Eleição norte-americana segue os mesmos passos do roteiro de sucesso da última temporada de The West Wing: um jovem democrata não-caucasiano aposta na esperança contra um republicano experiente, independente e muito mais velho.

Artigo originalmente publicado no jornal O Globo.
Por Fábio M. Barreto, correspondente internacional

LOS ANGELES – Muito mais que o forte apoio à candidatura democrata, Hollywood contribuiu, e muito, para a disputa pela Casa Branca em 2008. Mesmo com sua natureza ficcional, o desfecho da sétima e última temporada da série The West Wing, estrelada por Martin Sheen, fez as vezes de vidente ao antecipar o duelo entre um jovem democrata não-caucasiano e o independente republicano muito mais velho e experiente, respectivamente, o congressista Matthew Santos (Jimmy Smits) e o senador Arnold Vinick (Alan Alda). Essa influência foi muito mais forte e incisiva do que a repetitiva referência ao presidente David Palmer em 24 Horas. Sejam plataformas de governo, sejam os perfis individuais, não há como negar as semelhanças entre os políticos fictícios de The West Wing e os atuais candidatos à presidência norte-americana: Barack Obama e John McCain. Isso sem falar no desfecho!

Depois de dois mandatos do democrata Josiah Bartlet, The West Wing mudou o foco de seu último ano para acompanhar a campanha pela sucessão, em especial, a trajetória de Matthew Santos – latino, propondo mudanças e apostando na esperança. “Vivemos num tempo de incertezas, mas a esperança não deve entrar na pauta… esperança é tudo que nos resta”, defendia Santos, que foi abertamente inspirado na figura de Barack Obama, especialmente depois do discurso introdutório à nomeação de John Kerry, nas eleições de 2004.

Pouco disposto a aceitar rótulos ou mudar seus ideais por conta de resultados de pesquisas ou pressões políticas, Matt Santos passou maus bocados por conta de ataques étnicos e questionamentos sobre sua pouca experiência em Washington, mas sempre manteve sua postura. “Ser latino é apenas um elemento desse personagem; o mesmo acontece com Obama, afinal, etnia é importante, mas não é o que define um indivíduo”, explica Jimmy Smits.

Do outro lado da eleição fictícia estava Arnold Vinick, cuja atitude, histórico e postura em cena remetem claramente a John McCain. Ele apostou tudo em sua experiência e na capacidade de desafiar o próprio partido como pontos fundamentais da campanha. Essa decisão, assim como a do time de McCain, foi controversa, uma vez que as chances de despertar a desconfiança dentro de sua própria base são grandes. Esse personagem, porém, foi criado sem nenhuma referência direta ao candidato republicano.

A similaridade entre as candidaturas também aconteceu em termos de plataforma política. Durante a campanha, os candidatos assimilaram as posições de seus partidos na vida real, debatiam e trocaram farpas sobre assuntos ainda relevantes, tais como, preço da gasolina, biocombustíveis, segurança, imigração, porte de armas e assistência de saúde.

Num dos pontos altos da campanha em The West Wing, os atores precisaram se preparar como se fossem participar de um debate presidencial de verdade. Em tese, foi o que aconteceu, pois o episódio foi transmitido ao vivo em rede nacional, o que elevou o nível de pressão para equipe técnica e elenco. E é justamente no debate entre McCain e Obama, agendado para 26 de setembro, na Universidade do Mississipi, que novas similaridades podem surgir, uma vez que toda a habilidade de debatedor e orador de Santos veio diretamente do estilo de Obama.

“Esse tipo de situação pode até ser refletido num programa de TV, mas sempre existe uma força maior [a necessidade da população] por trás de tal reflexo. No nosso caso, não foi o seriado que imaginou um presidente negro, mas sim uma situação social, política e econômica que permitiu que ele fosse imaginado”, argumenta o ator Kiefer Sutherland, lembrando da eleição de David Palmer (Dennis Haysbert) no seriado 24 Horas. “Se Obama não tivesse feito por merecer, ninguém estaria comparando e outra pessoa teria sido nomeada pelo partido”.

Outro momento de “a vida imita a arte” esteve nas pesquisas. Na série de TV, Santos e Vinick disputavam cada ponto percentual com grande vitalidade e poder de reação, o que os manteve parelhos até o final da disputa; na campanha real, depois da injeção de ânimo que ambos os partidos conseguiram com suas convenções nacionais, a liderança volta a se alternar sem que nenhum dos candidatos seja capaz de abrir muita vantagem. O que mudou nas últimas semanas, com Obama abrindo vantagem em relação a McCain, que precisava de um milagre para se eleger.

