Time Machine é um convite deste trio de nerds talentosos para seus fãs mergulhares de cabeça numa aventura temporal com suas músicas!

por Leonardo “Ock-Tock” Paiva, jornalista profissional, músico amador, apresentador do podcast Máquina do Tempo e rushmaníaco em tempo integral. Especial para o SOS Hollywood.

Oito anos após sua primeira e, até então, única visita pelo Brasil, o trio canadense Rush pisará novamente em solo tupiniquim, dessa vez, para apresentar a turnê Time Machine nos dias 08/10 no Morumbi (SP) e 10/10 na Sapucaí (RJ). A tour não promove nenhum lançamento do grupo – se muito, eles antecipam duas músicas que estarão no CD Clockwork Angels, previsto para ser lançado apenas em 2011 – mas não é por causa de BU2B e Caravan (pré-lançadas através da Internet) que suas apresentações têm lotado estádios.

Time Machine é mais do que um show de uma banda de rock: é um convite que este trio de talentosos nerds faz aos seus fãs para mergulhar de cabeça em uma aventura pelo tempo através de suas músicas. Nada de DeLoreans voadores ou cabines telefônicas desta vez: o cenário decorado com tema steampunk nos faz sentir dentro da clássica máquina do tempo de H.G. Wells com seus diversos tons de cobre, amplificadores que parecem rádios valvulados e uma bateria com ferragens e engrenagens que encheriam o viajante temporal de Herbert George de orgulho.

Nas palavras do baterista e letrista Neil Peart, trata-se do “futuro como deveria ter sido” – um futuro hipotético que vemos e nos deslumbramos nas telas do cinema e também nos significados de suas canções. Ainda mais na turnê Time Machine, onde Peart, Geddy Lee (baixo, teclado e voz) e Alex Liefison (guitarra) tocam o seu trabalho de maior sucesso na íntegra, Moving Pictures, o disco mais cinematográfico da banda.

A escolha deste título de inúmeros significados para o LP de 1981 que é cultuado até hoje foi proposital: a expressão “moving pictures” pode ser interpretada ao pé da letra como “movendo pinturas”, como bem mostra a capa da obra, retratando uma equipe de mudança levando embora quadros diversos enquanto uma família chora emocionada pela perda de suas gravuras – tudo isso em um cenário montado bem em frente ao Prédio da Legislatura de Ontário, no Queen’s Park. Na contracapa do disco, descobrimos que tudo não passa de um grande set de filmagem, revelando que tudo não passa da gravação de uma cena das “pinturas em movimento” – lembrando também que “moving pictures” também pode ser uma gíria para, simplesmente, “cinema”. Com tais informações, sua mente pode viajar muito longe ao inventar (descobrir?) inúmeros significados ocultos no encarte da obra.

Leia Crítica Exclusiva do Show, por Fábio M. Barreto

E que roteiro fantástico este disco-filme nos apresenta: ele já começa apresentando de forma marcante o personagem principal, Tom Sawyer, que não gosta de ser confundido com seu homônimo das obras de Mark Twain, apesar de suas leves semelhanças. O guerreiro dos dias modernos é reservado e muitas vezes confundido como arrogante, mas possui um grande amor pelo mundo e pela liberdade. Mesmo que as músicas não sejam co-ligadas como em muitas obras de bandas progressivas, podemos imaginar este mesmo personagem em todas elas como, por exemplo, na futurista Red Barchetta, claramente inspirada no conto A Nice Morning Drive, sobre um fazendeiro que, numa época em que a “lei dos motores” é clara sobre ser proibido o uso de veículos de motor à combustão, mantém uma Ferrari Barchetta vermelha em seu celeiro e desobedece as regras levando seu sobrinho adolescente para correr nas velhas estradas.

