Depois de todos os escândalos da Sony, especialmente por conta das críticas a Adam Sandler, que, infelizmente, quase não acerta em mais nenhum filme (Pixels é frustrante, Blended não chega nem perto de 50 First Dates, etc), é interessante encontrar uma cinessérie na qual o comediante ainda consegue ser relevante. É o caso de Hotel Transilvânia 2, dirigido por Genndy Tartakovsky (o gênio por trás de O Laboratório de Dexter, Samurai Jack e de Star Wars: Clone Wars, aquela primeira versão, de curtinhas, do Cartoon Network).

Com um primeiro filme divertido, a série continua com um roteiro – co-escrito por Sandler e Robert Smigel – interessante, leve e igualmente relevante. A palavra da vez é aceitação e inclusão. É muito fácil transformar Hotel Transilvânia 2 num declaração de apoio à causa do fim do preconceito sexual, social e racial. Digo fácil, pois é o subtexto mais óbvio do conceito, mas o maior acerto da história está no fato de ela ir além da mera defesa de princípios e, em vez de mostrar argumentos engajados, ela mostra os efeitos do objetivo maior de todos aqueles que lutam pela igualdade social: família.

E é nesse ponto que Hotel Transilvânia 2 vai além de algo panfletário, afinal de contas, ele educa, ao mesmo tempo que emociona e transforma por uma série de arcos bem interessantes na história. Nesse contexto, os humanos são, na maior parte, observadores… efeitos colaterais da história, pois o foco está mesmo nos vampiros. Ou melhor, em quatro gerações de sugadores de sangue monstruosos e… oops… gente boa. Drácula (Sandler) atravessou boa parte do próprio arco no primeiro filme, usando a paternidade para aprender a aceitar as diferenças e colocar o amor da filha, Mavis (Selena Gomes), acima de tudo. No segundo filme, Drácula volta a percorrer o mesmo arco em relação ao neto, Dennis, que pode tanto ser vampiro quanto humano. Mavis também entra na dança, pois ela tenta ser humana, tenta se afastar dos monstros – mesmo num mundo no qual Frankenstein (Kevin James), o Homem Invisível (David Space) e o Lobisomem (Steve Buchemi) são adorados pelas pessoas e tiram selfies – e “ser normal”. Acima de tudo isso, existe o arco mais radical: o avô, que odeia humanos, e aparece sempre como ameaça constante e catastrófica.

“Eu não digo, Bleh, bleh, blehhhh” – Conde Drácula.

Isolamento é parte constante da vida de Drácula e sua família, ele é o grande vilão desse universo. Afinal, sempre que uma porta é aberta para que os humanos – aqueles seres diferentes e repugnantes – entrem, as percepções mudam e até o amor pode nascer. Dessa vez, com o nascimento do pequeno Dennis, que chega para alegrar a vida do morcegão, Drácula se vê diante de um dilema inevitável: o garoto vai ser vampiro ou humano? Com o intuito de transformar o garoto em monstro – no bom sentido –, Drácula quebra o próprio isolamento e descobre como está o mundo à sua volta, o mundo que ele abandonou quando a esposa foi morta pelos humanos. As descobertas – e as piadas provenientes dela, especialmente quando Drácula chega ao Acampamento para Vampiros, que se transformou num criadouro de criancinhas mimadas – transformam o Senhor das Trevas muito mais do que ele imaginava.

A direção de Tartakovsky faz jus ao tema, demostra o controle total que ele tem da animação e transforma Hotel Transilvânia 2 numa ótima experiência familiar. Nesse ponto, ele apresenta suas limitações: não vai além desse público e, possivelmente, é datado tanto pelo subtexto quanto pelo discurso. Esse Drácula não faria o menor sentido há quinze anos e deve ficar desatualizado nos próximos dez. Mas, claro, isso é exigir demais de um roteiro infantil escrito por Adam Sandler. Como continuação, funciona bem e o desempenho na primeira semana nas bilheterias foi ótimo, levando o filme ao topo do ranking norte-americano e solidificando o status de título de sucesso já experimentado pelo primeiro filme. O longa também funciona bem de forma independente graças a um resumo rápido no começo da projeção.

Perto das demais cinesséries familiares em andamento, Hotel Transilvânia se destaca por entreter com facilidade. Os personagens são envolventes, mesmo os secundários têm demandas curiosas – Lobisomem com suas dezenas de filhos, por exemplo – e, mesmo em 3D, não ofende o público infantil com truques baratos ou tolices. O maior acerto de Tartakovsky é tratar o espectador como alguém interessado por uma história, não como “criança de 9 a 12 anos, que gosta de vampiros e gosta de cinema”. A garotada entende essa relação de respeito e se perde na trama. Claro, não é exclusividade desse título, mas, com certeza, ele foge da curva e isso significa muito atualmente. Ah, destaque de honra para a participação de Mel Brooks. :p

Hotel Transilvânia 2 é uma boa pedida, o 3D não faz muita diferença e os visuais panorâmicos Tartakovsky transformam esse filme em algo digno de ser visto no cinema.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

Recomendado para você