O ritual de assistir um filme com a família no El Captain, o cinema da Walt Disney Pictures, no coração de Hollywood, é fantástico. O cinema é lindo, normalmente contém exposições de itens de cena do filme em exibição – é apenas uma sala, logo, sempre tem apenas um filme da Disney em cartaz – e o concerto de órgão com os temas clássicos do estúdio dá um charme especial. Tirando a única vez quando um segurança idiota comprou briga por sugerir que eu, logo eu!, queria gravar o filme com o celular, sempre foi uma atividade fantástica. Na última vez, assistimos Cinderela. Ela é a princesa favorita da Ariel, logo, a expectativa era alta. A sala, entretanto, normalmente lotada, estava cheio de cadeiras vazias naquele sábado de manhã. E esse foi nosso primeiro sinal de que alguma coisa não daria muito certo.

O curta-metragem que antecede Cinderela é ambientado no universo de Frozen, com Elsa pegando um resfriado e criando centenas de bolinhas de neve prontas para criar confusão no melhor estilo Sessão da Tarde. Já vimos curtas fabulosos ali – La Luna, Paperman, Blue Umbrella, etc – e eles tiravam a galera da cadeira. Esse fez as crianças rirem um pouco e mais nada. Foi o segundo sinal. Parecia algo desgastado, sem razão de ser. E olha que Frozen ainda é bem recente.

Cinderela começou. E que filme lindo. Departamento de arte pirou, construiu cenários encantadores, roupas magníficas e, visualmente, pintou e bordou da melhor maneira possível. O baile de gala pulsa com vida e brilho. Tudo é lindo. Ah, já falei que é lindo? Acho que sim. Mas é bom deixar claro, o filme é lindo. E só. Talvez tenha efeito em quem nunca tenha ouvido falar da história da garota rica transformada em servente por uma madrasta desgostosa, com duas irmãs fúteis e feias (embora no filme lindo, claro, elas sejam bonitas; a feiura está nas ações e na arrogância) e que é ajudada pela Fada Madrinha a encontrar o Príncipe, mas foge e deixa o sapatinho de cristal para trás. Talvez seja uma peça para as próximas gerações, que vão encontrar um ritmo mais moderno, linguagem atual e algumas dinâmicas revisitadas em relação à animação clássica. Mas é um talvez muito grande, afinal, bons filmes precisam fazer sentido tanto quando estrearam quanto 20 anos no futuro.

E é aí que vive a fraqueza: exceto pela atuação perturbada de Cate Blanchett, que tem o melhor momento do filme na cena com Stellan Skarsgård, Cinderela não passa de um remake live action da animação, com Rob Stark (Richard Madden) de Príncipe e a clone da Jessica Lange (Lily James) como Cinderela. Em longo prazo, vale a pena dar uma repaginada a um dos maiores clássicos da animação. Mas isso matou a criatividade do roteiro um possibilidade de qualquer profundidade na história. É como se a Disney quisesse apenas renovar o catálogo e poder vender duas, em vez de uma, versões no Disney Movie Club e manter o título em evidência. Não há outra razão aparente. Especialmente as crianças perceberam. Na saída do cinema, falavam mais da animação que do filme que acabaram de assistir.

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E isso reflete na amplificação do maior calcanhar de Aquiles criativo de Hollywood: remakes. Isso não é novo, tampouco é proveniente de alguma mentalidade recente. Adaptações de livros e consequentes remakes das mesmas histórias acontecem desde a institucionalização da linha de produção dos estúdios. Afinal, qualquer nova tecnologia – começando com o som e seguido pela cor – fez executivos quererem deixar grandes filmes mais bonitos e palatáveis para o público moderno, em seus respectivos momentos históricos. A Disney vem de uma boa safra de Princesas: Enrolados é um filmaço, Valente também e Frozen infectou o mundo com “Let It Go”. Mas já bateu na trave com Into the Woods e agora pisa no freio com Cinderela. Ambos pecaram por razões opostas, um por tentar reinventar tudo; outro por reinventar nada.

Por que se contam as mesmas histórias? Deixando de lado a teoria de que existe um número limitado de dinâmicas, o maior responsável é a familiaridade. Essas histórias já foram recontadas tantas vezes que, socialmente, estão incutidas em cada um de nós; seja pelo desenho animado que formou parte do nosso caráter na infância – e não lembramos nem do nome, nem do conteúdo, mas sempre carregaremos os conceitos –, seja pelo modelo comportamental passado por nossos pais, afinal, eles também receberam essa carga de outras pessoas e produtos. É uma repetição redundante das mesmas ideias. Esse é o entretenimento. Logo, o que ele faz por você? Regurgita as mesmas dinâmicas com outras roupagens, conta uma coisa nova aqui e ali, mas, na maioria das vezes, só está entregando algo familiar, relacionável, compreensível.

Esse é o conceito subliminar, ideológico. Muito mais o resultado da prática do que sua motivação em si.

A motivação dos executivos sempre vai ser a grana. Muitos até fazem esses filmes por razões egoísticas ou pessoais – “minha filha ama”, “era o filho favorito da minha mãe”, “foi meu primeiro beijo”, etc –, mas sempre unem o útil ao agradável. Pois, na maioria das vezes, remakes – ou as temíveis continuações – dão resultado. A boa bilheteria de um remake, garante até novas histórias, como o recente Karate Kid; a boa série Ocean’s Eleven, ou a porcaria do Fúria de Titãs. É boa e velha questão da demanda contra oferta. Se existe procura e consumidores para filmes questionáveis, mas que tragam uma carga emocional da infância ou da adolescência, por que não fazer? Transformers é um dos filmes mais vistos da galáxia por conta disso.

