Distante de sua especulação fantasiosa e ultratecnológica, cinema e literatura de ficção científica enxergam um futuro sombrio ultimamente. Não importa se haverá máquinas controladoras ou desertos desolados pela guerra nuclear, o fim inexorável da raça humana é tema constante nas produções do gênero, entre elas O Livro de Eli, com Denzel Washington, e o recente A Estrada, com Viggo Mortensen. É o reflexo do terror. E do medo.

Por Fábio M. Barreto,
de Los Angeles

Uma nova Era da Humanidade começou em 11 de Setembro de 2001 e seus efeitos estão muito longe de se esgotar, especialmente nas mentes de roteiristas e escritores norte-americanos. Enquanto George Orwell e diversas gerações de mentes criativas, no máximo, imaginaram o fim da sociedade nas mãos de governos ou corporações ultracontroladores, a geração atual acredita no nada. Alguns enxergam possibilidades de reconstrução ou reinvenção da raça, porém, bradam em uníssono: o apocalipse armamentista é inevitável. É a visão de uma nação mergulhada em guerras há 30 anos, atacada em seu âmago e desconfiada de qualquer outro país. E, assim como o escorpião, quando se ver efetivamente acuado – seja por paranóia interna ou algum inimigo externo – pode provocar uma catástrofe. Alan Moore acredita num momento de caos para recriar algo melhor; Cormac McCarty enxerga o fim definitivo; canais de TV gastam fortunas em especiais tentando antecipar a trajetória decadente que levaria ao fim; enquanto os irmãos Hughes e Denzel Washington acreditam em segundas chances e no poder da religião, em seu O Livro de Eli, que estréia hoje nos cinemas.

O cinema sempre apontou como canal perfeito para a divulgação desses conceitos, por causar assombro e maneira mais fácil. Mad Max, Equilibrium, Matrix, O Dia Seguinte, O Exterminador do Futuro são apenas alguns exemplos. Entretanto, tanto a incidência quanto a gravidade desses cenários na produção intelectual da última década disparou, assim como seu formato mudou. Nas décadas de 50 e 60, o medo do Apocalipse atômico criava a necessidade de se saber quem seria o vilão capaz de aniquilar a Terra: americanos ou soviéticos? Hoje em dia não se procura um culpado, apenas aceita-se a alta probabilidade desse desfecho soturno.

Um pouco disso é visto em O Livro de Eli. Houve guerra. Extermínio em massa. Falência do Estado. Mas nada se sabe, apenas resquícios na paisagem – gigantescas crateras – e uma população de sobreviventes divididos entre cegos afetados pelas explosões e novas gerações acostumadas a uma civilização desprovida de tecnologia e vivendo das sobras do que outrora foi nossa sociedade. Muda-se o cenário, mas não as pessoas. Ainda há luta pelo poder, representada por Gary Oldman e sua obstinação por encontrar um livro; e fé numa segunda chance, centralizada em Denzel Washington, Eli, um sobrevivente numa missão messiânica em direção ao Oeste.

“As grandes histórias ainda tem lugar na literatura. O fato de eu e você ainda lermos já justifica a existência dos livros”, comenta Denzel Washington, em entrevista exclusiva à Sci-Fi News/SOS Hollywood, em Los Angeles. Descontraído e simpático, o ator não teve problemas em dizer que aceitou esse papel por conta de seu filho, John David, que se apaixonou pelo aspecto espiritualístico e acabou trabalhando como produtor no longa. “Mas há uma coisa que afeta as pessoas muito mais que 11 de Setembro: o ego! Afinal, o que nos faz pensar que o mundo vai acabar durante o nosso período de vida nesse planeta? Cada um enfrenta seu próprio apocalipse quando morre, então, por alguma razão maluca queremos vivenciar isso lendo ou assistindo a um filme”.

É um modo de tentar compreender essa nova dinâmica, a realidade do terrorismo e a incerteza de um mundo melhor. Nesse contexto, filmes com temática ecológica ou positivista acabam relegados ao segundo plano como utópicos. Wall-E se arriscou e até a extinta New Line tentou com o mal recebido Mimzy, mas a glória atual está reservada aos “gênios” capazes de levar o mundo cyberpunk ou alguns pedaços do Velho Testamento para as telas. Em alguns casos, até ultrapassam essa barreira, como é o romance vencedor do Pullitizer e também filme, A Estrada, de Cormac McCarthy, previsto para estrear em maio, no Brasil. Nesse futuro, não há salvação, livro místico ou colônia de sobreviventes esperando a chance de um novo começo. O Klaatu de Keanu Reeves definiu essa situação perfeitamente: se os humanos sobreviverem, a Terra morre; se os humanos morrem, a Terra sobrevive. McCarthy matou o planeta. O que resta é um retrato cru e desagradável da natureza humana. “É incômodo, mas ao mesmo tempo produtivo pensar nisso; imaginar essas pessoas; se ver sem ter o que comer e, mesmo assim, sobreviver”, comenta o veterano Robert Duvall, que faz uma pequena participação em A Estrada, em entrevista à Sci-Fi News/SOS Hollywood.

