You, my friend, are a victim of disorganized thinking. You are under the unfortunate impression that just because you run away you have no courage; you’re confusing courage with wisdom” – O Mágico de Oz

por Fábio M. Barreto, de Los Angeles

Somos o resultado inexorável de todos aqueles que ousaram pensar, ou viveram seus sonhos, antes de nós. Isso é fato. Os mitos povoam nossas mentes, nos ensinam limites sociais e delineiam um mundo minimamente organizado no qual o homem reina, apesar de seus muitos desequilíbrios. Muito da mitologia aponta para sujeitos extraordinários, capazes de grandes feitos em nome de grandes causas. O herói. Hoje, militarizado e movido mais à base do sacrifício que da perícia em si, tem uma nova missão: sobreviver às imposições mentais ou fracassos do passado. Aceitamos nossa imperfeição e Hollywood pulou de cabeça nessa nova dinâmica, um verdadeiro reflexo do perfil da juventude sem eira nem beira cujas maiores realizações se limitam a números de devotos num mundo que acaba quando os computadores são desligados. George Lucas foi feliz quando fez Darth Vader dizer: o circulo está completo […] agora eu sou o mestre. O ciclo que se completa com a estréia de Sucker Punch é a jornada de Dorothy, distante da menina inocente que pegou carona com um ciclone e foi parar em Oz, agora travestida como Baby Doll, um fetiche ambulante, cheia de vontade de viver, mas vítima da maior de todas as corrupções: a da alma. E é contra isso que ela precisa lutar no novo filme de Zack Snyder.

Veja o Especial Sucker Punch do Judão, que veio a Los Angeles entrevistar Zack Snyder e companhia!

Se isso é bom ou ruim, fica a critério do espectador definir. Considerando que mitos greco-romanos e diversas histórias ancestrais ainda são válidos em nossa sociedade, nada mais justo do que considerar a atualidade dos, apenas, 111 de existência de O Mágico de Oz, de L. Frank Baum. Zack Snyder gosta do assunto [leia entrevista exclusiva aqui] e utilizou diversos conceitos mitológicos em A Lenda dos Guardiões, mais uma de suas adaptações literárias, e, logicamente, carregou essa base para sua primeira obra original, Sucker Punch. Uma heroína vivendo num mundo assustador e opressivo – cada uma à sua maneira e intensidade, claro – e encontrando válvulas de escape ou portais com destino a mundos curiosos. Escapismo sim, mas cada uma dessas realidades alternativas é regida pelas mesmas engrenagens opressoras do mundo real, além de serem povoados pelos mesmos personagens familiares à personagem. A diferença é: no plano imaginário, há mais ferramentas, aliados e armas com as quais a protagonista pode interagir.

Esse é o esqueleto de Sucker Punch, mas fica bem escondido atrás da barragem visual, referências à cultura pop, fantasia steampunk numa Guerra Mundial (misturando elementos da Primeira e da Segunda) retro com direito a zumbis, crossovers de elementos ficcionais e mídias que povoa a cabeça de Zack Snyder, finalmente abrindo a guarda e deixando sua imaginação fluir sem ter que respeitar Alan Moore, George Romero ou Kathryn Lasky. Para o Bem ou para Mal, Snyder é a inevitável atualização de Baz Luhrmann, claro, à enésima potência, tanto em conceito quanto em execução. Suas idéias surgem num triunvirato explosivo: cores (ou a ausência delas), câmera lenta e sonoridade impecável. E é daí que surge seu calcanhar de Aquiles, o excesso de câmera lenta; recurso sempre interessante, mas maçante se usado de forma errada. O longa sofre – e muito – com isso, prejudicando suas personagens ao desvalorizar seus feitos, que obviamente serão bem-sucedidos, mas não precisam ser necessariamente repetitivos.

É o verdadeiro balaio de gatos. Garotas bonitas, porém, não sensuais ou desejáveis como se defende, convenhamos; lutas impressionantes com diversos tipos de armas de ataque pessoal e destruição em massa; três níveis de percepção à la A Origem; e uma única certeza: Snyder não abre mão de sua crença, ele quer aqueles que o admiram e nada de concessões aos demais. Baby Doll (Emily Browning, de Desventuras em Série) e Sweet Pea (Abbie Cornish, belíssima emElizabeth: A Era de Ouro) são as únicas personagens relevantes justamente por serem paradoxais ao compartilhar muitos traços e demonstrarem diferenças abissais. Jena Malone se esforça, mas prefiro ficar com a imagem do ótimo trabalho em Donnie Darko. Já Jamie Chung é bela e desperta curiosidade, mas é claramente coadjuvante. Vanessa Hudgens é um erro do começo ao fim, com visual exagerado até mesmo para padrões snyderianos, péssima atuação e uma cena de “explosão emocional” digna de pena pelo fiasco.

