The Event oferece suspense, ação, seres não-humanos e se considera o “novo fenômeno” da TV. Exagero do marketing ou título merecido?

por Fábio M. Barreto, de Los Angeles

[Importante! A cobertura de TV do SOS Hollywood contém spoilers, portanto, sugiro a leitura após acompanhar os episódios identificados no título]

Uma nuvem de desespero paira sobre Hollywood, pelo menos quando se trata das produções de TV. O fim das temporadas em 2010 foi catastrófico para os dramas e deu-se início o reinado das comédias, com Modern Family sendo a melhor opção na grade de programação em termos de novidades qualitativas e grandes sucessos de público. Veteranos como House mantém seu ritmo, mas já soa como um sobrevivente de uma era encerrada pelos términos de 24 Horas, Lost, Battlestar Galactica e incapaz de se renovar com o fracasso retumbante de FlashForward. Como nenhum canal reencontrou a fórmula de sucesso no line up desse ano, sobrou para The Event o título de “novo fenômeno” – de acordo com as campanhas de marketing da NBC, assim como a ABC fez com o falecido FlashFoward -, com traços de mistério, Ficção Científica e garantia do inexperado. Bem, em seus primeiros quatro episódios, The Event se mostrou interessante e relativamente contido, mas ainda está muito distante de alcançar o nível de expectativa tão solenemente divulgado pela NBC. Se é “24 Horas encontrando Lost”, por enquanto, só conseguiu levandar um gigantesco número de perguntas, mas sem o ritmo de Jack Bauer e um irritante número de flashbacks e flashforwards na vida dos personagens.

O que é The Event, ou em português, O Evento? Não se sabe. Coisas estranhas acontecem nessa série por conta da existência de uma raça humanóide aparentemente alienígena, que chegou à Terra há cerca de 60 anos. Esse pode ter sido o tal evento, mas trata-se de apenas um elemento na contextualização dessas pessoas lideradas por Sophia, vivida por Laura Innes, de ER. Eles têm poderes. Ninguém sabe quais. E sua tecnologia é amplamente superior, com capacidade para teletransportar um avião de Miami para o Arizona num piscar de olhos. Logo, devem ser temidos.

Por esse aspecto, The Event aborda um tema batido, de forma inusitada, pois, se a diferença dessa raça para a nossa é de apenas 1% no código genético, as óbvias perguntas sobre suas origens e sua ligação com a Humanidade já renderiam um bom programa. Mas, embora o mainstream norte-americano beba descaradamente da Ficção Científica, apostar totalmente no gênero não é visto com bons olhos – vide a tentativa desesperada de Michael Chicklis e os criadores de No Ordinary Family tentarem, a todo custo, desvincular sua, até agora, boa série desse rótulo – e algo mais dinâmico e, real, era necessário. Logo, uma teoria da conspiração entra em cena para ameaçar a vida do Presidente negro, casado com uma imigrante cubana, e que pretendia soltar os prisioneiros alienígenas.

É a aplicação máxima do bordão “trust no one” [não confie em ninguém], que Arquivo-X defendia. Tudo é uma grande conspiração, todos podem estar envolvidos, ninguém sabe de nada e o espectador fica desesperado tentando unir as poucas peças disponíveis do quebra-cabeça. The Event investiu mais em personagens e menos em efeitos megalomaníacos – um dos grandes erros de FlashForward, aliás – para criar esse universo, que vende velocidade e dinamismo, mas colhe bastante confusão. Testam-se limites familiares, barreiras políticas e, acima de tudo, fidelidade. Sofia é a visitante do Bem; quer a paz; quer liberdade. Entretanto, por conta de algum laço não explicado, coloca inúmeras vidas em risco para manter o segredo de seu povo. Sean (Jason Ritter), o herói da história, se transformou praticamente num super-herói para salvar a vida da namorada. Assim como Michael Buccanan, Scott Patterson, o Luke de Gilmore Girls, decidiu jogar um avião na cabeça do Presidente para salvar as filhas. Uma discussão sempre bem-vinda, mas extremamente trabalhada por 24 Horas. E o quão diferentes são as pessoas do universo de Jack Bauer para as desse?

Essencialmente, nada. Os estímulos podem ser diferentes, mas o desejo de sobrevivência e a proteção da família superam qualquer convicção política. Mas isso permite aos roteiristas que cada personagem seja devidamente recheado de razões – mesmo que desconhecidas até o momento – para tomar suas decisões. A TV está cansada do clichê “estava apenas seguindo ordens”, justamente pelo fato de o mundo ter desistido dessa dinâmica no momento em que cada um se viu suficientemente importante em seu círculo para agregar valor, justificativa e idealismo a cada ato. É a geração que quer ser ouvida, mesmo antes de aprender a ouvir.

The Event é um amálgama dos últimos anos da TV. Quer o dinamismo ininterrupto de 24 Horas, cria mais dúvidas do que respostas assim como Lost, tenta investigar o inexplicável como Fringe – que tem efeitos melhores, roteiros mais certeiros e maior comprometimento com o assunto – ou Arquivo-X, de quem também pegou emprestada a paranóia conspiratória. Aposta em heróis jovens, como Heroes, e quer assustar em escala global, do mesmo modo que FlashForward. Tanta mistura não é necessariamente ruim, pois na medida certa pode combinar os melhores aspectos de cada uma dessas produções e trilhar um caminho de sucesso, mas é na constante referência a Lost e a comparação com FlashForward que está seu calcanhar de Aquiles. Se o período de descompressão por conta de Lost ainda não passou, será a audiência capaz de aceitar um novo labirinto de proporções épicas? Lost aconteceu. FlashForward foi arquitetado e falhou. The Event segue o mesmo processo, mas tem a obrigação de ser realmente surpreendente e viciante.