A instrumental YYZ é a trilha sonora perfeita para uma emocionante cena de perseguição de carros, ou melhor, para uma épica batalha aérea, visto que sua marcante introdução é o código Morse das letras que formam seu título. O significado remete ao código IATA de aeroportos – nesse código, cada aeroporto do mundo é representado por três letras; “YYZ” representa o aeroporto de Toronto. Em Limelight, chegamos ao momento introspectivo e filosófico da história, onde nosso herói se sente desconfortável diante dos holofotes, do sucesso e da atenção obtida por seu repentino sucesso e conquistas. Uma mensagem otimista e muito útil para os dias de hoje é deixada aqui: não deixe o sucesso subir sua cabeça, pois tão depressa quanto ele te eleva, também vai te derrubar. Afinal, se o mundo inteiro é um palco e todos nós somos meros músicos, estamos todos sob a luz da mesma ribalta.

The Camera Eye é um daqueles momentos de contemplação do filme-disco, daqueles que os efeitos especiais com direito a 3D e tudo fazem valer seu preço no orçamento. Na tentativa da banda de captar, em forma de música, as diferentes energias, características e culturas de duas das maiores metrópoles do mundo, Nova Iorque e Londres, conseguimos imaginar claramente a criação de uma terceira megalópole, uma junção dessas cidades e muitas outras dentro de um cenário em constante movimento (será que… ?). Tudo isso registrado pelos olhos deslumbrados de nosso personagem que começa a enxergar o lado bom de suas conquistas: grande é o esforço, mas o mundo é seu prêmio. É fácil sentir-se um Super-Homem nessa situação, ainda mais quando o início da canção usa, como sons de ruas, buzinas e rotina movimentada da selva de concreto, alguns minutos do filme do homem de aço, quando o tímido Clark Kent dirige-se ao Planeta Diário.

O filme vai chegando ao fim com Witch Hunt, trazendo a esperada queda de nosso herói. Inspirada na caça às bruxas de Salem, episódio retratado no filme dirigido por Nicholas Hytner em 1996, a música fala de preconceito, perseguição, acusações e julgamentos injustos, situações que o protagonista pode muito bem viver para causar sua derrocada ao fundo do poço. A lição é aprendida, o glamour do mundo dissipa-se de seus olhos e a verdade é revelada: uma verdade mecânica, onde máquina e homem vivem em uma relação de dependência, criada pelas imposições de ambos. Essa é a sensação que Vital Signs, a última música do disco, nos deixa. Com um gosto de “to be continued”, a obra deixa clara de que todos temos que reverter nossas polaridades, sermos persistentes em deixar a ficção e arrastar o sonho para a existência.

O filme pode chegar ao fim com uma revelação e uma mensagem, mas a história continua por, pelo menos, mais 30 anos de carreira do trio canadense e vai ficando cada vez melhor. É por isso que os fãs de cinema, literatura e ficção em geral estão mais que intimados a comparecer na Apoteose ou no Morumbi e embarcar nesta viagem fantástica. Uma viagem musical que encantará seus ouvidos e seus olhos. Todos a bordo!

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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4 Comments

  1. Excelente matéria! Me deixou muito empolgado para assistir o show no domingo aqui no Rio!

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  3. […] O Sol ainda brilhava acima da colina onde está instalada a arquibancada do Verizon Amphitheater. Era fim da tarde e um mundarél de gente caminhava pelo vasto estacionamento, já praticamente lotado, para aquela distante área onde o show aconteceria em minutos. A cada passo uma nova experiência. Carros chegando com Rush no volume máximo; gente bebendo, gente já bêbada; e, lentamente, a luz foi ganhando tonalidades avermelhadas e assim, de repente, sumiu. O alvorecer nunca foi tão lindo. Especialmente pelo barulho que a platéia já fazia e pelo clima eletrizante desse encontro que, mesmo sendo repetido para muitos, ainda parecia tão empolgante quanto da primeira vez. Leia Artigo Exclusivo de Ock-Tok sobre as visitas do Rush ao Brasil e o conceito de Time Machine! […]

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