Baby Doll vê o mundo à sua volta e procura uma saída. Em princípio física, depois emocional. Nada lhe faz bem, tragédia é seu destino e ela sabe disso a não ser que, nas palavras do Homem Sábio/Obi-Wan Kenobi/Gandalf/[Insira aqui o Mentor Genérico de sua preferência]: “se defenda!” Ela precisa se manter na estrada de tijolos amarelos e salvar suas aliadas do catre, seja ele mental ,no hospício onde realmente está, ou no bordel idealizado por sua mente desesperada. Pacientes ou prostitutas, todas são escravas. Liberdade é o objetivo. Dorothy quer voltar para casa. Baby Doll não tem para onde voltar, entretanto, muitas vezes a jornada é mais importante que o objetivo em si.

A heroína de Snyder se constrói no calor da batalha, artifício usado pelo diretor para impedir que o espectador conheça Baby Doll de verdade. Sabe-se o que ela quer ser, mas sempre há a distância para quem, ou o que, ela realmente é. Uma garotinha assustada e abusada se esconde por trás de seu avatar, de seu perfil heróico para, no fim do dia, encostar a cabeça no travesseiro e chorar até o amanhecer. A única possibilidade de tentar desvendar sua essência está na análise das ações que inspira em suas colegas. Logo, ela é agente transformadora, não sujeito de fato. Sua realidade tem cores menos saturadas e ambiente ultrarealista. Noutra personagem, escondida de forma descarada, há calor visual e aconchego; elementos que casam perfeitamente com seu belo sorriso ou sua melancolia latente.

Esse jogo de esconde-esconde tem como objetivo esconder a natureza do desfecho de Sucker Punch, que mantém um incômodo sentimento de clichê desnecessário ao longo da projeção, mas conclui seu raciocínio de forma lógica e melancólica, num grande momento de John Hamm. Em vez de perguntar o que é real, como os irmãos Wachowsky, Snyder usa seu gigantesco videoclipe/RPG de grande orçamento para colocar outra questão: estamos prontos para lidar com nossas decisões?

Ele responde ao questionamento, entretanto, é preciso enxergar através de sua roupagem exagerada para encontrar tanto a verdadeira história de Sucker Punch quanto a visão de Snyder, guardada no final da estrada de tijolos amarelos do mesmo modo, pela mesma Dorothy, agora modernizada e armada até os dentes. Quem é ela? Assista e descubra.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

Recomendado para você

18 Comments

  1. […] Read more from the original source: [Sucker Punch] Snyder e uma Velha Estrada de Tijolos Amarelos … […]

  2. […] Leia mais: [Sucker Punch] Snyder e uma Velha Estrada de Tijolos Amarelos … […]

  3. Excelente! Como sempre, você consegue extrair um olhar diferente dos demais críticos.
    Parabéns, mais uma vez.

    1. Valeu, Lucas!
      Crítico? Onde? 😀

      abs,

  4. Não tava empolgada em ir ver esse filme. Me parecia um filme de meninas bonitas em roupas sexy feito pra meninos….e só! Espero que o filme honre a profundidadde do texto porque agora eu quero assistir!
    Excelente! Parabéns pelo texto! =]

    1. Amanda,

      Ele pode representar muito positiva ou negativamente. Como digo, as comparações e o contexto estão aí, cabe a cada um fazer a leitura que lhe convém. Porém, ele é sim um filme de meninas bonitas com roupas sexy feito para meninos… visualmente, é isso. Existem leituras, possíveis análises da importância do filme seja para a cultura pop, seja para o simples entendimento do Snyder, mas é fácil se perder ali. Não saí tão empolgado, mas gostei por ser fã do Snyder. :p

      bjs!

  5. Talvez por ser MUITO fã do Snyder, eu estava com a expectativa alta demais, tanto que saí levemente desapontado. Esperava mais. O filme é bom, mas saí sem a menor vontade de rever, coisa que sempre espero que um blockbuster desperte em mim. Não sei se faltou algo na história que me pegasse mais, ou se a ação não foi tão impactante pra me fazer esquecer do roteiro. Analisando friamente, talvez seja o mais fraco da filmografia do diretor.

    1. Saí meio assim tmb, Jackson. Meio que “uma vez já deu”. 300 eu queria ver de novo feito maluco e Watchmen me fez ir ao cinema 4 vezes! Esse, quando sair em BD e olhe lá.

  6. Fábio, estava com muita expectativa com relação ao filme e devo dizer que gostei muito dele. Para mim Sucker Punch cumpre bem o seu papel de entreter, sem contar que achei a trilha sonora é excelente. Eu achei uma pena o filme não ter ido bem nas bilheterias no seu primeiro fim de semana em cartaz, porém no fundo eu já esperava isso, pois Sucker Punch não é um filme para o grande público ,por assim dizer.