Olhar para o futuro e ver apenas tragédia pode parecer pessimismo exagerado, mas razões existem – além do 11 de setembro – e não são gratuitas. Washington explica: “já repararam como não valorizamos o que temos? Lembro de ficar em longas filas para tentar usar o telefone quando era garoto, hoje, qualquer um faz uma ligação de qualquer lugar. Essa falta de respeito e valor ao que temos – seja uma fruta ou uma roupa nova – não é um bom indicativo”.

De acordo com Washington, “filmes ou livros até podem influenciar as pessoas, mas o mínimo que se espera é que iniciem debates e provoquem novos questionamentos; não é isso que me faz escolher, ou não, um trabalho, mas é algo que aprendemos quando treinamos para ser atores e, por mais distante e surreal que pareça, sempre está por ali”. Seja escolha consciente ou mero reflexo das incertezas sociais, a Ficção Científica lança o alerta para algo mais plausível do imaginarmos uma estação espacial em Marte, a primeira colônia em Alpha Centauri, ou mesmo as maravilhas da Pandora de James Cameron – também vitimada pela devastação e guerra humana – e as perspectivas de um mundo ficcional parecem menores a cada dia.

Muito disso pela forte influência da guerra ao terror liderada pelos Estados Unidos. A cada ataque, novas ondas de preocupação. Na TV, o History Channel conta como seria o “Mundo Depois da Gente”, e a CNN transforma atentados, mortes nas frentes de batalha e prisões de terroristas nas notícias mais ameaçadoras e relevantes do mundo, além de deixar implícito – a cada nova notícia – que o Irã pode deflagrar o conflito nuclear a tanto custo evitado com a Rússia. É o poder da globalização e da superinformação. Nenhuma guerra desses moldes começou, mas se depender da FC. Perdemos antes mesmo do primeiro tiro.

Publicado na SCI-FI NEWS, 144, nas bancas.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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6 Comments

  1. Olá Fabio Barreto…

    Acabei de chegar do cinema e simplesmente adorei!!!!
    Espetacular

    Denzel Washington e Gary Oldman deram um show….
    Uma das melhores fotografia que eu vi nos últimos anos…

    É um verdadeiro estudo sobre o ser humano e a sociedade.

    Abraços!!

  2. Infelizmente não vi o filme ainda. Mas certamente, ao lado de Alice, é um dos que certamente assistirei este ano.
    Por que? Porque não quero saber como o mundo vai acabar, ou quase acabar. Mas se alguem pensou nisto, também deve ter pensado nas multiplas realidades que surgiram neste momento.
    Como se comportarão os humanos sob esta nova perspectiva?
    .
    E aí, ao nos depararmos com esta nova perspectiva, aprendemos algo.
    Não é a mesmice e a repetição que somam em nossa vida, mas o contato com o diferente e o novo.
    E eu gostaria muito de ter contato com algo diferente – do que temos visto repetidamente nos ultimos “apocalipses” por aí – em “O Livro de Eli”.

  3. Fábio, já postei o link de sua matéria em meu Blog em “Especial: Alice no País das Maravilhas”.

    Bom aqui está minha crítica sobre “O Livro de Eli”:
    http://cinemmaster.wordpress.com/2010/03/21/o-livro-de-eli-2010/

    Abs.

  4. Assisti o filme com alguns amigos e namorada. Eu gostei do filme, mas minha amiga achou horrível. Eu nao sou nada religioso, mas acho que já que é uma ficção eu aceito tudo ahuahua.
    Achei que esse filme tinha que ensinar muito filme ai, inclusive batman que adoro a fazer cenas de luta. As cenas nos novos batmans sao apenas jogos de camera, voce nem ve nenhum soco! Fico tonto so de lembrar. Ja no the Book of Eli, voce ve sangue, porrada e tudo mais.
    No geral eu achei um bom filme… não achei excelente, mas aceitável. Nota 7,5 diria.

    Abracos

  5. […] gente. Muito dele foi inserido em O Exterminador do Futuro: A Salvação, assim como no recente O Livro de Eli. Entretanto, essas duas histórias mostram uma luz no fim do túnel. A Estrada é uma rota direta […]

  6. […] bilheterias de 2010*, apenas três delas são roteiros originais (Valentine’s Day, Date Night e O Livro de Eli), as demais (Alice no País das Maravilhas, Como Treinar Seu Dragão, Fúria de Titãs, Homem de […]

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