Se cada pergunta é feita [ou pelo menos deveria ser feita] com o intuito de se aprender ou informar, toda pergunta tem o potencial transformador […]

Por Fábio M. Barreto

Pensar no futuro é tarefa normalmente reservada aos sonhadores. Ou meramente tolos. Opiniões sempre divergem nesse sentido, uma vez que cada um dos envolvidos encara sua presença de forma diferente na grande equação do Destino. Ela existe, fato. E sua mera inevitabilidade pressupõe infindáveis modos de se relacionar com suas possibilidades. Tantas variáveis, tantos mundos possíveis, dúvidas e mais dúvidas. Sonhadoras, ou não, as perguntas surgem. Indagações, anseios expressos de forma inquisitória ou simples questionamentos triviais, porém, sempre se busca o sentido de tudo e todos. Essa nem mesmo o Monthy Python conseguiu responder. Muito mais por autoconsciência que por incapacidade intelectual. E a existência, ou não, dessa pergunta não vem ao caso. Mas sim em sua forma.

Propositalmente guiados pelos desígnios e sortilégios do Destino ou simplesmente frutos diretos de cada pequena, mas inexorável, ação tanto individual quanto coletiva, indagamos sobre o futuro. É o anseio por uma epifania hollywoodiana, o momento de inspiração capaz de tudo mudar. Nada mais que a prova máxima do ciclo inquebrável envolvendo ambas as aspirações. Ironia, aliás. Fazer essa pergunta pressupõe consciência social e desconforto pessoal ao ponto de se buscar a mudança, contudo a única saída é a improvável ajuda do próprio Destino, invariavelmente alheio aos desejos iluministas do ser humano.

Pergunta-se para obter informações. Ou, pelo menos, assim a ferramenta funciona em sua forma mais básica. Interesse somado à predisposição pessoal provoca o contato. Quero saber alguma coisa sobre um assunto específico, logo, faço uma pergunta. Nasceu de forma oral, evoluiu para a consulta bibliotecária e ganhou verbo próprio na Era da Informação. Criou-se uma profissão: o repórter. Perguntador profissional, fofoqueiro das intrigas (ir)relevantes, pesquisador e curioso. Individualmente orgulhoso de seus ganchos e sacadas brilhantes, mas, na maioria dos casos, cada vez mais distante dos questionamentos úteis e transformadores. Realidade financeira e a vitória do fluxo sobre a profundidade. Fatores. Sempre fatores. Resultados cada vez mais desprovidos de validade. É o profissional ajudando no pão e circo. É a análise perdendo espaço para a variedade.

Transformação. Se cada pergunta é feita [ou pelo menos deveria] com o intuito de se aprender ou informar, toda pergunta tem o potencial transformador em pelo menos três pessoas: aquela que perguntou – cuja curiosidade não matou o gato, mas sim a ajudou a conhecer algo novo; à perguntada – que, além de ter o ego massageado por ter despertado o interesse de outra pessoa, pôde transmitir conhecimento; e a um terceiro, conhecido de um dos dois interlocutores, inevitavelmente envolvido no assunto quando alguém lhe contou sobre a conversa. Afinal, perguntas interessantes [na melhor das hipóteses] geram uma conversa.

Antes de se pensar na crítica ao idealismo envolvido num cenário tão plausível e cotidiano, valeria a pena encará-lo como objetivo a ser alcançado, em vez de conceito meramente fictício e destoante perante a realidade. Muito se perde quando o termo vem a tona, uma espécie de “estraga festa intelectual”. Ou simples motivo de piada. Ser ideal se difere fundamentalmente de implausível. O beijo ideal não é aquele com a atriz dos sonhos, assim como dirigir o carro perfeito não lhe coloca, inevitavelmente, ao volante de um Aston Martin. Cada beijo é o melhor dos seus sonhos. Naquele momento. Basta fazer a pergunta certa: ele vale a pena ser dado? Melhor ainda se acontecer dentro do carro mais maravilhoso que aquela semana lhe permitiu. Um pôr-do-sol pode mudar tudo.

