Literatura

For Your Eyes Only: Crônicas de um Desaparecimento

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Fui convidado para participar de um projeto blog/literário há um tempo. Para entender do que se trata. Clique na foto acima e leia o blog, começando pelo primeiro post – de baixo para cima – e siga lendo em ordem cronológica. Claro, tudo começou no Champ. Aqui vai minha contribuição.

For Your Eyes Only

*O relato a seguir é parte do dossiê do caso Villenflusser, atualmente arquivado no departamento de casos não-resolvidos da Scotland Yard, que ainda assombra as autoridades paulistanas, e resgatado dos servidores de um dos antigos serviços de blog brasileiros, encontrado no endereço [censurado para divulgação pública].blogspot.com*

Hoje tive mais um daqueles sonhos. Fiquei preocupada e, sinceramente, não sei o que fazer. Liguei para a Aninha para encontrar apoio, mas nem ela agüenta mais minha tristeza por causa do Maurício. O que será que eu fiz de errado para Deus? Jogar pedra na cruz é pouco, acho que eu roubei o corpo e fui vender os trapos no E-bay da Judéia!

(Não, você fez por merecer e ninguém mais quer te ouvir reclamar da vida. Suas decisões, seu destino. Aprenda a viver com isso.)

Esses pesadelos estão me incomodando, sabe. Não contei para ninguém e nem sei por que estou escrevendo no blog. Ninguém vai ler mesmo. Não sei nem por que me dou ao trabalho de ter um blog. Ai quanta bobagem. Mas continuo triste. Como o Maurício fez isso comigo? Mulher grávida? O que ele esperava? Que eu entendesse tudo? Canalha! E ainda vem querer me dizer que pode explicar e que quer ficar comigo! Filhodap…! Ele … [censurado para divulgação pública] … e me paga!

(Aposto que se ele te colocasse na parede agora você não pensaria duas vezes antes de abrir as pernas e tentar sugar até a alma dele, não é?)

Mas eu ainda estou apaixonada. E abandonada. Por burrice própria. É, burrice! Quem mandou sair com uma pessoa da internet? Só tem maluco ali.

A quem estou querendo enganar? Adorei a adrenalina e ele é tão bom de cama. Nunca ninguém me tocou daquele jeito. Tão sincero e tão excitante. Aquela boca, então! Aí que perdição. Só seria mais perfeito se parasse de fumar, mas isso é o de menos.

(No final das contas você teve o que queria, mas falta algo mais, não?)

A primeira noite foi fantástica. Pensei que nunca fosse terminar. Juro que poderia gozar por mais algumas horas se ele não precisasse ir trabalhar. Eu estava de folga, mas ele tinha “algo para fazer”. Aposto que era ir passear com a esposa e ir comprar roupinhas para o bebê. Safado!

Nunca tinha ido àquele motel, embora tenha passado inúmeras noites na pracinha ali em frente. Gosto de sentar lá e ler um pouco. Aliás, se a internet funcionasse lá, acho que ficaria o dia inteiro curtindo a brisa e olhando para o motel. Lembrando do Maurício. E de tudo que o Maurício consegue me fazer sentir. Se eu … [censurado para divulgação pública] … ele aprenderia a nunca fazer isso com alguém.

(Sexo inesgotável não é tudo e você não está sendo honesta com você mesma. Vai se esconder até quando? Você quer matar o Maurício se puder, não quer? Ele te fez sofrer!)

Ele até merecia uma boa lição. Talvez ser jogado numa prisão daquelas das séries de TV e ser currado por um negão chamado Troçalhão. Ele ia ver o que é bom para a tosse! Morrer é pouco para ele. Ele não pode fazer isso comigo e nunca me contar que era casado. E com um filho! Cretino! Posso contar tudo para ela e acabar com a vida dele!

Queria tanto poder ter dito tudo o que sinto na cara dele. Mas não consegui, preferi fugir. E aí começaram os pesadelos. Primeiro sonhei com o tal do dente. Minha tia gazeteira sempre ficava interpretando sonho. Contei num aniversário da família e ela logo começou a fazer que era “morte”, que era ruim sonhar com isso, que eu devia me benzer. Não levei a sério e ri da cara dela. Doida, o dia que os sonhos guiarem minha vida, pode me internar.

(Mas você acreditou, não acreditou?)

Fiquei com medo quando sonhei que o dente matava alguém. Na mordida. Uma boca cheia deles. Dentes horríveis, mas metódicos. Cada um parecia morder individualmente, como as teclas de um piano sendo delicadamente tocadas para proferirem seus golpes. A vítima eu não conhecia.

Mas ela não gritava. Seria uma mulher? Apenas deixava acontecer. Parece que gostava. 32 pequenas armas cravejando o corpo. Não sei em quais partes. Era tudo muito nebuloso. Eu podia ouvir o som de cada um deles rompendo a carne, deslizando pelo sangue, mas continuando brancos e brilhantes, mesmo em meio a todo aquele vermelho vivo. Não conseguia para de prestar a atenção.

Mas, de repente, a cena mudou e eu me vi na praça. Olhando para o motel. Maurício não estava lá.

(Devia estar fodendo outra vadia que conheceu no chat. Ele te trocou! E a mulher dele nem sabe! Você quer matá-lo, não quer? Você pode … [censurado para divulgação pública]… com ele)

Eu lia meu livro favorito. “Cidade do Sol”. Alguma coisa sobre escolher o destino parecia saltar das páginas. Como se uma gigantesca lupa chamasse atenção para aquele momento. Olhei para o motel novamente. Aninha saia de lá correndo. E chorando. E eu acordei.

Isso me desesperou um pouco. Se dente era “morte”, dente matando alguém devia ser mais morte ainda. Se eu lesse André Vianco, tudo bem, mas nunca fui de gostar dessa coisa de vampiro. Claro, se o Brad Pitt quisesse me morder eu não reclamaria. Hihi.

(Você quer mais. Seus sonhos te provocam. Mate o Maurício ou esqueça. Há mais gente por aí. Quem sabe alguém mais excitante? Um vampiro, talvez!)

Vampiro. Há há há. Conta outra. Eu e minhas bobagens. Mas não posso negar. Fiquei assustada, mas curiosa com esse sonho. E pensar no Brad Pitt me deixou um pouco excitada. Imaginar ele me mordendo. Nossa! Ele pertinho já seria tudo de bom, agora imagina me tocando! Dá arrepio só de pensar. Ainda mais se ele resolvesse aparecer todo dia, para me transformar aos poucos. Acho que vou assistir “Entrevista com o Vampiro” de novo. Mas depois.

Acho que vou entrar no chat um pouco. E esse negócio de ficar falando comigo mesma está esquisito demais. Melhor descontrair um pouco, dar uma volta, sei lá.

[Conectar]

PREVDENT, O MELHOR PLANO DENTAL PARA VOCÊ E SUA FAMÍLIA!

(Você realmente acha que isso é só um sonho?)

Aí credo!

[Desconectar em 10 segundos…]

Pensando bem….

[Cancelar]

(Boa menina! Agora você… [censurado para divulgação pública]… com ele).

*Fim do documento liberado para divulgação pública. Arquivo completo disponível para especialistas criminais e estudantes de direito. Para futura referência. Proíbido veiculação na internet.*

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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