O Grammy pode ser o caldeirão das celebridades musicais da atualidade, mas começou com dificuldades e sem interesse dos músicos em se apresentar ao vivo. Dá para acreditar?

por Fábio M. Barreto, de Los Angeles

Conhece o ditado: os fins justificam os meios? Às vezes isso funciona fantasticamente e até quando não se espera. Assim é Los Angeles, assim é Hollywood. Tudo acontece de maneira meio rápida, inesperada e, sem exageros, cada passo pode ser histórico. Logo que cheguei à Califórnia, ainda sem carro, sem conhecer absolutamente nada da cidade e cheio de vontade fui bater perna. Numa dessas caminhadas dei de cara com o Palladium, na Sunset Blvd, quase em frente aos estúdios da Nickelodeon. Aliás, até pensei em começar esse texto com aquele estilo americano “Enquanto caminhava pela Sunset, dei de cara com o Palladium; imponente, histórica e toda azul, a casa de shows blablabla”, mas preferi algo mais contextual, afinal, o que é o Palladium, por que eu estava ali e por que ele me empolgaria? Perguntas, perguntas… sempre as perguntas. O Korn faria um show ali em algumas semanas, mas a grana era curta e não consegui ir – e os ingressos estavam esgotados, para variar -, logo, meu encontro com aquele palco lendário aconteceu por causa do cinema, quando a Universal levou um grupo de jornalistas para entrevistar o elenco de Land of the Lost, o remake bisonho de O Elo Perdido, lá dentro.

Achei que fosse no lobby ou no estacionamento, algum cenário ou idéia maluca. Errei feio. O evento aconteceu lá dentro. Surtei! Estava lá dentro (e sem pagar, o que é melhor)! E conversando com Marty Krofft, criador de O Elo Perdido, ele manda uma pancada velha-guarda total: “sabe que estive aqui na noite de estréia com Frank Sinatra?” Como dizem por aí, foi de “explodir cabeças”. Um ciclo maluco havia colocado Sinatra, Marty e eu nas duas extremidades do tempo. Egocêntrico? Total! Mas pirei mesmo assim! Não falei que os fins justificavam os meios? Pois é, por causa de um filme fraco, vivi esse momento e pude passar algumas horas dentro lugar que recebeu a primeira edição transmitida ao vivo pela televisão do Grammy, em 1971, depois de amargar 12 anos – desde sua criação em 1957 – como um evento gravado e relativamente marginal no entretenimento norte-americano. Aretha Franklin, The Carpenters e Simon & Garfunkel cantaram naquela noite de música na ABC, que se empolgou o suficiente para iniciar a tradição do Grammy na TV.

Navegar pela história do maior prêmio da música é curioso, afinal de contas, com suas origens enraizadas na necessidade identificada por líderes do mercado fonográfico para sua versão da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas ou suas irmãs da TV e Teatro, o nascimento da National Academy of Recording Artists and Sciences foi algo bem simples, tanto que entre 1957 e 1963 não existia evento de premiação. Uma lista era divulgada e os ganhadores recebiam seus prêmios pelo correio. O primeiro programa realizado em 63 surgiu como mera formalidade. Sob o nome de The Best on Record, o especial era montado com apresentações gravadas dos ganhadores, e chegou a ser filmado sem platéia. Os vencedores, que já haviam sido escolhidos meses antes, eram anunciados e pronto. Havia um programa, mas, mesmo assim, o evento principal da premiação acontecia em cerimônias em Los Angeles e Nova Iorque, nas quais os ganhadores eram anunciados.

Se para algumas pessoas o número 13 dá azar, para o Grammy ele é sagrado. A 13.a edição, em 1971, revitalizou tanto a associação quanto o jeito se ver o Grammy. Foi o ano da primeira exibição ao vivo! Pierre Cossete é o nome do maluco obstinado com a idéia e que fez tudo acontecer depois de conseguir os direitos de um programa de duas horas na ABC. Chamei de maluco, pois é a realidade. Grandes visionários sempre jogam tudo para o alto por causa de um sonho. Eles se arriscam e pedem favores para deus e o mundo em prol de suas idéias. Foi assim que ele conseguiu convencer boa parte dos artistas presentes no 13th Annual Grammy Awards, entre eles Duke Ellington, Andy Williams, Burt Bacharach e Herb Alpert. As dificuldades foram imensas e Cossete chegou a ponderar usar algumas gravações, mas isso poderia ser visto como quebra de contrato, então uma das soluções foi convencer alguns intérpretes a cantar covers cuja audiência seria garantida. Por isso Aretha Franklin cantou “Bridge Over Troubled Water”, de Simon&Garfunkel (que ela regravaria oficialmente para, no ano seguinte, ganhar um Grammy como Melhor Vocal R&B!) e Dionne Warwick encarou “Let it Be”, dos Beatles. Só dois indicados cantaram ao vivo: The Carpenters, com “We’ve Only Just Begun”; e Simon&Garfunkel, que acabaram ganhando o prêmio de álbum do ano por “Bridge”.

