Dez anos longe do treinamento sério de tiro com arco deveriam ter destruído tudo, mas a experiência de vida ajudou a evitar uma catástrofe.

Primeiro, uma história resumida: há exatos dez anos, vendi meu arco – o Silverado (ele era todo prateado, um Win&Win de 32 libras) – e quase todo meu equipamento de tiro. Guardei apenas o protetor de braço e a dedeira. Dois meses depois, peguei esse dinheiro, subi num avião e mudei para Los Angeles. Não era muito, mas era tudo que eu tinha. De certa forma, abri mão de um sonho para lutar pelo futuro. A medalha de Ouro no Campeonato Paulista Universitário de 2004 e o Bronze no Brasileiro Universitário do ano seguinte foram parar numa gaveta que, sinceramente, tinha perdido as esperanças de reabrir e já havia me conformado em virar treinador da Ariel, no #TeamBarreto (explico aqui).

Agora, avance dez anos, e o impensável aconteceu. Foi um longo namoro, cerca de três anos fazendo orçamentos (bateu aquela tristeza quando notei que sempre acontecia na mesma época do ano), tentando escolher um novo parceiro de tiro, e sempre esbarrando na dificuldade financeira. É padrão das “celebridades online” (não sou, juro; mas muita gente acha, enfim) fazerem de conta que a vida é um mar de rosas, tudo é lindo e muito legal. Claro, esse lado existe, mas é pontual. Desde o colapso do jornalismo na minha vida, estamos passando maus bocados aqui e as perspectivas não são das melhores. Psicológica e financeiramente. Por que estou dizendo isso? Para dar um pouco de contexto nisso tudo. Pois, depois de tanto tempo, consegui investir num novo arco. YEAH!

Isso mesmo! Desde o começo de novembro, sou feliz proprietário de um combo Hoyt/SF Archery, com todos os apetrechos, e um jogo de flechas novinhas da Easton (lista completa ao final do post, quero manter isso minimamente interessante para quem não atira) e isso mudou minha vida.

Recomeço

Com ele, retomei os treinamentos na semana passada e os efeitos positivos já começaram a surgir. Há muuuuito tempo, não fazia algo só meu e cujo resultado fosse tão bacana. Amo escrever, ensinar e gravar podcast, mas tudo isso virou trabalho. São responsabilidades para os outros e que precisam, idealmente (mas quase nunca, na prática), trazer dinheiro para casa. Atirar virou minha terapia, meu momento de foco e concentração em outra atividade. Além de servir como atividade física para meu corpo cada vez mais próximo do cruzamento de uma coxinha gigante com o Mum-ha!

Barreto mostra o novo arco.
Novo arco do Fábio M. Barreto.
Riser Hoyt, limbs, mira e estabilizador da SF Archery.

A primeira sessão foi alimentada pela empolgação (a cara de besta na foto comprova), fiz um monte de bobagens e, confesso, estava morrendo de medo de machucar meu ombro. Levei a década de ausência em consideração e encomendei um arco mais fraco, de 28 libras.

[Nota: arcos são medidos pela força da puxada, ou seja, quando você puxa a corda, o peso final determina o tipo de arco. Antigamente, usava um de 32lbs – resultado de excesso de confiança da minha parte e vacilo do meu antigo técnico, que não percebeu a besteira – e era pesado demais, preferi apostar em algo mais acessível, leve e condizente com um ombro mais desgastado. Quer simular isso? Pegue uma daquelas balanças de viagem, com o gancho, e puxe até chegar em 32lbs… aí segure por 15 segundos, depois imagine fazer isso 60 vezes por sessão de tiro]

O placar foi razoável. Muito bom para uma primeira vez (nenhuma flecha caiu fora do alvo), mas muito espalhado para alguém com a minha experiência (quanto mais próximas as flechas, melhor o “grupamento”, pois significa que você está fazendo tudo direitinho, todas as vezes). A felicidade valeu a pena e deixou a esperança acesa, pois eu poderia muito bem ter estragado tudo e entrado em depressão profunda por ter jogado dinheiro fora.

