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O povo norte-americano vive uma guerra ferrenha há cerca de um mês. Não há envolvimento militar, muito menos ameaça estrangeira. O problema é interno, um dos maiores dilemas dessa nação colossal há anos: saúde pública. Enquanto Barack Obama tenta fazer jus à bandeira que o elegeu e trazer mudança, republicanos radicais pregam a desinformação para evitar a aprovação da maior reforma da História. É o roteiro de uma história catastrófica que nem mesmo as mentes mais malucas de Hollywood ousaram inventar: “se o plano passar, vão matar a vovó!”. E no meio do tiroteio, Bill Maher e Dana Gould, da HBO, deram um dos tiros mais certeiro e mostraram as pessoas realmente interessadas nessa reforma: a população carente.

Uma explicação rápida do funcionamento do sistema de saúde aqui: cidadão contrata o convênio, precisa pagar a mensalidade, mais uma taxa fixa por consulta, e uma porcentagem de eventuais internações e exames. Basicamente, você paga por mês e tem acesso a uma série de serviços que vão te cobrar do mesmo jeito, embora com preço reduzido. Para o cidadão comum, esse preço fixo é salgado [no mínimo, US$ 400.00 para uma família pequena] e, na maioria dos casos, as empresas pagam o convênio dos funcionários.

É exatamente esse povo, capaz de pagar a conta ou que tem empregador bancando o convênio, que tem lotado os Town Hall Meetings e feito discursos inflamados contra o “plano de saúde governamental”, que, de acordo com a oposição, pode tirar o poder de escolha do cidadão e definir quem será, ou não, coberto em casos de doença e diversos outros tratamentos, incluindo máquinas de suporte à vida. É o levante da classe média.

Agora, por que estou falando disso no SOS? Por que um programa de entretenimento fez algo que muito jornal diário ou televisivo se esqueceu. Às vezes me pergunto sobre a utilidade de cobrir entretenimento e momentos como esse me mostram que ainda podemos fazer a diferença.

Bill Maher tem um talk show semanal na HBO – Real Time with Bill Maher – no qual entrevista celebridades e convida formadores de opinião para debates sempre revigorantes e engajados sobre política, cinema, economia, sociedade e o que der na telha. Ele sempre conta com a participação do comediante Dana Gould, que faz matérias especiais e não necessariamente engraçadas. Na semana passada, ele resolveu abordar o problema da saúde.

Veja a reportagem antes de continuar. Pessoas comparando Obama a Hitler, entre outras coisas. Infelizmente, não encontrei versão com legendas:

Gould foi até Inglewood, na região central de Los Angeles, área que ainda reúne grande número de pessoas pobres e miseráveis, visitar um chamado “Centro Médico de Emergência”. Imagine um estádio de futebol, mas em vez do gravado, centenas de leitos e médicos prontos para atender a população carente. Essa é uma estrutura levada a países carentes ou área de desastres e catástrofes. Em vez disso, estava em Downtown LA, cuidando dos necessitados.

Esse pessoal chegou na fila entre 3 e 4 da madrugada, para ser atendido lá pelo meio-dia e aproveitar a oferta de dentistas, fisioterapeutas, clínicos gerais, ginecologistas e tudo mais, simplesmente por não terem condições de pagar pelas consultas ou de aguardar atendimento precoce nos hospitais públicos. O que mais chamou a atenção foi o contraste: enquanto esse pessoal [maioria negra, aliás] aguardava em silêncio e, em muitos casos, com dor; o outro pessoal [maioria branca] ficava sentadinho na reunião com o Senador para fazer discurso enfezado, religioso ou apocalíptico – e aparecer na Fox News e na CNN, claro!

Se a proposta de Barack Obama passar, a fila de Los Angeles seria drasticamente diminuída, pois a oferta de saúde abraçará também a população carente, com planos subsidiados e adequados a suas necessidades. Sem dúvida, uma evolução necessária e justa. Não quero desmerecer as questões dos críticos, que estão inseguros em relação ao novo sistema, não sabem como funcionará sua cobertura futura, se continuarão recebendo certos tratamentos e se, de acordo com Sarah Palin, o governo vai poder “desligar o aparelho da vovó”. A maioria dos opositores é de aposentados, cujos planos de saúde já são mais caros e que requerem mais cuidados com freqüência. Mas, olhando friamente, essa parcela tem condições – fundos de pensão, aposentadorias ou filhos – capazes de cobrir com suas despesas, enquanto a outra, silenciosa e grata pelo favor prestado pelo governo, mal consegue comprar comida.

No meio disso tudo, ontem, um senador republicano – não anotei o nome – disse algo espetacular, depois que uma mulher, aos prantos, perguntou se ele vai ajudar o filme dela, que não vai mais ser coberto pelo plano e vai morrer. “Meu escritório se compromete a ajudar no que for possível, agora estamos achando que o governo tem que fazer tudo por nós? Temos que ajudar uns aos outros, somos americanos”. Muito certeiro. Mas, nessas horas, o resto do partido não escuta e os gritos de “socialismo, marxista e Hitler” continuam ecoando.

