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Não há melhor maneira de começar um artigo sobre Quadrinhofilia (HQM Editora), de José Aguiar, do que compará-lo a um livro de crônicas. Exatamente, um livro de crônicas. Tudo por conta da opção do autor e ilustrador José Aguiar por construir algo que vai além de uma mera HQ com seu novo trabalho. São diversas histórias que, de maneiras diferentes, levam o leitor a um passeio por diversas facetas desse ilustríssimo morador de Curitiba. Enquanto fazia minha visita a Quadrinhofilia, não conseguia parar de pensar como seria se o escritor Mario Prata, por exemplo, resolvesse desenhar, em vez de escrever. Seria apenas uma mudança de formato, já que em termos de conteúdo, ambos os autores são altamente efetivos.

Conheci José Aguiar por conta de minhas andanças pelo mundo nerd, quando ele colaborava com a Folha de S.Paulo e, claro, o primeiro trabalho com o qual me deparei foi O Gralha, herói mascarado que vigia as ruas curitibanas e enfrenta vilões regionais como a Mulher Araucária, por exemplo. Esperava uma cópia descarada do Batman ou algo assim, mas a qualidade foi surpreendente e encontrei um herói bastante original e interessante. Daí em diante passei a acompanhar o trabalho de Aguiar, que conquistou muitos fãs com o recente Folhateen e, como quem não quer nada, mandou outra boa sacada com Quadrinhofilia.

Voltando à idéia original: por que um livro de crônicas? São diversas histórias, vários mundos, inúmeras visões sobre o cotidiano, o passado e o futuro. Curiosamente, Quadrinhofilia abre sua trajetória com um conto sobre o Carnaval. Não sobre aquela palhaçada realizada pela Globo e o dinheiro sujo das escolas de samba, mas aquele carnaval dos clubes, das bandinhas, dos tempos em que carnaval era música alegre e, felizmente, o pagode ainda não existia. O mais relevante aqui é entender o artista Aguiar que mesmo sem gostar de carnaval, assumidamente, consegue transportar todo aquele clima para suas belas páginas.

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É aquele tipo de história que conquista pela realização e deixa qualquer ligação, ou não, com o conteúdo em segundo plano. Seguindo nessa linha, uma outra “crônica” chama a atenção ao homenagear o cinema. O Gabinete do Dr. Calligari, clássico do expressionismo alemão, ganha uma releitura pelos olhos atentos de Aguiar, que inverte papéis, revê personagens e, por pouco, não cria uma Ficção Alternativa para esse tema. A história é opressiva e ganha mais pontos por seu roteiro forte e acertado.

Alguns experimentos puramente gráficos e iconográficos ganham espaço e, num trabalho primoroso de preto e branco, se resolvem com agilidade e timing perfeitos. Sem um balão sequer, apenas uma condução visual pela pena do autor e, em muita parte, pela imaginação do leitor.

Destaco mais duas histórias imperdíveis: Entropia e o Diário de Viagem de Aguiar. Na primeira, com roteiro de Gian Danton, vários elementos da ficção são “invocados” a invadirem as páginas não para contar uma simples e batida história do gênero, mas para uma melancólica despedida. Sem pieguices ou exageros, apenas um sujeito solitário enfrentando um desfecho amargo para todos que ama, sem poder fazer nada.

Já o Diário de Viagem é a mais divertida de todas, ao mostrar as peripécias de José Aguiar pela Europa e o contato com outra perspectiva em termos do mercado de quadrinhos. Bom humor, crítica mercadológica inteligente e todo o deslumbre quase fã de alguém que, pela primeira vez, se depara com a Meca de sua profissão. Muitos ilustradores brasileiros e profissionais do mercado deveriam prestar atenção no conteúdo dessa história e pararem com essa mesmice de só reclamar e não fazer nada para mudar. Aguiar faz, pelo menos a parte dele. Ele publica. É de pouco em pouco mesmo, mas todos parecem querer mudar o mundo de uma só vez. Uma batalha de cada vez, pessoal.

Quadrinhofilia é uma obra fascinante, especialmente tratando-se de quadrinhos. Pode ser emprestada ou dada de presente a qualquer pessoa que seus assuntos causarão algum efeito no leitor, seja ele habituado a quadrinhos ou não. O livro não esmiúça um gênero, faz melhor, amplia seus horizontes. Ninguém precisa conhecer anos de background de personagens para entender a proposta. O volume não precisou de capa dura ou formato widescreen para se destacar. Aliás, uma das poucas críticas fica por conta da capa, que chega a esconder um pouco da gama presente nas internas, justamente por tentar mostrar demais. Questão de gosto pessoal.

Pelo que tenho acompanhado pelo blog do autor e nas matérias publicadas a esse respeito, Quadrinhofilia foi bem recebido. Se cumprir sua função primária – entreter, educar e convencer – o sucesso está mais que garantido. A satisfação do público deve sempre ser objetivo máximo. Não é à toa que, quando retornei a Los Angeles, Quadrinhofilia foi a única HQ brasileira que veio na mala.

Quadrinhofilia tem lançamento e noite de autógrafos em São Paulo, no sábado, dia 17, a partir das 19h30. Local: HQ Mix Livraria (Praça Roosevelt, 142). (11) 3258-7740

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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3 Comments

  1. FÁBIO, após seu aval, bem como por ser fã do Mario Prata e de quadrinhos em geral, prometo dar uma conferida na nova obra de José Aguiar.
    Saudações,

  2. E eu estarei lá. Certamente!

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