Para meu azar, a depressão veio uns dias depois e me fechei muito. Foi/está sendo horrível, e piorou quando a Ariel foi atirar no sábado, errou muito, entrou em parafuso e puxou a família pra baixo com ela (mas ela é assunto para outro texto). Pois bem, domingão chegou. Dia nublado e frio, combinação complicada para atirar no fim da tarde e ao ar livre. Sabe quando existe “aquela coisa” pela qual você espera e se empolga? Bem, era minha esperança.

E deu certo.

Pela primeira vez em uma década, atirei a 18 metros – a distância oficial para torneiros Indoor de Tiro com Arco (disputados “dentro de um galpão” e não o Outdoor, ao ar livre). Por conta da novidade do equipamento, trabalhei numa nova sequência de movimentos, respiração e posicionamento com meu técnico – June Montenegro (ex-campeão mundial, caçador de búfalos e, recentemente, no TOP 2 no ranking Senior dos EUA). Mas, claro, existe o fator Fábio, também conhecido como o Toque de Merdas (prometo nunca me envolver profissionalmente com o Bacon!). Por conta do estado mental, montei o arco todo errado, deixei cair no chão (tirou umas lasquinhas da tinta, nãoooooo!!!!) e comecei o aquecimento depois do resto do pessoal. Na verdade, perdi metade do aquecimento. Depois, perdi um parafuso da mira e precisei pular mais uma rodada. Foi um dia daqueles!

Mas isso também ajudou a encontrar um foco mais profundo, um pouco mais de tranquilidade e deixar os problemas fora da linha de tiro. Atiramos 60 flechas, ou seja, se cada flecha pode fazer até 10 pontos, era um total de 600 pontos. Foi muito divertido, acertei muito, errei muito, e fui praticando as novas técnicas. Meu corpo mudou, e a mente também, não podia mais atirar como o aluno da pós-graduação no começo da década passada.

Experiência

Foi a melhor coisa que fiz. Meu técnico antigo sempre reclamava por eu atirar muito rápido. Porém, ele nunca fez muito para arrumar isso (ou fez e eu não dei atenção?). Com o novo sistema de tiro chamado de NTS – National Training System, que foi adotado em massa pelas federações norte-americanas depois da sova que os EUA levaram da Coréia na Olimpíada do Rio de Janeiro – conseguimos resolver isso. E foi aí que a experiência entrou. Sofrer força a gente a fazer as coisas com mais paciência, para evitar novo sofrimento, ou para garantir que nada de ruim aconteça. Também criei dois filhos e isso ensina muito controle. Tudo isso se juntou e encontrei a tranquilidade necessária para me concentrar no tiro, no processo, no meu objetivo ali. Alias, muita gente acha que Tiro com Arco tem por objetivo: “acertar tudo no 10”. Pelo contrário, estamos ali para “atirar uma flecha”, se ela acertou no 10, é culpa do processo e da técnica. Mas o divertido mesmo é atirar e se sentir bem no processo.

No fim das contas, foi isso que aconteceu. Toda essa empolgação, calma, tranquilidade e proteção contra uma semana bem complicada transformaram a sessão do dia 12 numa experiência ótima. E, bem, que culminou com uma performance fantástica levando em consideração tudo que disse acima. Se estivesse disputando um torneio, poderia ter ficado entre os 10 primeiros, sem dúvida. Mas isso não pode ser ilusão e preciso utilizar o bom desempenho como injeção de ânimo para continuar o treinamento. Na pontuação que valeria, fiz 248/300. Ou seja, perdi apenas 52 pontos. Com uma média de “ponto por flecha” de 8.26.

Saí de lá feliz, realizado, empolgado e alguns passos mais distante da escuridão tão constante ao longo da semana. Melhor impossível.

