Ou você morre como herói ou vive o suficiente para se tornar vilão – Harvey Dent

por Fábio M. Barreto, de Los Angeles

!CONTÉM SPOILERS!

Emoção é tudo. Pelo menos no entretenimento. Atingir os sentidos do espectador e colocá-lo em contato com a obra é fundamental, seja pelo humor ou pela tristeza. Mas é preciso haver um relacionamento e, na maioria das vezes, pré-disposição do público-alvo para garantir a maior efetividade da emoção em questão. Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1 tem tudo isso e pode agradar ao espectador casual, mas seu maior compromisso é com o fã fiel, pois sofrer e chorar baldes com a conclusão dessa primeira parte só é possível para quem leu avidamente os livros e sabe quem é Dobby, o grande herói do filme.

Harry Potter, Hermione e Rony embarcaram na viagem que empresta ao filme um aspecto de road movie emotivo, com clima adulto e aquela incerteza a cada novo acampamento, cada passo, cada decisão, mas a realidade os encontra de forma dura: são jovens; hábeis, mas medem forças com assassinos experientes e malévolos. Um herói inesperado se fez necessário. Alguém com habilidade suficiente e lealdade inquestionável, um Sancho Pança mais crente que o próprio Don Quixote. A formula não é nova, afinal, é Sam quem salva Frodo da perdição, por exemplo, mas extremamente útil. Contanto que espectador e personagem estejam em sincronia. Como esperar isso de Dobby, um elfo doméstico que ficou longe do público cinematográfico por 8 anos? Considerando apenas os filmes, a lembrança de sua existência é ligada diretamente à natureza infantil do início da série, quando as escadas de Hogwarts ainda eram maravilhosas e Snape ainda era apenas mal-compreendido.

Leia também: análise completa de Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1!

Com efeito aprimorado e a mesma devoção de sempre, o surgimento de Dobby é um passe de mágica em si. Lá estava ele, pronto a ajudar Harry Potter, a ajudar seus amigos e, acima de tudo, a estar com seus queridos amigos. Essa ligação se perdeu no cinema. Ficou escondida pelo “assombriamento” que a “crítica online” tanto falou nos últimos anos, perdeu importância com o aumento da força de Voldemort e a construção do clima de guerra de Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1.

Se a invenção das Relíquias da Morte – elementos grandiosos e relevantes demais para serem incluídos no final do jogo – já garantem novidade, a volta de Dobby é arriscada, mas inevitável. Arriscada para o público casual. Ainda há ligação com ele? Reconhecimento? Mera lembrança do nome? Sinceramente, pouco importa em termos de resultado, mas importa – e muito – para reforçar o conceito de que David Yates não levou necessidades de mercado em consideração nas filmagens. Dobby está na história e se sacrifica. Ponto. Ele precisa estar presente. Logo, lá estava ele. Sem reintrodução, sem artifício inserido apenas para situar o espectador desatento. O filme, sem dúvida, ganhou com isso. Sempre vão faltar cenas, mas todas as escolhidas são necessárias.

Essa é a maior prova de comprometimento de Yates com seu material base, que renderá uma das melhores adaptações literárias do cinema justamente pela escolha em dividir o filme em duas partes, e seus fãs – afinal, sendo claro, HP7 não é filme para aventureiro, seja imprensa ou público. A coisa séria, mas os não-leitores podem considerar isso como ponto fraco e “problema”, logo, sua mera presença é um marco na obra, pois aceitá-lo ou não, provavelmente, definirá a opinião sobre o filme. Outra boa decisão foi gerada pela intervenção divina que acometeu os executivos gananciosos da Warner Bros., que desistiram da conversão para 3D. Dobby é tão importante quanto tudo isso, pois o fã conhece. O fã se importa. O fã chora. Mas, narrativamente, ele faz algo impressionante: relembra um passado já distante, de beleza, deslumbre e problemas ínfimos, em perspectiva. E, exatamente por isso, seu destino acaba por enterrar de vez todos esses sentimentos, espanta essas emoções e relembra da realidade violenta. E sempre vai ajudar a levar mais leitores aos livros, que podem querer saber como e por que ele continua por ali, como conseguiu suas cicatrizes e etc.

Harry Potter, novamente, é o “garoto que sobreviveu” por conta do sacrifício de outra pessoa. Sua mãe foi a primeira e Dobby foi o mais recente [no cinema], mas, da próxima vez, ele não terá escudos. Voldemort é o adversário e não vai haver cena melancólica na beira do mar para marcar o final. Dobby morreu em paz e feliz. Estava com os amigos, que acabara de salvar. Para um verdadeiro herói não há dúvida, há ação. Ele agiu. Morreu, mas sorriu.

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Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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15 Comments

  1. Ah, mais uma excelente matéria!!!! 24hs faltando… guenta coração!

  2. […] [Crítica] O Efeito Dobby | SOS Hollywood – Entretenimento com Relevância says: 11/17/2010 at 14:46 […]

  3. Incrível como Harry Potter emociona. Reli o livro pela 3ª vez, pra ficar no clima, e me emocionei novamente, chorei tudo novamente… e nem precisa muito pra saber que sairei do cinema de olhos inchados.
    Se a cena de Dobby está lá, é certeza de muita emoção.