Em muitos casos, um remake é quase tão garantido quanto uma adaptação de livro de sucesso. Ambos levam um público prévio, e garantido, para o cinema. É o entretenimento engolindo a si mesmo e regurgitando novas formas de fazer fortunas com a mesma história. Entretanto, o remake corre um risco maior: se ficar ruim – em caso de filmes nem tão comerciais –, pode encerrar carreiras e custar a cabeça dos executivos. Muita gente rodou quando Gus Van Sant refilmou, quadro a quadro, Psicose, em 1998. E ele mesmo nunca apanhou tanto, entretanto, o diretor tinha o elemento “projeto ego”, enquanto os executivos queriam faturar com a fama de Hitchcock. Todo mundo apanhou. O filme custou US$ 60 milhões e não faturou nem US$ 37 milhões mundialmente. Já o Planeta dos Macacos, de Tim Burton, pode não ter agradado à crítica e especialistas do gênero, mas dobrou o orçamento e quase chegou a US$ 400 milhões em 2001.

É fato que a maioria do público vai ao cinema procurando apenas diversão. Nada errado nisso, alias, é exatamente com isso que os executivos contam. Como toda indústria, Hollywood precisa vender o número suficiente de pizzas para manter o forno aceso. E as receitas de sucesso são sempre as mais vendidas, não é mesmo?

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Remakes e eu

Sempre fui contra remakes. Ainda mais com a tecnologia moderna, que permite o armazenamento praticamente eterno da maioria dos filmes e em boa qualidade. Já entrei no arquivo da Universal e só um meteoro acertando o lugar em cheio seria capaz de destruir aqueles filmes, e olhe lá. Cada filme contém muito mais que uma história, contém traços da época em que foi feito, de seus realizadores, suas ideias e objetivos. Por mais que um remake seja bom, ele apaga a aura original – que, por muitas vezes, é criada exatamente pelas limitações tecnológicas e erros – e permite uma compreensão maior de muitas dessas obras.
Pode até ser chatice de quem gosta de estudar filmes, ou vê-los mais de dez vezes – minha média pessoal é de 15 vezes por filme, alias; e isso inclui filmes que nem gosto tanto, mas são relevantes tecnicamente ou mercadologicamente –, assumo. Entretanto, isso serve como muleta para roteiristas que vivem escrevendo as mesmas coisas, esperando alguém gostar da nova versão de algo já filmado e escrito inúmeras vezes – afinal, vários roteiristas pensam assim, então imaginem quantas opções de remakes disfarçados de Star Wars existem por aí – e impede que o dinheiro vá para projetos inovadores e criativos.

Mas, sinceramente, isso nem é tão verdade assim, é? Os filmes transformadores continuam acontecendo. Iñárritu, Cuarón, PTA, Jonze, Duncan Jones e, a cada década, Terry Gilliam, conseguem verba para fazerem filmes tão malucos quanto inesquecíveis. Mas fazem. Essa é a diferença seminal entre a produção de cinema norte-americana e essa piada fraca chamada de cinema brasileiro. Por saberem da importância dos grandes filmes, os estúdios têm uma reserva de mercado, e de recursos, para permitir que continuem acontecendo. Já no Brasil, a única produção constante são as comédias acéfalas, enquanto o mundo independente fica tentando se matar para fazer filmes melhores e sempre dá com a cara na parede na hora de encontrar financiamento ou bons roteiros. Quando conseguem, quase nunca perdem a carinha de mambembe.

Se pensarmos que, em algum momento de nossas vidas, ainda estávamos começando a ver filmes e tudo era novidade, os remakes de linguagem fazem sentido. Entretanto, é triste saber que o primeiro contato de um jovem cinéfilo com Psicose pode ser a versão do Van Sant ou que, para ele, o King Kong do Peter Jackson é o filme definitivo sobre o personagem. É tudo uma questão de referencial, mas, se uma área de estudo e do entretenimento depende do passado, é o cinema. Por ser a mais dinâmica, dependente de tecnologia e por evoluir perante os olhos de todo o mundo, todo o tempo, o cinema pode divertir momentaneamente, mas só é transformador graças à sustentação de toda essa história e discussões que, assim como grandes livros, são desenvolvidas ao longo de anos, décadas.

Com isso, nota-se que, como ferramenta de negócios, o remake vai sempre continuar por aí, como instrumento narrativo, ele parece com um feitiço que transforma tudo em moderno e lindo, mas só até a meia noite. A diferença é que, na realidade, a carruagem passa por cima do sapatinho de cristal e os pedacinhos se espalham entre colecionadores e estudiosos, mas nunca mais serão vistos por quem estava de olho na donzela em apuros, que fugia por vergonha da própria realidade, que deu as costas para o amor verdadeiro por não estar mais bonita, bem editada ou agradável quanto as novas versões com quem dançava na noite.

Ela só se esquece de que, na verdade, o que importa não é o visual, mas sim, a alma. E nem todo remake tem uma Fada Madrinha capaz de lhe conceder uma alma que dure para sempre.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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2 Comments

  1. A cada remake de filmes da “minha época”, uma parte de mim morre, sendo bem sincero. Já basta a rede Cinemark colocando filmes da minha infância como “clássicos”. É de pensar na cova.

    1. sei bem como é, cara. pena que a regra parece ser: cada geração com a magia que merece.

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