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Leonard Nimoy: Uma Vida Fascinante

Convivi por muito tempo com o trabalho de Leonard Nimoy, afinal de contas, as tardes da Record eram repletas com as frases quase sempre bem encaixadas de Spock, um bom amigo, um homem lógico, um oficial dedicado. Lá estava ele, sempre que Kirk precisava e, de certo modo, quando tantos jovens estudiosos pediam sua ajuda. A relação de Sheldon Cooper com Spock é um mero reflexo de gerações convencidas de que a sabedoria, a informação e a seriedade, na hora certa, seriam a diferença entre a vida e a morte. Vivenciei isso, porém, demorei muito a entender.

Por conta da paixão por Guerra nas Estrelas, Jornada nas Estrelas era um tipo de “efeito colateral” do gênero. Era a única relação que, ainda adolescente, pude fazer; numa casa na qual era o único leitor, único fã de ficção científica, único desinteressado em novelas, único entendedor da tal lógica… e, bem, único em muitos sentidos. Séries como Jornada nas Estrelas e os japoneses como Jaspion e Changeman sempre me mantiveram à parte da família. Nunca fui maltratado por isso, mas, também, demorou para encontrar iguais. Bem, a TV servia para isso. Sempre foi claro que, embora Kirk ficasse com a garota, Spock manjava das coisas. Como eu ainda não fazia ideia do que era beijar uma garota, foi fácil criar identidade com o cara de orelhas pontudas. Um dia tentei explicar o que era um Vulcano em casa. Foi, de certo modo, fascinante.

Bem, essa memória ficou guardada por uns anos, até que fiz minha primeira carteirinha de locadora, em Itaquera, subúrbio de São Paulo. Era começo dos anos 1990. No primeiro fim de semana, fui seco procurar pelos VHS de Guerra nas Estrelas, que não via há um tempo e estava com saudade. Eles não tinham a Santa Trilogia, acabei pegando A Ira de Khan, À Procura por Spock, A Volta para Casa e A Fronteira Final. Passei o fim de semana assistindo, sozinho, claro, esses quatro filmes pela primeira fez. Bom, todo mundo sabe o que acontece com Spock dramaticamente nesse filmes, desde a morte até a ressureição e o toque Vulcano no punk em San Francisco, além do conflito com Sybok. Foi também nesse fim de semana que, sem saber, conheci o Nimoy não ator. Ele dirigiu À Procura por Spock e o outro… o das baleias! Tem como não gostar das baleias? Por alguma razão muito pessoal, A Volta para Casa parecer o mais humano de todos os filmes da tripulação original. E, olha, foi dirigido por ele.

Anos passaram, assisti muitas vezes mais aos filmes e à série, sempre que via uma reprise, deixava no canal, para passar um tempo com os velhos amigos; vestidos com as mesmas ceroulas espaciais, com os mesmos barulhinhos, e sempre rindo com as presepadas e cenários ruins.

Cresci sem ser o bonitão, ninguém levava goleiro a sério no time da escola e como muita gente acha que praticar tiro com arco é coisa de maluco que joga RPG, fique na minha, seguindo a vida. Continuei estudando, encontrando coisas fascinantes para aprender, entrei no jornalismo e fui conhecendo alguns famosos até que, um dia, veio o primeiro encontro com Leonard Nimoy. Pouco antes, havia escutado a infame “The Ballad of Bilbo Baggins” – desastre é pouco – e até uma versão decente de “Walk the Line”, de Johnny Cash, cantadas por Nimoy em suas aventuras vocais. Enfim, lançamento de box em DVD de Jornada, evento no Brasil, já trabalhava na Sci-Fi News à época, toca todo mundo ir para o Elis Regina conhecer o homem.

                

 


 

Primeiro Encontro

O evento começou poderoso, com a palestra de Nimoy e o encerramento com a oração em hebraico, as mãos esticadas, dedos separados, a origem do cumprimento Vulcano. O auditório foi abaixo. Não tinha como não ficar emocionado. Experiência única. Aí, por benefícios da profissão, hora de ir ao camarim. Como a Paramount não liberou entrevistas – tentando valorizar o visitante, numa jogada que é sempre burra, mas enfim – os amigos da Frota e do Zona Neutra deixaram a gente entrar. Como disse, nunca fui grande fã de Jornada, logo, não tinha nenhuma camiseta da Frota ou coisa assim. Nunca tive. Fui com uma camiseta de Guerra nas Estrelas, bonitona, da estreia de Episódio I em Nova York. E aí quase tudo foi pelo cano. Quando olhou para mim, Nimoy ficou puto.

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“Camiseta errada, você fica lá fora”, disse, sério. Pânico!

E agora? Não vou conhecer o cara? Ele é um babaca? Putz!

