[Música] Bruce Springsteen e a Escuridão Urbana

Darkness on the Edge of Town despertou meu interesse por músico que supera preconceitos e cuja mensagem transcende as fronteiras de seu país.

por Fábio M. Barreto, de Los Angeles

Enquanto conversava com L.L. Cool J outro dia, ele comentou que estava ouvindo muito Hendrix e analisando a coletânea Hazy Dreams, de 2003, se não me engano. Batemos um papo sobre guitarra e a trajetória do instrumento. Foi legal, especialmente por ter tirado o foco das perguntas de NCIS, que era o tema da conversa e começava a ficar repetitiva. Sem perceber, exatamente no mesmo mês, estava fazendo a mesma coisa, mas meu objeto de estudo era outro: Bruce Springsteen. Ou melhor, Darkness on the Edge of Town, álbum de 1978 que desconhecia totalmente até pouco tempo. Chame de inexperiência ou de preconceito, fato é que não me sentia atraído pelo estilo de Springsteen na juventude e isso definiu muito minhas escolhas no futuro. Por muito tempo ele foi o cara que gritava no We Are the World. E pensar assim foi uma das maiores bobagens da minha vida.

Comecei esse estudo de Darkness por dois fatores: o show do Hall of Fame e o fantástico documentário The Promise: The Making of Darkness on the Edge of Town, produzido pela HBO, exibido no Festival de Toronto e, mais tarde, na grade do canal. Ver Bruce Springsteen naquele espetáculo alucinante que é sua turnê com a E Street Band (no Hall of Fame) despertou algo e quando vi o filme as dúvidas acabaram. Descobri o problema: sempre conheci Born to Run, Born in the USA, Streets of Philadelphia, mas não tinha a menor noção de músicas como The River, Badlands, The Promise Land e Thunder Road.

Um momento específico decretou o interesse por Darkness. No documentário, Springsteen é mostrado como o garoto obstinado com uma visão específica de sua música. Ele sabia exatamente o som que gostaria de ouvir. “Eu queria ser um dos grandes!”, disse. Quando escrevi o artigo sobre Michael Jackson no Grammy, lembrei desse sentimento. Inicialmente, pode-se entender isso como ego ferido ou condição inerente a jovens sonhadores. Talvez ambas estejam corretas, mas prefiro entender como manifestação de uma vocação. A realização de um sonho. É preciso ter muito peito para dizer aos quatro cantos: vou fazer algo histórico! E conseguir.

Foi isso que Springsteen fez com Darkness, um disco que assustou e embasbacou críticos e fãs. Foi seu quarto álbum e todo mundo esperava o mesmo estilo à la Born to Run. O sujeito mergulhou num álbum conceitual, inventou, reinventou, escreveu trocentas músicas – uma das sobras, por exemplo, foi Because the Night, único hit de Patti Smith – e cumpriu sua promessa. Alguém me disse recentemente: o melhor de Bruce é quando ele não está gritando. Bingo. Atrás da cortina de fumaça dos hits depre ou da minha imagem de infância encontrei um estilo musical agradável, profundo e relevante. Gostei muito da organização dos instrumentos; bastante balanceada e permitindo que cada som faça sua parte de forma presente mesmo quando os vocais estão presentes.

Escute a música tema – Darkness on the Edge of Time – ao vivo:

Quando fui à loja comprar o CD – velho, né? -, o vendedor não quis vender! Hilário! Peguei dois álbuns e fui seco para o caixa, mas o responsável pela área de música da Barnes&Noble me chamou de lado e começou a falar sobre Springsteen. Tinha escolhido o Darkness e um Greatest Hits, especialmente para ouvir no carro com a família (Streets of Philadelphia, Born to Run, Hungry Heart, Secret Garden, etc). Jurava que o cara tentaria empurrar outra coisa, mas foi o contrário: “Então, você não vai comprar esse não!” Perguntei o que deveria levar no lugar, imaginando que a estratégia dele fosse substituir o produto. “Nada. Você vai voltar na semana que vem, ou comprar online na pré-venda, porque vai sair um box especial com DVD do documentário, 6 discos, shows, mais faixas excluídas e outras versões de 78. E se você levar esse, vai ficar com raiva de mim depois!”. Preciso dizer que comecei a rir da cena inusitada? Fiquei lembrando daquela cena em Rebobine, Por Favor, quando Danny Glover avalia o serviço dos atendentes da locadora de grife: “sem conhecimento específico”. Senti como se estivesse com meus amigos vendedores da Livraria Cultura, sinceramente. Claro, foi a estratégia do cara. Pergunta se eu não comprei o especial? Assim que sobrou a grana!

E valeu cada centavo, pois muito mais que ouvir as faixas, compreender seu processo criativo e ver onde as escolhas sonoras foram feitas faz diferença. Uma das coisas que Springsteen fez foi substituir instrumentos, modificar inserções – basicamente, tirar um saxofone de um intervalo e inserir noutro – e redefinir tempo de permanência de diversos elementos. O sujeito arquitetou o álbum. Só. Gosto de discos conceituais e esse é um dos melhores.

Curiosamente, não levou prêmios. Ficou em 5.o na Billboard de Pop Albums, em 78, e voltou às paradas em 2010 na 16.a posição, no Top 200 da Billboard! Springsteen só ganhou seu primeiro Grammy em 1984, por Melhor Vocal em Dancing in the Dark, e teve seu maior momento na premiação em 1995, quando abriu o show ao lado da E Street Band e levou quatro gramofones por Streets of Philadelphia. Só que foi com gosto meio amargo, pois depois de ganhar como Música do Ano, perdeu Melhor Álbum do Ano – prêmio que nunca levou – para a então novata Sheryl Crow, com Tuesday Night Music Club, que também foi eleita a Revelação do Ano. Até hoje, Springsteen levou 20 Grammy.

Mais que herói americano ou ícone cultura, Bruce Springsteen é um músico mais universal do que aparente. A temática local é grande influenciadora em suas canções, sem dúvida, mas basta ouvir com cuidado para perceber que os dilemas e tristezas de Jersey ou da cidadezinha interiorana de The River são os mesmos enfrentados por pessoas no Brasil ou em qualquer parte do mundo. Springsteen é um poeta urbano. Folk e contemplativo. Mas poeta. Sempre poeta.

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E a minha favorita, faixa título do álbum seguinte, The River:

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