Os roteiristas creditam as similaridades à sorte e, em parte, resposta às necessidades da nação, mas alguns atores encaram de outra forma. “Sempre foi e sempre vai ser o papel da classe artística tocar em pontos fundamentais como esse. Pode ter sido sorte, porém existe uma consciência coletiva que permite esse tipo de manifestação e temos que fazer nossa parte quando a oportunidade surge”, avalia Michael Chicklis, o astro e produtor da série The Shield. “Independente de nossas convicções pessoais, precisamos reagir corretamente em horas importantes como essa e facilitar a compreensão do público para momentos como esse.”

Embora o foco esteja nos candidatos à presidência, a vice de McCain, Sarah Palin, também encontra sua contraparte fictícia. O cenário de uma mulher como vice-presidente dos Estados Unidos foi abordado pelo programa Commander in Chief, no qual Geena Davis interpretava Mackenzie Allen, a primeira mulher a assumir a liderança do país depois da morte do presidente. Democratas e republicanos pouco convencidos têm trazido essa questão à baila, afinal de contas, como McCain é o candidato mais velho da história a disputar o cargo, Palin seria a pessoa ideal para assumir a Casa Branca? Essa série, porém, não deu certo e foi cancelada precocemente, enquanto The West Wing ostenta o título de uma das séries mais bem sucedidas da TV norte-americana.

Ambas são firmes em suas convicções, não ligam para responsabilidade partidária e, de acordo com o discurso na Convenção republicana, Palin deixou claro que quer ir a Washington para fazer o que acha certo. Mackenzie Allen concordaria em gênero, número e grau. Agora, os roteiristas de The West Wing devem estar sorrindo a toa, afinal, não é para qualquer antecipar todos os passos de uma eleição e ainda acertar o vencedor.

Comparativo
Barack Obama
Jovem, carismático e bem apessoado; tenta ser o primeiro presidente não-caucasiano. Começou a carreira política como organizador comunitário em Chicago. Casado e tem dois filhos.

Encarou oposição pesada nas primárias democratas por conta de um candidato ligado ao último gabinete do partido, a ex-primeira dama Hillary Clinton.

Sua inexperiência – apenas 4 anos no Congresso – é ponto explorado pelos adversários, mas consegue reverter situações complicadas com bom apoio de sua base, discursos inspirados e mensagens sobre mudanças e melhorias.

Seu adversário republicano é um senador moderado e experiente de Oeste, com pouca popularidade em sua base moderada, John McCain, do Arizona.

Matt Santos
Jovem, carismático e bem apessoado; tenta ser o primeiro presidente não-caucasiano. Começou a carreira política como organizador comunitário em Chicago. Casado e tem dois filhos.

Encarou oposição pesada nas primárias democratas por conta de um candidato ligado à Casa Branca na última administração do partido, o vice-presidente Bob Russell.

Rivais exploram sua pouca experiência no Congresso – apenas 6 anos; mas consegue se sobressair com apoio de sua base, discursos altamente inspiradores e mensagens sobre mudanças e melhorias.

Seu adversário republicano é um senador moderado e experiente de Oeste, com pouca popularidade em sua base moderada, Arnold Vinick, da Califórnia.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

Recomendado para você

7 Comments

  1. Sou aquele que nunca assistiu Westwing (mas sempre fez piadinhas com referências).
    °°°

  2. nunca vi westwing, mas sei que você mandou bem demais, barretão! parabens ae cara!

  3. […] de 24 Horas. Eu também. Mas eis que me deparo com o texto de Fábio M. Barreto no excelente SOS Hollywood (blog imperdível, aliás, com várias novidades do cinema e das séries em primeira mão), onde […]

  4. The West Wing era foda.

    Pena que o box da última temporada não saiu aqui, só na Argentina.

    Minha coleção vai ficar incompleta. 🙁

  5. tao ou mais importante do que ser negro eo fato dele ser cosmopolita ele conhece a africa eo terceiro mundo oque e raro para um americano boa sorte presidente obama. que deus o proteja.

  6. […] Televisão » Déjà vu no caminho da Casa Branca (SOS Hollywood) […]

Comments are closed.