Cada situação gera inúmeros tipos de perguntas. Brilhantismo e obviedade convivem na mesma cornucópia de potencial. A cada nova conversa, decisões são necessárias. Algo inocente para quebrar o gelo? Ou ir direto ao ponto? Não há erros ou acertos, mas sim objetivos diferentes. Diante de nossa natureza trouxa – desprovidos da ampulheta medidora da qualidade das conversas de Slughorn -, a melhor aposta está bom senso e na manutenção da objetividade. Entretanto, o tipo e a qualidade de informação fazem toda a diferença.

Poucas são as perguntas capazes de produzir efeitos transformadores, mas elas existem. E aos montes. Nas conversas e locais mais inusitados. A mais simples das respostas pode se converter em informação produtiva e assim formar a opinião. Nesse momento a mágica começa a acontecer, pois a cada nova opinião ou nova perspectiva criada, um grande número de mudanças externas começa a fluir. Mesmo inconscientemente. Tomar consciência da quantidade de novos comportamentos provocados por uma simples mudança pessoal é tão surpreendente quanto anotar quantas perguntas desnecessárias fazemos diariamente, às vezes fugindo de um debate realmente interessante por conta de um comentário vazio ou piada de momento.

Tais “novidades” beiram o trivial no modo como se dá bom dia, como se olha para uma pessoa ou redefine todo seu relacionamento com o mundo a sua volta. Mudanças sempre deixam rastros. Sua intensidade varia, porém. E tal variação acontece de acordo com a qualidade da informação obtida pela pergunta inicial. Nesse mundo ideal, saber a cor predileta da mulher dos seus sonhos tem a mesma validade do que compreender os meandros da mente do melhor cineasta do mundo. Objetividade. Não só seus presentes, mas, quem sabe, suas próprias roupas podem mudar nesse momento; ou nunca mais será capaz de assistir a um filme sem levar em conta o que aprendeu.

Há riscos, claro. Clareza é facilmente confundida com intelectualização esnobe, e um repertório fundamentalmente objetivo e produtivo pode colocar tudo em risco. Mas o chato e o interessante convivem no mesmo interlocutor, sendo julgado diretamente pela(s) outra(s) pessoa(s) da conversa. Tão importante quanto saber o que perguntar, é saber como quem se fala. Um grande jogo de interesses disputado diariamente no mundo todo, mas sem mesa-redonda televisiva no fim da noite ou repeteco no jornal do dia seguinte. É o maior campeonato do planeta. Alguns jogam dormindo, outros pelo computador e a maioria nem percebe estar perdendo por goleada. Informação não falta nessa balbúrdia virtual ou mesmo nas mesas de jantar, principalmente por conta de tamanha pressão social atual e os medos do mundo globalizado.

A disputa está em andamento. Convívio contra utilidade. A mescla é possível, mas improvável. Em meio a toda essa confusão, empurra-empurra de interesses e a constante necessidade de decisão, os sonhadores – sempre eles – ainda se perguntam: qual o sentido da vida? A resposta provavelmente está em meio a todas as perguntas muito mais relevantes e produtivas que eles vão fazem antes de ter tempo para pensar no dilema dos dilemas.

Aliás, alguém já pode ter descoberto e não percebeu. As maiores surpresas acontecem dos modos mais simples. Surpreendentes. E transformadores.

E tudo começa com um ponto de interrogação na hora certa. Não é mesmo?

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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9 Comments

  1. Eu tinha um professor na faculdade que sempre falava, “Não existe pergunta ruim, mas sim pergunta mau formulada” e outra que nunca me esqueço “A boa pergunta é aquela que gera outras perguntas”

    1. Cara eu curti muito esse texto e concordo plenamente com o Alex Caiero.

  2. Uma conclusão que cheguei nos meus 18 anos de vida – impressionante pra quem tem 13, normal pra quem tem 18 e simplório pra quem tem 40 – é que quanto mais perguntamos, mais a resposta “Não pergunte” surge indiretamente.

    Quando você entra em um grupo político e faz pergunta demais você destrói seu “sonho” e acaba pulando fora.
    Quando você entra num grupo religioso e pergunta demais, você volta para o marco zero desacreditando tudo.

