Seja de forma positiva ou odiosa, todo mundo tem opinião formada sobre Zack Snyder. O Rei do Slow Motion e atual diretor de Superman: Man of Steel não liga para os surtos dos xiitas, faz questão de mostrar sua visão para seus filmes e deixa claro: não mudaria nada em Watchmen. Distante do exagero de seus pôsteres, o ‘visionário’ é um diretor certo de suas convicções, apaixonado por seus temas e fruto de gerações criadas à base de muita HQ, filmes de ação e paixão pelos arquétipos sociais. Em nova entrevista ao SOS Hollywood, Zack Snyder explica muito de seu processo criativo, fala sobre Joseph Campbell, suas corujas de A Lenda dos Guardiões e, mesmo fazendo de conta que não sabia nada sobre Superman, permite mais uma visita à sua mente criativa que pode funcionar em câmera lenta, mas, até agora, não errou.

por Fábio M. Barreto, de Los Angeles
Colaborou: Nicole Roth

É interessante ver você abordar um assunto de família. Esperava algo com mais ação, mas dei de cara com um filme totalmente familiar em A Lenda dos Guardiões.

É, 100%. Por alguns motivos: para começar, não queria fazer um filme que meus filhos não pudessem ver. Queria fazer algo assim há muito tempo. Mas também, por outro lado, assim que entrei na história – nos livros de Kathryn Lasky, e tentei entendê-los – dá percebi o que ela estava tentando fazer. Não tentei deixar algumas coisas com uma cara “mais família”, o conteúdo já é assim. Não precisei mudar nada. As pessoas dizem “você adora filmes com classificação indicativa alta. Foi difícil não cortar a cabeça da coruja fora?”. E eu digo, “na verdade, não”.

Você poderia ter usado muito mais slow motion e aplicar seu estilo visual, especialmente nas cenas de luta. Mas não diminui as questões fraternais, especialmente aquela coisa toda com os irmãos e a irmã.

Não, não, claro. Olha, a outra coisa em relação a esse filme que eu gosto, é que tudo é bem exato. A maneira com a qual ela trata dessas questões, a rivalidade entre os irmãos, que travam um combate mortal. Ela não se esquiva dessas questões. Acredito no drama que ela propõe e também naquele mundo, então decidi fazer o filme da melhor maneira que podia.

Você também acredita nesse tipo de história por que elas são realmente básicas? Esse é um momento importante para diretores como você trazerem à tona essas histórias repetidas, apenas atualizando-as? Cameron fez isso com Avatar e Nolan fez isso com A Origem.

Realmente quis fazer um tipo de Jornada do Herói de Joseph Campbell. É como um tipo bem clássico de arquétipo – o escudeiro se torna um cavaleiro. Sou um grande fã de mitos. Há uma razão para termos sentado em volta de fogueiras por centenas de anos e contado uns aos outros a mesma história, porque ela é real, ela nos toca. Desde o começo, achei que não deveríamos tentar fazer todas aquelas histórias paralelas ou aquelas reviravoltas malucas na trama. Talvez um pouco, mas…

Ir direto ao ponto.

É, ir direto ao ponto.

Por que é preciso recontar essas histórias? Lembro de Avatar, quando muita gente criticava Jim [Cameron] por ser Pocahontas ou…

Dança com Lobos ou algo assim.

É, era um mito básico.

Pois é, mas esse é o tipo de história que proporciona mais imersão e é o tipo de história mais universal, porque todos entendem o aspecto Bem vs. Mal que há nela. Então essas coisas são fundamentais, especialmente para as crianças. Não quero fazer coisas que são moralmente ambíguas, e você fica pensando: “quem é o bandido?” Gosto quando não há dúvida, esses caras querem escravizar e matar a todos. Os outros querem que todos vivam para sempre em harmonia e que todos sejam iguais.

O ambiente de Guardiões lembra muito os elfos de Tolkien.

Sim, cem por centro.

A árvore de Ga’Hoole ficou bem parecida com Valfenda.