    Fábio, o Snyder realmente é tão simpático assim? Pergunto isso, pois vi uma entrevista em vídeo do Erico Borgo com ele em que demonstrava tanta satisfação em ter feito Sucker Punch e sempre respondia tudo com orgulho estampado na cara. Não é muito comum ver entrevistas com diretores e atores em que eles sejam tão assim, digamos, legais. As garotas do elenco também forem bem simpáticas, sobretudo a Abbie Cornish.

    1. Fala Adílio,
      Com os papagaios de pirata das entrevistas em TV todo mundo é simpático, ri e quer fazer piada. Costumo medir o nível de simpatia do pessoal quando a gente faz entrevista individual, que permite mais proximidade e mais tempo para ver as reações. Na TV, a entrevista em si dura 3 minutos e tem por pura finalidade agradar e te empolgar. Numa individual, normalmente, tenhos entre 10 e 25 minutos. Zack Snyder é uma simpátia desde a primeira vez que o entrevistei, por 300. Ele é empolgado mesmo e é o melhor defensor de seu material.

      Abraço e valeu pelo comentário,
      Fábio

  7. Barreto,

    É a primeira vez que escrevo aqui no SOS, mas já venho acompanhando seu trabalho já tem um tempo e digo, parabéns por mais uma excelente análise.
    Gostei muito do filme e sei que grande parte disso é por ser um grande fã do Zack Snyder, fiquei meio confuso com a essência do filme quando saí da sala, mas após ler a sua análise compreendi um pouco melhor.
    Mas como você disse no comentário acima, mais uma vez só em BD, não me empolgou tanto quanto eu achei que empolgaria.

    Mais uma vez parabéns pelo excelente trabalho!

    Abraços

    1. Pedro, seja bem-vindo!
      Cara, é o fantasma da expectativa! 😀
      Gosto de ousadia, mas repetição deixa a coisa desinteressante depois de um tempo. Provavelmente foi o caso.

      Valeu e não suma! 😀

  8. Fabão,

    Aí algumas palavras minhas sobre o filme (http://igordroog.blogspot.com/2011/03/sucker-punch.html). Gostei bastante, pra rever inclusive.

    Grande abraço. Se tiver um tempo leia e opine lá no blog!

  9. Oi Barreto!!

    Cara, como sempre, adoro o que tu escreve dos filmes! Adorei o que tu fez pro “Bravura Indômita” e aquilo foi o grande motivo de eu ir ver. E agora com Sucker Punch, que eu to contando nos dedos desde que o ano começou pra poder ir ver, to bem empolgada!
    Pena que os cinemas aqui de POA acham que o Snyder é dispensável. Sem sacanagem: o maior cinema da zona sul, o Cinemark do Barra Shopping, fez uma BAITA divulgação do filme, pôs um mega-poster na entrada, o trailer passava sem parar nas tvs do lugar e, quando o filme estreia… CADÊ?! Juro pra ti: tem só 4 salas com o filme NA CIDADE INTEIRA, o que dá cerca de umas 10 sessões diárias com muita sorte. Isso que aqui não é” São Crispim do Passa Quatro”, é a capital do RS, Porto Alegre.
    Quero muito ir ver e o cinema mais prático pra mim é o unico cinema de rua que sobrou na cidade, o Vitória, no Centro. Espero que, na verdade, o Barra tenha levado pra lá e não divulgado no jornal ou coisa assim, mas duvido muito. Fiquei bem triste com isso, afinal, eu adorei a ideia do filme e ainda mais agora depois de tudo o que tu disse…
    Vou me virar e assim que ver digo mais alguma coisa!

    Abração pra ti e até mais!

    Flávia Santos, 18 anos
    Porto Alegre – RS

    1. nao só ai.. mesmo em sp… sao poucas salas… e poucos horários…. e nunca lota…

  10. Bom… mas, achei o filme perdido… nao to falando das realizades.. e sim da historia meio fraca…
    gostei, mas nao recomentadaria esse filme pra qq um…

  11. Eu assisti e gostei DEMAIS desse filme!

    Minha única crítica é a mesma da maioria, incomoda um pouco a falta de profundidade das personagens, mas o filme é LINDO graficamente, e na mensagem. O filme me deixou empolgado durante bons 90% da projeção, e os 2 minutos finais me levaram às lágrimas, não copiosas, mas aquelas que apenas enchem os olhos e o coração, quando você sabe que recebeu uma mensagem positiva e verdadeira.

    QUERO demais o Bluray do filme.

    Fábio, ele fez sucesso por aí? Por aqui não muito, infelizmente.Aliás, parabéns pela opinião, sempre gosto das suas, e participe mais do Rapaduracast! Adoro você falando sobre cinema!

    Grande abraço!

    1. Oi Fabrício,

      Por aqui foi super mal tmb. O filme não funcionou comercialmente. Parece uma maldição do Snyder, ganhou tanto dinheiro com 300 que depois só fez filme de nicho. :p

Comments are closed.