ledger, os vilões dos filmes paralelos do UCM têm uma função: levar porrada. Logo, os filmes não perdem muito tempo desenvolvendo suas histórias. Eles não evoluem, eles já são maus, já chegaram onde deveriam chegar e estão arriscando tudo para conseguir seus objetivos malévolos – e até idióticos, como no caso do Homem-Formiga –, mas é isso aí.

Por outro lado, o herói passa por toda a jornada clássica, literalmente, entra no buraco e sai de lá transformado ou, pelo menos, com os primeiros traços da transformação. Não é fácil engolir Paul Rudd como herói, não há nada de heroico nele, mas, assim como Peter Parker, é a descoberta que conta. Por ser tão normal, quando ele “chega lá”, é como se cada um na plateia pudesse replicar seus passos, sair do fundo do poço depois de anos na cadeia e salvar tanto o mundo quanto aqueles que ama – bem, tecnicamente, quem você ama faz parte do mundo, mas em termos de força narrativa, filhinha maravilhosamente perturbada é mais importante que o resto da Humanidade.

O restante do elenco caiu bem com a história. Michael Douglas, que era minha maior dúvida, alias, mostra por que é um dos nomes mais conhecidos do cinema e não está ali apenas para chancelar o filme. Ele faz a diferença quando precisa. Evangeline Lilly, lindíssima como sempre, aparece relativamente pouco, mas é igualmente efetiva e me fez pensar como Peter Jackson a subutilizou na trilogia O Hobbit. Em princípio, pensei que ela repetiria o papel de Real Steel, mas o clima é diferente, ela está mais madura e tem um belo arco narrativo. O núcleo Judy Greer – que sempre adorei e acredito ser subvalorizada – e Bobby Cannavale funciona bem. Ela como uma ex-esposa até que gente boa em relação ao ex-marido e ex-presidiário. Ele como o policial panaca, inseguro e odiável desde o primeiro segundo. Curioso como bom elenco, e direção acertada, nos faz até torcer contra o epíteto do bom-moço: transforme o policial num babaca e ninguém vai ficar do lado dele.

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Agora, o grande destaque fica nas mãos de Michael Peña, que recentemente foi bem como o ativista César Chavez. Ele pega tão pesado nos estereótipos do latino sem noção, falastrão e meio tarado, que deixa qualquer sinal de preconceito para trás e cai no glorioso terreno das piadas sem-noção. Ele brilha com as melhores sequências, cria uma piada recorrente – e usada na medida certa – e encontrou uma cara de bobo ideal para criar o bufão do filme. Sem ele, Homem-Formiga não funcionaria. Ponto.

Para fã ver

Homem-Formiga tem de tudo um pouco. Conexões com Agent Carter, família Stark, a nova versão da Hydra, os Vingadores, Guerra Civil, Astonishing Stories, universo clássico dos heróis – com uma aparição ilustre de uma heroína do passado –, além de tantas outras referências. Por outro lado, até a molecada se diverte, pois a cena com o trenzinho de Thomas e Seus Amigos é tão tresloucada que faz rir. Muito. Entretanto, Homem-Formiga acerta no tom dessas referências, coisa que O Espetacular Homem-Aranha 2 falhou miseravelmente.

A postura da Marvel é interessante ao assumir o mundo habitado por seus heróis, no qual qualquer pessoa sabe quem são os Vingadores e os efeitos de suas missões são sentidos. Isso sempre faltou nos filmes do Homem-Aranha, por exemplo, pois sabemos que ele nunca foi o sujeito mais poderoso de seu mundo, mas, exceto pelo vilão de cada filme, mais ninguém seria capaz de fazer frente a ele, logo, ele era – mesmo – o sujeito mais poderoso de seu mundo. Em tese, isso deveria afetar Peter Parker de modos muito mais profundos, mas nunca foi um tema. Nosso conhecimento do resto dos heróis é que aliviava esse problema, mas os filmes nunca tratavam por conta das divisões de direitos e etc. X-Men nunca sofreu com isso, pois como as mutações acontecem aleatoriamente, novos heróis ou vilões poderiam surgir em cada esquina.

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Homem-Formiga é um acerto gigantesco. Faz parte da Fábrica de Filmes para a Sessão da Tarde? Faz. Mas chega lá com muito do que falta no cinema moderno: bom-humor, noção do seu lugar na indústria e efeitos especiais (na maioria das vezes) grandiosos para dar credibilidade à sua premissa para lá de inacreditável e boba. Talvez, justamente por isso funcione onde tantos outros falharam. Homem-Formiga diverte, avança o UCM com mais uma peça no tabuleiro e, felizmente, também funciona como imã para novas gerações de fãs de quadrinhos. A risada é a melhor porta de entrada. Não importa o seu tamanho.

Só sei de uma coisa: estou torcendo para que os próximos trailers da Marvel sejam tão chatos quantos os de Guardiões e Homem-Formiga! =D

Ah, duas cenas pós-créditos. Fique até o último segundo!

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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