(risos) Sim, um pouco. Sou um grande fã e eu achei que era legal. Quero dizer, a maneira que Kathryn descreve uma árvore nos livros dela é muito baseada numa cultura antiga. Por exemplo, quis dar a sensação de que os capacetes de combate estivessem por aí há milhares de anos e que cada geração herdasse esse legado, mostrando que aquelas corujas tinham uma cultura.

Você se lembra da primeira vez que ouviu um desses mitos fundamentais que marcou você?

Provavelmente, o primeiro foi A Odisséia, que é provavelmente o primeiro na escola. Lendo A Odisséia se entende aquele tipo de jornada mítica. A idéia de que um herói pode partir para uma jornada, e quando ele retorna, todas aquelas coisas pelas quais ele passou na jornada estão com ele, e agora ele está mais forte por isso. Ele é um homem diferente daquele que era quando partiu. É engraçado, enquanto eu estava crescendo, estava apaixonado por O Hobbit. Lia várias vezes. Sentia que era um mundo real, sabe, o jeito que é descrito, é tão profundo e entra na sua psique, que tanto os conflitos e aquelas aventuras me tocaram. De muitas maneiras, é isso que eu queria tentar fazer com Guardiões.

Você não sente que começa uma jornada toda vez que começa a trabalhar em um filme?

Sim, com certeza. É um bom paralelo, é preciso enfrentar muitos problemas e lutar contra eles.

O quão diferente são as coisas após ter terminado essa jornada?

Você fica diferente toda vez. Sinto como se crescesse toda vez. Toda vez que começo um filme, é o gênesis de um projeto. Sempre sou atraído pelas imagens. A primeira coisa que vejo é uma imagem, e então – ou isso me pega, ou não me pega. Sempre foi assim. Acho que com os Guardiões, alguém criou a série de pinturas para vender o negócio. Eu vi essas pinturas e pensei: “Ok, isso seria legal”. Eu não precisei pensar muito depois daquilo.

Falando nesse processo de aprendizado, qual foi a grande lição que você tirou de Watchmen? Aliás, defendo você fervorosamente.

Muito bom. Gostei disso (risos). Fico agradecido. Sabe, em relação a Watchmen, alguém me perguntou outro dia, “O que você faria de diferente?” e eu disse “Eu não faria nada de diferente. O filme é exatamente aquilo que quis fazer”. Mas o que aprendi com ele foi o processo de se fazer esse filme. Acho que as pessoas não perceberam que é praticamente um filme arte. As pessoas sempre dizem: “Você fica decepcionado que mais pessoas não tenham gostado?” E eu respondo: “Eu fico surpreso que tantos pensaram assim”. O estúdio fez um grande trabalho em enganar as pessoas e fazê-las pensar que era um filme de super-heróis, porque na verdade não é. Na verdade, é um filme subversivo. Acho que o que aprendi foi que ainda é possível fazer um filme pessoal que seja um grande filme. Parece um filme indie, não deveria ser divulgado apenas em proporções enormes.

Tenho que ser honesto com você – toda vez que vejo [Watchmen], e eu vi o director’s cut algumas semanas atrás –fico fascinado. Choro toda vez que assistia ao funeral do Comediante, toda vez. Tenho essa idéia de que não era apenas um filme, é como se você estivesse lendo um livro. Você pára o filme para falar sobre Marte, por exemplo; ninguém tem a coragem de fazer isso atualmente.

Quando faço um filme ou leio um livro, eu tenho uma experiência. Eu tive uma experiência. Realmente, o que eu estava tentando fazer, era duplicar essa experiência no filme. Não importo se as pessoas não gostaram dessa ou daquela parte. Não me importo. Eu me satisfiz com o fato de ter tido a experiência que estava procurando ter. Acho interessante às vezes, quando as pessoas dizem, “Fãs puristas da graphic novel não gostaram dele”. Eu digo, “Como isso é possível? Que versão do filme vocês acharam que Hollywood faria?”. O filme que fizemos é muito diferente daquele que eles queriam fazer. O que eles queriam fazer era, honestamente, um filme de uma hora e meia do Quarteto Fantástico, sobre o qual eles poderiam falar mal. Jamais deixaria isso acontecer. Quando aceitei fazer o filme, sabia que eu faria um filme que eles não queriam que eu fizesse. Eu sabia.