O último efeito desse retorno ao Tiro com Arco foi esse texto e todos os próximos. Não blogava há anos, sinceramente, não sentia necessidade de falar sobre nada. Prometo ser mais breve daqui para a frente, com textos mais pontuais, fotos de detalhes do arco e do treinamento e etc, porém, já aviso: esse é um registro da minha jornada e, assim como no ato de atirar, ela é solitária. Convido você a participar quando quiser, mas quem dita as regras aqui sou eu.

Caso se sinta empolgado a praticar o esporte e iniciar sua própria jornada, recomendo com todas as minhas forças!

Configuração do Arco (ainda sem nome, aceito sugestões!)

– Riser: Hoyt Horizon

– Limbs: SF Archery 28lbs.

– Mira: SF Velocity

– Plunger: Cartel

– Kit de Estabilizador: SF Velocity

– Clicker: Beiter

– Flechas: Easton A/C/C com G nock.

– Dedeira: Cavallier com couro de cabra.

– Mochila: Artemis – Legend

 

 

 

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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3 Comments

  1. É muito bom ler seu texto sobre arquearia Barreto, já sou seu fã pelos livros e podcast, fico feliz em compartilhar o hobbie (mais ou menos). Minha experiência com arquearia recentemente tem sido ministrando aulas pessoais e focando no arco de caça e hunting game. Aí em Los Angeles com certeza tem clubes ou casas de hunting game, aconselho levar a Ariel lá e fazerem uns tiros mais despreocupados. A característica lúdica ajudou muito meus alunos e amigos a pegar confiança para depois tentar algo mais técnico (os mais antigos já conseguem acertar minha mão a cerca de 10 metros).
    Por fim, aos domingos tenho sempre tentado participar dos treinos de swordplay do clã Draikaner no parque Ibirapuera, e é uma galera muito aberta. Se passar no Brasil nesse fim de ano reserve um domingo pra fazer uma visita, sempre tem treino às 14h. Tenho certeza que vai se divertir (e eu vou ficar torcendo pra te tietar ao vivo).

    1. Fala, Daniel.

      É engraçado ver as coisas acabam cruzando as fronteiras, ganham outra conotação e fica impossível trazer ao original. Quando você diz “hunting game”, não consigo saber o que seja, pois, em inglês isso significa “caçar animais”. Game = animal de caça / Hunting = caça. Deve ser algo divertido, imagino. Mas eu botei no google e não aparece nada, justamente pela confusão do termo, que alguém levou pro Brasil e usou de outra forma. hehe. É algo ligado ao “swordplay” que você comentou? Isso eu já achei, são arqueiros de LARP, certo? Aqueles arcos com pontas de espuma e etc.

      Ariel não gosta de “coisas leves”, ela quer ficar boa no negócio e já sair ganhando medalha. E esse é o grande problema dela, por isso dei um longbow pra ela de aniversário, para ela atirar sem mira, sem stress, só ter aquela sensação de grupar as flechas e fazer estrago. Ela já atira a 18 metros, que nem eu, mas está sendo um desafio. Ainda falta força e consistência, mas ela só tem 10 anos, tudo vem com o tempo. 😀

      Quando estiver aí, tento dar uma passada no Ibira. Faz um tempão que não visito o parque. 😀 Obrigado pelo convite!

      abraço e obrigado por comentar!
      Fábio

      1. Nem pensei que o termo podia ficar literal por aí hehehe. Achei um link do Youtube com uma demonstração de uma empresa que faz isso por aqui, a hunting5. É tipo paintball com arco e flecha, é um LARP sim.
        https://www.youtube.com/watch?v=ws48cWTO3cQ
        Tenho certeza que vc vai ser um bom instrutor para Ariel, por isso mesmo tenha a variação da prática na manga, espero que uma hora seja útil (e que vcs se divirtam).
        Convite de pé pra sempre! Só passar lá quando der, torço pra estar presente no dia.
        Bons treinos,
        Daniel

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