    Ando lendo todas as críticas sobre HP7, e como é gostoso ler as suas, por mostrar o que a gente espera… emoção!

    Aqui em casa somos em 6 ( que família grande n é :p), eu e minha enteada mais velha lemos os livros, o restante da família não. Tenho certeza que as opiniões serão muito divergentes por aqui, até pq eu sou apaixonada por HP, por HP e não pelo Daniel :p, e o restante da família não.

    Parabéns pela emoção que vc passa. 😉

  4. Muito boa essa análise.
    Sempre achei terrível Dobby ser cortado dos outros filmes, mas acho que a distancia pode trazer uma ligação com a infância mesmo, e o sacrifício uma quebra, pois são tempos difíceis. Edwiges trás um pouco disso também.
    As referências a Sam e Sancho são ótimas, é uma fórmula antiga que sempre funciona. 🙂
    Estava comentando no Twitter também sobre a citação inicial do Dent, é interessante pensá-la com Snape, ela funciona inversamente. É um personagem que quebra algumas “verdades”, adoro isso.

    Ótimo texto, parabéns!

  5. [ Comentário com spoilers]

    Eu amei o texto! É interessante observar que as mortes de pessoas íntimas à Harry Potter tem um significado por trás. Edwiges é a perda da inocência, por exemplo, e eu vejo Dobby muito como parte da jornada clássica do herói, na compreensão mais ampla da tarefa que Harry tem que cumprir. Mas muito além da questão literária, está o fator emocional mesmo. Dobby, que é um elfo-doméstico, espécie vista pela comunidade bruxa como “inferior” ao ser humano, dá uma prova de lealdade e de amor fantástica. Amor sim, porque Rowling nos mostra diversas formas de amar, é um dos vários elementos de sua narrativa, assim como a morte, essa “aventura seguinte”, como diria Dumbledore”.

    Eu me emociono sempre nessa passagem, aliás o sétimo livro já faz com que eu me emocione desde da dedicatória. Dobby, que nos outros filmes foi deixado de lado, pode servir também para estabelecer um contraste do jovem Harry, que podia contar sempre com a ajuda de um mentor, e ainda tem os amigos, mas sente que no fim, será apenas ele e Voldemort.

    Já salvei esse texto dentre as minhas análises preferidas de HP. São uns 9 anos mais ou menos como potteriana, posso dizer sem nenhum exagero que contar minha história sem falar nesses livros seria impossível. Na dedicatória de “Relíquias da Morte”, J.K. Rowling agradece à quem “acompanhou Harry até o fim”, eu diria que ele também vem me acompanhando até hoje, encantando-me a cada leitura, uma das magias presentes em HP é essa, não ter medo de se encantar verdadeiramente por algo.

    Parabéns pelo excelente texto. E viva ao “Elfo Livre” rsrs

  6. Mais um texto excelente Fábio, parabéns.

    E obrigada por me fazer chorar (de novo).

    O último livro foi totalmente visceral para mim, muita emoção, muitas lágrimas, tudo em demasia mas uma sensação de satisfação imensa porque a Rowling fez (quase) tudo como eu gostaria de ter feito.

    Fiquei emocionada só de imaginar Dobby no cinema. Sexta eu te conto como foi o rio de lágrimas.

    Beijo

  7. estava receosa que este filme omitisse o papel de Dobby…
    que bom q o personagem terá seu devido espaço!

  8. De todas a críticas que eu li, a sua foi a que mais me emocionou e foi a que eu mais consegui me identificar. Você capta o sentimento do filme e da série de forma explêndida. Assisti Relíquias da Morte ontem na Pré-estréia e estou até agora sem palavras com a genialidade, cuidado, delicadeza e vontade com que esse filme foi feito e entregue aos fãs. Pela primeira vez eu saí do cinema completamente satisfeito com o que eu tinha acabado de assistir. Pela primeira vez eu consegui chorar com um filme de Harry Potter. Sou manteiga derretida e fã fanático da série, mas nem Mike newell nem David Yates tinham conseguido me fazer chorar até hoje. Só me lembro de ter chorado na cena final de A Câmara Secreta. Mas naquela época a situação ajudou. Todos no cinema levantaram e aplaudiram junto com os personagens até a tela escurecer e Hogwarts desaparecer. Engraçado a diferença daquele filme para esse de agora. Tão mais maduro, freio, cru. Mais triste, mais sombrio. Ver que o final da série que marcou a minha infância e (não duvide disso) mudou a minha vida está sendo levado aos cinemas de forma tão fiel e tão bonita de se assistir me emociona muito. Como fã eu digo que valeu a pena ter ficado com o Harry até o fim. Porque apesar de tudo que já nos mostraram no cinema nesses 10 anos, bom ou ruim, não importa, o final vai fazer valer a pena, assim como todos os livros e especialmente o final também o fizeram. Parabéns pela sua belíssima crítica (tanto essa quanto a primeira) e que venha a Parte 2! o/

