Embora vários estados dos Estados Unidos aceitem a pena de morte, o assunto nunca deixa ser polêmico. O julgamento de Dzhokhar Tsarnaev não seria diferente. Há mais de dois anos, ele e o irmão mais velho, Tamerlan, decidiram explodir duas bombas caseiras na chegada da Maratona de Boston, matando três pessoas – incluindo um garotinho de 8 anos – e, mais tarde, balearam um policial fatalmente. 260 pessoas ficaram feridas. O caso em si colocou a Internet contra a Polícia por conta das tentativas problemáticas de se encontrar os culpados usando redes sociais e “investigadores instantâneos”, Dzhokhar virou capa da Rolling Stone e todo mundo ficou sabendo da confissão dele, em sangue, quando achou que fosse morrer. Hoje, o julgamento de dois meses chegou ao final e o júri condenou Dzhokhar à pena de morte.

Sem entrar no mérito do merecimento, ou não, da punição – embora seja totalmente avesso à covardia de gente como essa –, tanto a mídia, quanto as mídias sociais e as vítimas do ataque terrorista falaram exaustivamente sobre o assunto. A culpabilidade de Dzhokhar nunca foi questionada, logo, o julgamento realizado em Masschusetts tinha como função definir o destino do jovem terrorista. Pena de Morte ou Prisão Perpétua numa Prisão de Segurança Máxima? Essa era a pergunta e, logo, dois lados se formaram: um lado contrário à execução sobre os argumentos de que “pena de morte é assassinato” e que “mais uma morte não resolveria nada e rebaixaria o país ao nível dos terroristas”, reforçada inclusive por várias vítimas; do outro lado, quem queria devolver o ataque na mesma moeda e “livrar o mundo desse sujeito”.

O que chamou a atenção em todo esse caso é que, essencialmente, o veredito seria mais ligado à punição de Dzhokhar, do que algum tipo de justiça ou descoberta. Confuso? Explico: o objetivo era descobrir como machucar mais, como devolver o sofrimento gerado, como ensinar uma lição. Não lembro se foi Clifford D. Simak ou Isaac Asimov que usou uma analogia válida num romance de FC: cercado por um bando de cães alienígenas, o personagem matou um dos animais; os sobreviventes o devoraram e continuaram o cerco. O personagem só conseguiu fugir quando feriu um dos cachorros terrivelmente, gerando dor e sofrimento, fazendo com que o grupo partisse. E o que fazer com um terrorista confesso? Depois de 14 horas de deliberação, o júri decidiu com unanimidade pela Pena de Morte.

Entretanto, a Prisão Perpétua em Segurança Máxima seria, na avaliação de ex-condenados, “pior que a morte”. E Dzhokhar vai experimentar um pouco disso, pois ele vai aguardar o longo processo de apelações numa prisão de segurança máxima, que envolve confinamento em solitária – o tempo todo –, contato extremamente reduzido com qualquer outra pessoa, visitas mínimas e curtas (e protegidas pelo vidro). Basicamente, o sujeito é excluído da sociedade e, na maioria dos casos, acaba pirando.

A escolha era mesmo entre a frigideira ou o forno. E os norte-americanos estão reagindo de forma curiosa, pois, mesmo a despeito de uma taxa consistentemente reduzida de condenações à Pena de Morte, assim como execuções canceladas e transformadas em Prisão Perpétua, esse episódio alterou os ânimos, afinal, foi um ataque terrorista realizado em território nacional. Os chamados de “sociedade assassina” e “país matador” começaram a pontuar a discussão, mas não importava quanto os opositores falassem, o maior interessado na questão, o réu, não fazia nada para ajudar. Sem pedir desculpas; sem demonstrar remorso; sem contrariar nada do que foi apresentado contra ele, assim como sua confissão, como esperar que um júri de Boston chegasse a outra conclusão?

Claro, o debate é intenso. E necessário. Especialmente depois de execuções frustradas por erros de procedimento (médicos não podem executar condenados para não contradizerem o juramento da profissão e serem antiéticos, logo, agentes carcerários apertam o botão) e da mudança de perspectiva em todo o país. E pode ser apenas o primeiro entre os casos de alta exposição, pois James Holmes, o imbecil que invadiu o cinema no Colorado fazendo de conta ser o Coringa e matou 17 pessoas – bem mais que os terroristas de Boston, em comparação puramente numérica – ainda está sendo julgado, porém, alegou insanidade e sua culpa ainda não foi decretada. O caso de Boston também mostrou que é, sim, possível julgar um acusado de terrorismo dentro do país, coisa que sempre ficou em dúvida desde os já distantes ataques de 11 de setembro.

Observando essa discussão, e tentando não colocar minhas perspectivas pessoais, fica esquisito notar que ninguém fala em outras alternativas. Ou trancafia-se o criminoso pelo resto da vida, fazendo os impostos federais pagarem pela manutenção de assassinos pelo resto de suas vidas, ou passam-se anos garantindo que os condenados sejam, de fato, executados. Uma coisa fica clara: nenhuma das duas trás justiça, pois o mesmo sistema que garante um julgamento justo, como os americanos definem, também permite que as apelações arrastem-se por décadas. Sem entrar no mérito legal da coisa, é meio óbvio que ninguém parece ter tanta certeza de nada, mesmo com uma condenação. Há um medo social inerente no ato de se tirar uma vida e isso, aparentemente, serve tanto como rédea como justificativa para o imbróglio judicial. Conhece aquela história de que sempre existe uma bala de festim no pelotão de fuzilamento? Pois é, coletivamente podemos aceitar tirar uma vida, mas ninguém quer aceitar a responsabilidade direta de apertar o gatilho.

Isso é reflexo de uma coisa chamada compaixão. Algo que indivíduos como Tsarnaev e Holmes não demonstraram por suas vítimas e tampouco exibem durante seus julgamentos. Os jurados precisam acreditar em alguma redenção, em algum traço de humanidade, em algo capaz de mostrar que, mesmo tendo realizado algo monstruoso, gente como essa mereça o mínimo de compaixão. No fim das contas, tudo é um filme de Hollywood. Os envolvidos têm que sair satisfeitos, enquanto os fãs – fora do circuito – trocam tapas verbais nos jornais, nas redes sociais e em passeatas.

Podemos estar distantes dos tempos do Código de Hamurabi, mas o ser humano continua bem atualizado com o desejo de matar, pelas razões mais idióticas possíveis. Certo ou errado, Hamurabi, pelo menos, sabia como lidar com isso. Hoje em dia, ignorar as causas do problema e empurrar os efeitos com a barriga, até que o esquecimento – e novas tragédias – tomem nossas mentes, parece ser o único método aceitável para lidarmos com os monstros.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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1 Comment

  1. Sempre encarei a pena de morte como punição máxima e completamente questionável. Mas casos como esse me fazem pensar em como pode ser uma pena que abrevie o sofrimento de uma prisão perpétua.

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