O Oscar era referência clara em termos de prêmio na TV. Mesmo extremamente monótono – se você reclama dos recentes, procure vídeos das primeiras premiações! – todo mundo conhecia, tendo isso em mente, Cossete lutou por tentar ligar o mundo da música com o cinema. O resultado foi a presença do icônico e venerado John Wayne como um dos apresentadores. Os deuses da música ficaram felizes com as oferendas e sorriram para o programa, que teve platéia lotada e audiência exemplar. A ABC pirou com a idéia e deu sinal verde para a continuação no ano seguinte. Eram os primeiros passos de um evento que se transformaria numa referência mundial. Entretanto, os deuses são inconstantes e podem ser agradados por outros fiéis. Pouco tempo depois, menos de dois anos para ser específico, o Grammy teria sua primeira batalha com a chegada da concorrência, a implicância da imprensa e o preconceito do canal que o acolheu.

Grammy x American Music Awards

Em 1972, o Grammy foi gravado em Nova Iorque, num dos auditórios secundários do Madson Square Garden, o Felt Forum. B.B. King tocou. The Carpeters repetiram a dose e Three Dog Night também deu as caras no show ao vivo. Mas esse foi ano mais marcante, pois a imprensa e parte da indústria iniciaram a tradição do ‘Grammy-bashing’, ou seja, ‘Desça-o-Cacete-no-Grammy”. Todas as escolhas pareciam erradas. Os críticos não concordavam com nada. Alguns produtores – muitos deles com produtos derrotados ou voto-vencidos – passaram a desacreditar as escolhas. Onde está o reconhecimento a Elton John?, alguns perguntavam. Como os Allman Brothers não ganharam nada? A ladainha começou ali e, de certo modo, nunca parou, seja com o Grammy ou qualquer outra grande premiação. Descontentes estão por todos os lados. “Eles praticamente republicavam a mesma matéria todo ano e só mudavam os nomes”, diz Ken Ehrlich, produtor-executivo do Grammy, a partir de 1980, e criador do MTV Movie Awards, em 1992. Falem Bem ou Mal, mas falem de mim. O ditado acabou funcionando, pois, por estar engatinhando na TV, era bom atrair a atenção do público e, de certa forma, os anos de críticas podem ter ajudado.

O mesmo não se pode ser dito do primeiro grande racha envolvendo o Grammy. Depois do sucesso dos dois primeiros anos – em Los Angeles e Nova Iorque – a organização resolveu montar seu circo em Nashville, numa época em que o country ainda era considerado música de nicho (uma bola de cristal ali teria feito toda a diferença, não?) e faria mal tanto aos índices de audiência quanto à imagem da emissora. Foi exatamente isso que a ABC pensou e ameaçou cancelar a transmissão se ela viesse do Tennessee. Cossete aceitou a negativa e foi para cima da NBC numa missão meio suicída e desesperada, afinal, ele tinha um programa sem lar, num tempo em que TV a cabo não existia, logo, o Grammy “não-existiu” por alguns meses. A pressão deu certo e a NBC topou quando o executivo Bob Wood, amigo de Cossete, que, mesmo assim, relutou um bocado, aceitou a proposta.

Nem é preciso dizer que a audiência disparou mesmo com o palco repleto de astros country. George Harrison ganhou como Melhor Álbum do Ano com “Concert for Bangladesh” na frente de 53% dos espectadores norte-americanos. NBC feliz estourando rolhas de champagne, ABC puta e enfurecida ouvindo o fantasma de Cossete dizendo “eu te disse, eu te disse, eu te disse”. Pagaram feio pelo preconceito e a falta de visão, entretanto não ficaram muito tempo remoendo e, pouco depois, iniciaram as negociações para a criação de um concorrente. Assim surgiu o American Music Awards.

Em princípio, a concorrência foi boa, pois “ajudava à indústria”, depois a coisa ficou feia e a briga por atenção e, acima de tudo, pelos músicos que cantariam ao vivo se tornou predatória. O troco da ABC veio na data da exibição, pois realizavam o AMA semanas antes do Grammy, que sofria com a repetição ou negativas de cantores que não poderiam abrir datas são próximas em suas turnês ou agendas lotadas. A briga durou praticamente 30 anos até que o AMA foi transferido de fevereiro para o final do ano anterior.

E essa história não terminou, mas isso fica para o próximo texto. 😉

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Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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1 Comment

  1. Parabéns pela iniciativa em falar do Grammy. A premiação tem uma história muito interessante e, apesar da massificação musical do nosso tempo, ainda é importante e influente. Certamente o maior reconhecimento para qualquer artista. Que venham mais histórias sobre o Gramofone de Ouro! =)

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