O tino jornalístico e o coração nerd tomaram conta e devolvi. “Pode ser de outro filme, mas amo tanto quanto amo seu trabalho”, disse. Foi involuntário. Nunca havia pensado nisso antes. Usei o termo amor, algo que é sério, para um personagem de Jornada. Naquele momento, muita coisa fez sentido. Por mais que Yoda e cia tenham formado meu caráter, muitas das lições e exemplos vieram de Jornada, que sempre foi mais pé no chão. E lá estava eu, diante de Spock, e ele me deu uma patada.

Respondi já achando que ia rodar, mas aí, o inesperado aconteceu, ele olhou pra mim, abriu um sorriso e emendou: “Se é assim tudo bem” e esticou a mão para me cumprimentar. Lu, Silvia e eu tiramos uma foto com ele. Nunca vi a imagem, ficou perdida no rolo de um fotografo do Jornal do Vídeo, com quem nunca mais me encontrei e cuja promessa de enviar uma cópia pra redação nunca foi cumprida. Foi um daqueles momentos pessoalmente históricos e que, por sortilégios do destino, só existe nas lembranças daquelas pessoas, numa das salinhas nos bastidores do Elis Regina, no Anhembi.

Saí de lá pensando em amor, nas ramificações do que havia dito e, enquanto olhava para o box de DVD, devidamente assinado, pensei em como meu fanatismo por Guerra nas Estrelas havia sabotado algo que eu gostava, só não falava muito por, sei lá, pose. Nunca liguei muito para a Nova Geração. Era diferente, ficou grande demais, assim como Guerra nas Estrelas com os universos pós-Episódio I. Deixou de ser aquela coisa próxima, aquele segredinho que quase ninguém sacava, virou outra coisa. E o distanciamento ocorreu.

 


 

A Última Lição

O segundo contato com o Nimoy diretor ocorreu quando trabalhava no Caderno 2, do Estadão. A redação recebeu o livro de Memórias de William Shatner, sobre a direção de A Fronteira Final, que nunca foi um bom filme. Entretanto, ler esse livro me mostrou, pela primeira vez, o lado profissional e humano desses caras, com suas falhas, frescuras e posturas. Óbvio, Shatner falou muito sobre o trabalho de Nimoy nos dois filmes anteriores, deu uma alfinetada ou outra, e sempre comentava as decisões de Nimoy no set – às vezes me pergunto como aquele filme saiu! Foi um momento interessante, pois, por mais que houvesse lido inúmeras entrevistas com George Lucas, os relatos dessa filmagem marcaram minha primeira experiência com o ato de se fazer um filme e isso, por si, já é seminal. Fui atrás de coisas sobre os filmes anteriores e achei algumas entrevistas legais do Nimoy, especialmente na Starlog. Alias, minha primeira matéria para a Starlog Brasil foi justamente sobre um desenho animado dublado pelo Nimoy, Invasion America.

É engraçado ficar retraçando a história e vendo os pontos de interseção como um ator em especial, afinal, quantos deles duram tanto tempo no escopo de relevância?

Avance alguns anos até a estreia de Star Trek, do J.J. Abrams. Fringe estava no auge e era dia de entrevistas com o elenco. Mantendo minha fama, e recorde, de fazer perguntas em TODAS as entrevistas coletivas/mesas-redondas das quais participo, lá estava uma bancada com 8 ou 9 membros do elenco e era minha única chance. Leonard Nimoy entrava entre eles. Como um dos poucos nerds de verdade na plateia, aluguei um microfone, perguntando coisas para vários deles, incluindo o Bruce Greenwood, que zoou a minha cara por eu ter mencionado O Núcleo, e, claro ao Nimoy. Foi uma conversa rápida, sobre a relação dele com o J.J. Abrams. Ele disse algumas coisas e fechou com, “Quando J.J. me telefona, já sei que vou dizer sim.” E encerrou com um sorriso, enquanto Anton Yelchin e Chris Pine olhavam para ele como se estivessem sentados ao lado de um semi-deus ou poço de sabedoria.

Leonard Nimoy Remembered
Agradeci pela resposta, sentei, e nem prestei atenção para o resto das perguntas tolas dos colegas entediados e que só cumpriam tabela. Eles não entendiam que o novo Star Trek era fantástico. Eles não sabiam como aproveitar o momento. Foi um momento feliz e inesquecível. Claro que não sabia ser meu último encontro com ele. Mas terminou foi legal. A última pergunta falou sobre respeito com um colega de profissão, sobre a importância da confiança e de sempre ficar perto de quem se gosta.

Por mais simples que possa parecer, foi uma das grandes lições do homem que foi ator, fotógrafo, cantor, diretor, poeta e, sim, foi – e sempre será – Spock.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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