O que é “o evento”? Até o momento, é uma boa idéia. Nada mais, nada menos.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

Recomendado para você

9 Comments

  1. Acho que todo mundo, desde os executivos aos fãs estrangeiros de séries americanas estão loucos a procura de um hit pra ocupar o lugar de Lost, poderia ser True Blood, Modern Family ou até Fringe, mas não funcionaria do mesmo jeito e aí fica esse monte de séries (se The Event for cancelada, em dois meses aparecere outra série pra comparar) tentando imitar o plot de Lost e é em querer emular a série que todo o resto se perde, mas The Event tá se mostrando uma boa série, que só sai perdendo na hora da comparação propriamente dita e se dermos um tempo pode ser que The Event mostre sua identidade própria, desenvolvendo uma mitologia caracteristica tão facinante quanto as de outros shows.

  2. Belo análise, Fábio.

    Sobre as novas séries da fall season, apliquei a regra de três. Vendo três bons episódios antes de três ruins, continuo assistindo o show. Caso contrário, cancelo-o da minha grade de programação.

    S#*! My Dad Says e Mike & Molly são comédias bem mais fracas que aquelas às quais já estávamos acostumados (como The Big Bang Theory e Two and a Half Man, ambas de Chuck Lorre); Hawaii Five-0 é um remake divertido, com roteiros pipoca, sem muita complexidade, mas que traz o público pra perto e cativa; e já em The Event, vi a grande aposta da temporada.

    Com um primeiro episódio morno, pelo excesso de informações a ser apresentada, com flashbacks em demasia – coisa que reduziram nos episódios posteriores – e vários nomes e rostos que confundem, dificultando o apego e reconhecimento; a série vai conquistando seu espaço, com o enredo simples, porém confuso, sem tantas obrigações quanto as do episódio piloto, e apela para a simpatia do espectador, questionando-o indiretamente sobre quais atitudes ele tomaria, caso estivesse no lugar de um dos personagens, principalmente o do protagonista, Sean Walker.

    Com o quarto episódio mantendo o bom nível (e deixando as comparações de lado), a série me fisgou de vez..
    Vamos ver no que vai dar.

  3. Opa Barreto beleza?

    Nao li o post todo, porque nao queria tomar muitos spoiler mas li quase tudo. Ta realmente dificil, eu queria ver alguam serie nova, mas não me senti atraído por nenhuma, Flashforward não deu certo pra mim.
    Esse ano eu continuo vendo as séries básicas pra mim que são DEXTER, House, How I Met Your Mother e Big Bang Theory. Acrescentei a elas a series The Middle e estou vendo a antiga 30 Rock, que aliás eu tinha muito preconceito, mas to gostando bastante.

    Depois vou ver quais realmente deram certo dessas novas e tento assistir

    Abracos

    1. Te entendo, Luiz. Essa temporada está muuuuuuuuito sem graça. 🙁

      A maioria estou vendo por pura obrigação profissional.

      abraçao,
      Fábio

      1. E ai Barreto,
        Eu decidi não testar muito as series, eu pego so as sugeridas por amigos. To querendo ver agora Breaking Bad. No final do ano, eu vejo quais fizeram sucesso e assisto uns 2 episodios pra ver se fica bom.

        Abracos

        1. Tmbm estava querendo ver séries novas, mas tmbm estou achando a safra muito fraca.
          Tem sempre aquelas que nao são ótimas, mas estão na média e a gente espera que melhore até o fim da temporada (como Fringe que só ficou mesmo relevante no ultimo frame do ultimo episódio da primeira temporada) que pra mim são os casos de No Ordinary Family, Undercovers e mesmo de The Event.

          Das estrérias recentes na TV aberta, a que chamou atenção foi Hawaii Five-0, que é bem do tipo pipoca, mas é ótima pra assistir só pra se divertir.

  4. Eu vi alguns episódios de “Flashforward”, achei o piloto bem bacana, só que depois a coisa desandou. Uma dica pra quem quer ver uma boa comédia, “Raising Hope”, do Greg Garcia (mesmo criador da recém-falecida “My Name is Earl” que foi cancelada sem final, infelizmente), fora isso, tem a ótima “Boardwalk Empire” da HBO, nova temporada de “Bored to Death”, mas HBO já é outra coisa.

    Valeu, Barreto, sempre acompanho o site, textos muito bons!

    Até.

  5. Estou assistindo The Event, mas não me convenceu ainda aquele menino rodando o mundo conseguindo entrar dentro do avião com um arma e enganando policiais só pra salvar a namorada, especializado em ciência da computação, sarado e safo? O presidente se arriscando dentro da prisão junto com uma alienígena? O amor é a pior e a mais clichê motivação para alguém se tornar o salvador do mundo.

    Lost convencia porque as dificuldades eram encontrar,água, comida, e no meio daquilo encontraram todo aquela maluquice, eles estavam literalmente em cima do problema. Flashforward se enrolou no ínicio, veio com uma carga muito pesada pra substituir Lost, e quando começou a ficar boa já era tarde.

    Não dá pra dizer que vai ser ruim, mas ainda não me convenceu.

  6. Será que, pelo amor de Deus, alguém pode enterrar Lost de vez????? o que a maioria esqueçe é que assistindo o último episódio da serie eu percebi que joguei 6 anos do meu precioso tempo assistindo Lost no lixo. As pessoas estão cegas pelo “fenômeno” Lost que exigem uma substituição a todo custo, e isso não vai acontecer, ela foi boa enquanto durou, teve aquele fim ridículo porque não existe bom sem seu defeito e agora é bola pra frente. Vamos dar chance pra novas series adquirirem identidade propria e não impurrá-las pra sombra de Lost. É o que eu acho…

Comments are closed.