Terry Gilliam abre as portas para O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus no coração de Hollywood, emociona e faz valer sua inestimável colaboração para o cinema fantástico mundial.

por Fábio M. Barreto, de Los Angeles

As luzes do Chinese Theatre atraiam as atenções de turistas e convidados naquela noite de sexta-feira. Entretanto, nem sinal do tradicional e longo tapete vermelho de estrelas concedendo entrevistas, em vez disso, um trajeto curto e respeitoso com os nomes, assinaturas e impressões cravados pela eternidade na calçada de Sid Grauman. O clima era de gala, mas a estrela da noite não pisaria no veludo. A noite de abertura do Festival de Cinema do American Film Institute (AFI Film Festival) celebrava uma composição única e impossível de se repetir: a mistura entre o surrealismo de Terry Gilliam; a última interpretação de Heath Ledger; e o resultado disso tudo, O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus (The Imaginarium of Doctor Parnassus). E a casa estava cheia.

Os 1162 lugares do Chinese Theatre estavam tomados e a expectativa era latente entre os presentes; muitos deles acreditavam estar preparados para a projeção. Enganaram-se. É impossível antecipar a criatividade de Terry Gilliam que, antes do início da maior de suas premières, foi ao palco. Estava sobrecarregado com tamanha reação, mas sabia que Heath Ledger era o maior atrativo para boa parte dos espectadores. Reverenciou o jovem talento, compartilhou o momento de maior perda – quando soube do falecimento, jogou-se no chão e pensou “o filme acabou” – responsabilizou a filha, Amy Gilliam, pela continuidade do projeto e trouxe seu elenco, incluindo o brilhante Christopher Plummer, e os produtores para o palco. Foram aplaudidos de pé antes mesmo do início do filme. A felicidade de Gilliam era inigualável. Praticamente um garoto diante de sua primeira bicicleta. Também pudera, não importa quão adorados sejam seus filmes, continua com fama de diretor de filmes inacabados ou projetos arrojados demais.

Não poderia ser diferente com O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus. As luzes caem e, tão qual o roteiro do filme, a tela de cinema faz as vezes de portal para um mundo visualmente cru e, ao mesmo tempo, provocativo. Nesse lugar, a magia e a realidade se cruzam numa luta eterna pela pureza, ou eterna danação, das almas. Transformação e aceitação. Sonhos magníficos e desejos medíocres. Luz e sombra. Dualidades e inter-relações presentes na vida do personagem título (Plummer), ainda disposto a pregar a iluminação do pensamento em meio à modernidade caótica e desprovida de alma e objetividade. Parnassus é o Bem corrompido pela frivolidade da modernidade, enquanto Mr. Nick (o demônio de Tom Waits, em brilhante interpretação) passeia e se diverte com a superficialidade humana.

Heath Ledger surge. O enforcado. Homem morto capaz de retornar à vida. Um presságio de assombro para Parnassus e, enquanto isso, na platéia, o desejo de que a vida imite a arte. A própria tela responde com a negativa, ao trazer Johnny Depp, Jude Law e, por fim, Colin Farrell para substituí-lo. Eles cruzam o espelho, enfrentam sua mortalidade e, inevitavelmente, pagam por seus pecados. Aqui se faz, aqui se paga. Dentro ou fora do espelho.

Essa é a mensagem de Gilliam, que prega o reino da imaginação; a libertação da tecnologia que poda a criatividade infantil e a manutenção da mente moderna; o consumo desenfreado como objetivo de vida. O Imaginário do Dr. Parnassus é visualmente maravilhoso e conceitualmente desafiador. Provoca seu espectador ao retirá-lo da zona de conforto, incentivando – ou não – uma reavaliação pessoal. E é um desafio para o qual dificilmente existem respostas, muito menos as fáceis.

O filme termina. As palmas empolgadas do início não se repetem. Os fiéis permanecem até o último crédito. O clima é de reverência, em vez da sempre exagerada bajulação hollywoodiana. Sair do Chinese reativa o contato com a realidade. A placa de vidro do espelho de Parnassus ficou para trás. Suas idéias acompanham pela caminhada no Hollywood Blvd. Tudo parece diferente, ou melhor, seria diferente caso o diretor da vida real fosse um tal Terry Gilliam. Brilhante no desenho e revolucionário em suas idéias.

A volta para casa comprova, mais uma vez, que o verdadeiro brilho de Hollywood é mais forte quando as luzes se apagam.

O Mundo Imáginário do Dr. Parnassus já está disponível em DVD e Blu-Ray.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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7 Comments

  1. (antes de ler)
    O filme é legal…

    mas…
    NAO graças ao Ledger…

    o HYPE todo nesse filme, só rolou por causa da morte do brokebackmountain…

    (assim q ler, comento denovo)

  2. alias… todos os outros que fazem o papel do ledger no MUNDO IMAGINARIO… dão de 10 a zero nele… =)

  3. (“têje” lido)

    bem.. como disse… bom filme…
    nao é um primor… mas gosto do Terry…. =)

  4. […] O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus | SOS Hollywood … […]

  5. Achei lindíssimo, lúdico. É complicado pra mim falar do Gilliam, pois sou um grande fã do seu trabalho. E por toda a história do projeto, que quase engavetou na época que o Ledger faleceu, ele obteve um resultado memorável!

  6. é um filme para se abrir os olhos!
    perfeitamente ilustrada a dita “realidade” moderna no mundo imaginário e o poder para a libertação(delicinha), ou não (Parny, Tony…).
    Bom, excelente! uma vida!

  7. […] dentro do Teatro Chinês, o cinema principal. Foi o mesmo lugar onde vi Speed Racer e O Imaginário do Dr. Parnassus. Adorei a experiência e poder estar ali é algo mágico por natureza. Fiquei tão empolgado que […]

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