    Quando botamos a cabeça no travesseiro e nos perguntamos a “origem da vida/universo” nós perdemos a rica oportunidade de dormir e viajar em um agradável sonho que esquecerá ao acordar.

    Perguntar é sinônimo de curiosidade e inteligência. Mas é também sinônimo de imaturidade e mimo, pois quando questionamos violamos o ciclo natural do aprendizado: A descoberta.
    WTF!? Mas perguntar não é aprender? Pois é. Se perguntar pra sua mãe aos 5 anos de idade o que acontece se por o dedo na tomada e ela responder “dá choque” você vai conhecer um efeito de ação e reação. Mas na pura realidade nunca entenderá o que é uma energia elétrica, ou melhor, o que de fato é energia.

    A pergunta nos dá a idéia, mas nos nega a experiência, porém a experiência nunca será enriquecedora sem a pergunta.
    Porém não somos imortais. Não temos tempo de vivenciar todas as experiências pra poder concluir qual a razão da própria existência, perguntar para quem experimentou sempre será o caminho mais satisfatório para o próprio conhecimento.

    Os sábios vivem isolados em montanhas. Isso pra mim não é a felicidade.
    Saber de tudo nos torna infelizes.

    {sofrendo pra concluir o “comentário”, desculpe-me por não ter conseguido fazer um texto bom}
    Arght, concluindo: Até onde perguntar nos faz feliz? Pra que perder tempo sabendo de tudo e não usando nada? A vida é curta e pode ser unica – nunca se sabe – Por isso que a razão de viver na minha opinião suicidio

  3. Ontem revendo “Alvin e os Esquilos”, anotei a seguinte frase: “música? esqueça a música, ela é apenas um meio para se chegar ao que realmente interessa, que é a grana”.

    Nem preciso dizer o quanto é fácil traçar um paralelo com alguns dos filmes hollywoodianos. E, mais ainda, o quanto essa frase cabe como uma luva diante de algumas pseudo-celebridades com vidas tão vazias quanto o deserto do Saara.

    A questão é: perguntas inteligentes, em tese, deveriam gerar respostas mais inteligentes e analíticas; o que fazer quando o entrevistado em verdade não tem o que dizer? E, pior, o que fazer quando o entrevistado tem algo a dizer para um público que não quer ouvir? São filtros dentro de filtros que acabam fazendo com que a comunicação (emissor – meio – receptor) seja truncada em alguma de suas partes.

    O que fazer? Perguntar o útil que interessa para poucos ou responder o fútil que interessa para muitos? Fácil né… E depois dizem que jornalismo ainda é uma profissão para qualquer um…

  4. Eu disse mais cedo no Twitter que esse texto é uma aula de jornalismo. A economia objetiva do Twitter, somada à falta de espaço de um retwitt, não me permitiu esclarecer que é uma belíssima e poética aula de jornalismo.
    Porque informar, irradiar, transmitir, tudo isso está baseado nesse jogo de adivinhação: o que espera o leitor/ouvinte/telespectador? Mas viver também é assim. O que espera nosso interlocutor?
    Nesse sentido, o jornalismo se mostra um simulacro da vida e o jornalista, seu (quase sempre) justo juiz.

  5. Análise sensacional do jornalismo atual, Barretão! Texto excelente!

    Agora… KD ISNOL// =D

  6. Boa reflexão… acho que isso renderia um livro.

  7. Que análise, que reflexão! Que texto! Sobre o que disse o Dudu Sales, eu não tenho dúvidas. Viu, Fabio? 😀

    Um perguntou, outro respondeu: tão simples e tão complexo.

    Bacana demais ler um artigo como esse, relativo a um assunto tão interessante e pertinente. Comunicação, questionamentos, curiosidade, mar de informações, e por aí vai. É como um “metainteresse” para mim… adoro!

    Quero ser igual a você quando crescer, Barretão. Hahahahah!

  8. Ótimo texto Barreto, e q nos leva a refletir mesmo sobre o jornalismo atual.

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