    1. Tão bom qto a crítica do Barreto foi o seu comentário Felipe! 😉

  9. Vi o filme na primeira sessão de exibição ao público aberto, em Brasília, e minha nossa… que filme…
    Logo de cara começando com cenas exclusivas da versão cinematográfica (Mione apagando a memória dos pais foi um pedido de Yates a Steve Kloves, roteirista que acertou pela primeira vez, na minha opinião) e arranjos magníficos numa trilha totalmente nova, o filme impressiona. E muito.
    Arrebata o humor do expectador e depois o faz querer abraçar o companheiro da poltrona ao lado.

    Recheado de frases de efeito e com um novo diretor de fotografia (Eduardo Serra, diretor de fotografia do maravilhoso Diamante de Sangue) o filme ganha um visual intenso, frenético, nostálgico e cheio de vida, principalmente se comparado ao filme anterior da franquia, que sofre por ser o livro que carrega as explicações para as partes finais da série.

    A impressão que tive ao contemplar a trilha a parte do filme foi que Alexandre Desplat (dono da única coisa que presta em Lua Nova, a trilha) quis homenagear Williams, e brincar com a melancolia que assombra todo jovem ao se deparar com a lógica do crescimento, do amadurecimento; aonde tudo, mesmo as maiores dores, deixa de habitar o plano lúdico e passar a fazer parte da história escrita por cada um de nós.

    Acima de tudo, um belo e divertido filme.

    Parabéns pela ótima crítica, Fábio!

  10. […] Sim, eu fiquei apaixonada e considerei este o melhor filme até aqui. Se, para além do meu sentimento de fã, você quiser ler alguém que conseguiu examinar de forma mais crítica seus pontos fortes, sugiro clicar aqui. […]

  11. Bem, muito legal a forma de se expressar das pessoas acima supracitadas, legal, se uma coisa deu certo para J.K Rowlinng foi o fime Harry Potter e as Reliquias da Morte PT 1, é claro tratando de um saga de uma geração é claro que o sucesso seria inevitavel, ainda não vi crítica nenhuma do filme só elogios, inclisive com a questão da Morte de Dobby, o elfo livre e amigo de Harry Potter, legal sem fazer comprações absurdas de ver que saga é a melhor, como Twitligh (Crepusculo) ou Harry Potter, o que importa e que o HP7 superou todas as espectativas de um filme e de uma saga… legal para a J.K Rowling e para os produtores do filme, tanta gente com criticas autos destrutivos sob Harry Potter, e não viram o lado bom das coisa, tanto Stephany Mayer quanto J.K Rowlling fizeram com que milhões de crianças e adolescentes comprassem um livro e o lê-sem de capa até a ultima linha do livro, copisa que nenhum outro escritor consegui fazer, é isso, BLZ, e obrigado e viva o momento Harry Potter e the Death of Hallows… tchau e obrigado (me sigam no twitter @lynnneckher)

  12. Faz teeeempo que já saiu essa matéria, mas eu arrecem li e tinha que comentar aqui. To recuperando meu tempo perdido dentro do SOS hehe

    No cinema, quando eu fu ver, todo mundo deu aquele “AAAAAH!” de alegria quando o Dobby apareceu abraçado a perna do cara lá (que eu esqueci o nome). Era como rever um amigo perdido há tempos. Todo mundo tava adorando ver o baixinho em cena! O que é ele com All Star, só pra comentar também?! Muito tri!!

    Aí chega a maldita da Bellatrix (que eu admito: amo odiá-la, porque, que mulher que eu acho do caramba!) e atira aquela joça daquela faca.

    De repente, o cinema todo estava chorando feito criança! Eu não queria chorar, não gosto de chorar com gente me olhando. Mas eu não conti. A camiseta ficou empapada de lágriamas. Tava me segurando pra não soluçar, quando, de trás de mim, vem o barulho de um gurizão da minha idade soluçando incontrolavelmente. Aí cabou-se, eu fiquei chorando até subir a musiquinha de encerramento, enquanto uma frase ecoava na minha cabeça: As coisas só tendem a pioraaar…

    Dobby acabou virando nosso amigo. O nosso herói mesmo. Quem não se lembra dele batendo com a garrafa na cabeça e dizendo “Dobby mau, Dobby mau!” lá no saudoso ano de 2002?!

    Como o Barretão brilhantemente abriu a matéria, ou se morre como herói, eu se vive tempo o suficiente pra se tornar um vilão. É. O Dobby escolheu salvar os amigos. Eles valiam a pena.
    E eu, que não li os livros, espero sinceramente que este sacrificio que fez uma sala com umas 70 pessoas (sessão de meio de tarde meio vazia, sabe como é) chorar absurdamente, não tenha sido em vão.

    Abraços Barretão e todo o pessoal do SOS!

    Flávia Santos, 18 anos
    Porto Alegre – RS

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