É ótimo que você tenha pensado assim.

Todo mundo deve ser muito agradecido a 300, pois, literalmente, sem 300 não teríamos um filme de Watchmen que não fosse como Quarteto Fantástico. Isso é um fato. Porque eu não o teria feito, e quem quer que seja que eles teriam contratado para fazê-lo, não teria se importado. Teriam feito o filme transformando o Coruja no Batman e pronto.

Mudando de assunto um pouco – em todos os seus filmes, há um olhar interior; com 300, você está olhando para a história. Com Watchmen, é a sociedade, mas num universo paralelo. Mesmo com Os Guardiões, dá para se pensar que aquilo aconteceu em algum lugar deste mundo.

Sim, cem por cento.

Em Guardiões você queria estudar sociedade ou os diferentes formatos do individualismo? É um paralelo direto com nosso mundo, no passado ou no futuro, ou é outro universo?

Na cena onde, bem no início do filme, Eglantine e Soren estão falando com Kludd. De fato, na segunda cena, Kludd está dizendo “Sabe, você é um sonhador, mas eu tenho meus sonhos quando durmo.” E entao Eg diz “Sabe, seus sonhos são quem você é”. Então, eles se abraçam e há a lua – uma cena fabulosa, a lua está subindo, e dá para ver a silueta da Estátua da Liberdade (risos). Logo…

Deixando a referência a Planeta dos Macacos de lado, quando vai começar a trabalhar em material original?

Há alguns projetos que não vou mencionar, mas estou trabalhando em algumas coisas que seriam consideradas como um mundo de ficção científica, que não teria nada a ver com a Terra.

Original ou mais adaptações?

Originais. Há também algumas coisas em que estamos trabalhando que misturam um pouco de alienígenas, mas porque está no DNA da criatura. Acho que, a razão de Star Wars me encantar tanto na primeira vez que vi, foi porque era completamente de outro mundo, da melhor maneira possível. É tão arrogante dizer, vamos trazer os alienígenas aqui e fazê-los beber um Starbucks. Aliás, se você pode voar de um planeta distante até aqui, o quão difícil é nos derrotar numa guerra? Seria fácil.

Você está envolvido em algum projeto da DC, ou adaptação de alguma outra história em quadrinhos? [entrevista feita antes do anúncio de Snyder como diretor do Superman]

Não, ainda não estou envolvido com os DCs. Nós realmente não falamos a respeito disso [fui oficialmente enrolado, mas antes do anúncio oficial, ele não falaria sobre o assunto mesmo]. Ando trabalhando em Xerxes, então estou bem ocupado tentando escrever isso, e estive negociando com Frank [Miller], e recebendo suas páginas, coisas assim, pra tentar conseguir montar o script.

Vocês estão trabalhando juntos nisso, escrevendo juntos?

Não estamos escrevendo juntos, mas ele está escrevendo a HQ e então ele irá mandar algumas páginas para mim. Kurt [Johnstad] e eu estamos escrevendo o roteiro, e então nós apenas pegamos as páginas e tentamos encontrar uma maneira de torná-las um bom filme.

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Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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4 Comments

  1. Ótima entrevista!!

    Curto muito o trabalho desse cara, muito mesmo.

  2. GOSTO MUITO do trabalho do Snyder. Sério! Mas morro de medo do que ele pode NÃO acrescentar ao SUPERMAN.
    Coisa como: homenagear novamente (como fez o Bryan Singer) o trabalho de Richard Donner e Christopher Reeve.
    Insitir no VISUAL datado do traje do Superman, que é um maiô de artista circense, para que ainda não sabe.
    Repetir o cômico Lex Luthor megalomaníaco de sempre. Lois Lane chatinha e enxerida. Etc. Etc.

  3. A Lenda dos Guardiões parece ser bom.
    Vou ver se assisto. 🙂

  4. […] dos, apenas, 111 de existência de O Mágico de Oz, de L. Frank Baum. Zack Snyder gosta do assunto [leia entrevista exclusiva aqui] e utilizou diversos conceitos mitológicos em A Lenda dos Guardiões, mais uma de suas […]

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