Algumas pessoas falam que isso vai “socializar o sistema de saúde”. Aí, nesse mesmo programa de Bill Maher, Brad Pitt diz: “olha, esse pessoal fala que vamos virar um país socialista e nunca tirou a bunda da cadeira; eu já visitei um país socialista e te digo, estamos muuuuito bem!”. Parece que todo aquele medo da guerra fria voltou, pela razão mais bizarra. Reduzidos, depois da derrota presidencial, os republicanos se ofendem e atacam facilmente [alguns acreditam que Obama nem é cidadão norte-americano, aliás] para garantir seu espaço.

Enquanto CNN, New York Times e outros grandes nomes da imprensa dedicam tempo e espaço à cobertura dessas Town Hall Meetings, foi preciso um programa de entrevistas ir olhar o outro lado e mostrar quem, realmente, vai ganhar a “simples” vantagem de, pela primeira vez, ser incluído num sistema de saúde governamental. Tem gente se preocupando com “desligar os aparelhos da vovó”, enquanto muitos têm seus aparelhos desligados antes mesmo de perderem suas vovós.

E a gente ainda reclama do Brasil, onde se paga um valor fixo por um plano de saúde e, sem entrar no mérito da qualidade, pode ser atendido num hospital, fazer quantas consultas e exames for necessário e não ser cobrado a mais por isso. Tem suas falhas, sim, mas vendo essa dura realidade americana sinto saudade do meu cartão de convênio brasileiro. Viver com medo de ir para o hospital [e receber uma conta de mais de US$ 10 mil] mesmo pagando convênio é assustador.

A situação é crítica e um bando de gente maluca resolve acreditar até mesmo em Obama utilizar programas nazistas, ou na decisão do governo sobre a vida e morte dos idosos. Como Dana Gould disse no programa: MAS QUE P$#%#?

Vejam Brad Pitt no programa:

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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18 Comments

  1. Excelente abordagem Fábio.
    Michael Moore já tinha mostrado os problemas de sáude norte-americanos (ao seu modo, bem parcial) mas o fato não teve tanta repercussão quanto deveria.
    A saúde é cara em qualquer lugar, mas no Brasil, apesar de tudo, não estamos tão mal.
    É interessante ver como o aspecto ideológico pesa na política norte-americana, diferente daqui em que situação e oposição são tão iguais que nem à luz do sol da pra saber quem é quem.

    1. Michael Moore teria feito muito mais estrago agora, pois uma parcela grande da população está dando shows de horror, falta de informação e desespero. Eles realmente nõ sabem o que acontece no próprio país, é meio maluco.

      Enquanto isso, o sistema continua afundando… curioso como isso que o Maher fez NAO surtiu efeito na grande cobertura e nenhum dos canais de TV repercutiu. Verdade dói, né?

  2. Pô, esse Bill Maher é um fanfarrão, hhehehe. Muito bom. Até a piadinha da África no final. Agora eu sei porque um monte de artistas estavam querendo fazer uma “vaquinha” pra ajudar o Chi Cheng, guitarrista (ou algo assim) do Deftones. O cara se acidentou, e o “seguro não cobriu as despesas”. Achei estranho isso, mas só agora vim saber pq.
    Poisé, meu amigo, olhando por esse lado, prefiro pagar um particular aqui. Mas ninguém sabe o que nos reserva o futuro.
    Falou

  3. Falae Barretón!

    Cara, eu desacreditei quando vi sobre essa discussão, mas agora entendi melhor depois do seu texto. E me fez lembrar que aqui no Brasil as pessoas reclamam. Ok, tem vários defeitos, mas mesmo assim é um sistema que salva vidas de muitas pessoas.

    E tem um fato curioso: sabia que vários casos – leves ou graves – os hospitais particulares encaminham para os hospitais públicos? É rapaz, que irônico, não acha?

  4. RT @soshollywood Quando o Jornalismo de Entretenimento ainda faz a diferença, esse é o resultado: http://uiop.me/daI

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  11. Bill Maher é muito bom mesmo. Recomendo o documentario dele Religulous

    1. Bem lembrado, Pedraum. Muito bom mesmo!
      🙂

  12. RT @GutoGuimaraes RT @soshollywood Quando o Jornalismo de Entretenimento ainda faz a diferença, esse é o resultado: http://uiop.me/daI

  13. Quando o Jornalismo de Entretenimento ainda faz a diferença, esse é o resultado: http://uiop.me/daI (RT importantíssimo!) (via @r0cc0)

  14. Brad Pitt não é o melhor e maior ator de Hollywood à toa: http://uiop.me/daI

  15. Quando vi a chamada na TV não tinha entendido, mas agora com seu texto, entendi.
    É incrivel como as pessoas são tão individualista e só pensam em seu umbigo…

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