As crônicas de um bem-dotado em tempos de crise é tema de mais uma produção com o selo de qualidade HBO: Hung.

Quando dois roteiristas corajosos criaram o conceito para a série Hung, a frase “a ocasião faz o ladrão” nunca se aplicou tão bem na TV mundial. Em tempos de crise declarada na economia, desemprego crescendo nos Estados Unidos e uma série de mudanças sociais inevitáveis, até que demorou para vermos uma das mais definitivas inversões de valor: sai a prostituta, entra o prostituto. Assim é Hung, programa da HBO que não apenas brinca com o conceito de um homem ser pago para fazer sexo, mas engloba toda a inversão de valores promovida pela liberdade feminina e os dilemas familiares da dinâmica moderna. Ser um trepador profissional é o menor dos problemas de Ray, papel que tirou Thomas Jane de seu eterno lugar como “astro de filmes secundários”. Ah, a segunda temporada de Hung entra no ar no próximo domingo, às 23h!

A figura do puto, michê, garoto de programa, como queira, existe há muito tempo. Entretanto, o cinema tende a tratá-lo de forma marginal e sempre com forte influência do homossexualismo, como por exemplo em Garotos de Programa, com Keanu Reeves e River Phoenix. Hung é repleto de sexo, mas ele não é sua fonte principal. Pai de família, treinador do time de basquete da escola local e divorciado, Ray é forçado a pensar num diferencial no mercado de trabalho. E a única coisa que consegue pensar é em seu avantajado e idolatrado.. humm.. bem… pinto!

É a lei da oferta e da procura. Mas essa não é a única crítica, afinal, sobra espaço para avaliar o sistema educacional e seus constantes cortes e também o pouco usual, mas interessante, movimento de recuperação das propriedades nas beiras de rios de lagos nos Estados Unidos. Nas últimas décadas, essas casas se tornaram item de luxo e o custo de manutenção foi afastando famílias menos ricas. Esse é um dos pontos fortes de Hung, que abre mão de uma premissa tão dramática que chega a ser cômica (sim, o mundo é machista e imaginar um pai de família optando pela prostituição tem seu potencial de bom-humor e indignação) e explora as mazelas da classe média norte-americana.

Seria fácil apresentar Ray como um varão orgulhoso de sua nova função; cheio de si se exibindo para os amigos no bar; ou se achando superior por ganhar dinheiro fazendo sexo. Entretanto, o personagem principal masculino de Hung questiona cada passo, cada decisão, cada reação. E isso não acontece por conta de falso moralismo, mas sim pela preocupação honesta com sua família e, mesmo que improvável, fé no sucesso de seu emprego e um sonho distante de reconquistar a ex-esposa. De certa forma, Hung é um tiro de misericórdia numa geração que perdeu o lugar na sociedade americana.

Sabe aquele arquétipo do jogador de futebol idolatrado que se casa com a menina mais bonita e popular do colégio dos filmes? É bem por aí, só que o “felizes para sempre” não existe mais, pois, na maioria dos casos, o futuro desses casais é a mediocridade. Outro dia vi uma dessas imagens engraçadinhas de internet que mostrava a “curva de vida” de um sujeito como Ray e de um nerd que gente como ele, normalmente, abusava na escola. Enquanto o atleta tinha na realização esportiva colegial seu maior momento e “aquele jogo que nunca mais vai esquecer”, o nerd rapidamente se tornou chefe do outro sujeito, ficou milionário e encontrou a felicidade romântica anos mais tarde.

“Desde que comecei a gravar Hung me pergunto se algum de meus amigos, ou eu mesmo, não teria feito o que ele fez. Todo mundo tem fases ruins, mas quando tudo rui ao seu redor vale qualquer coisa”, analisa Thomas Jane, em entrevista ao SOS Hollywood. “É estranho pensar que sua vida pode ter acabado mesmo sem você ter sido preso ou feito algo de errado, é aquele encerramento natural. E isso faz de Ray um cara relevante hoje em dia. E se isso não desse certo? O que sobraria além do crime ou desespero?”.

É a dura realidade.

Mas Ray não está sozinho nessa. A seu lado está Tanya, uma poetisa frustrada e desiludida que assume o papel de cafetina. É de seu jeito com palavras, e de suas amigas – pelo menos no começo – que surge a nova profissão do jegue em questão. Adoro a personagem, até mais que Ray, justamente por ela ter que ir contra sua criação, formação e até mesmo convicções para poder faturar no meio dessa crise. Jane Adams assumiu a personagem e é responsável por metade da relevância da série, sem pensar duas vezes.

Quando entrevistei o elenco da série, ela me impressionou mais que Thomas Jane e Anne Heche. Talvez pela personagem ser ligada às letras ou à identificação com seus dilemas e frustrações, mas Jane foi extremamente simpática e direta. Claro, perguntas interessantes ajudam, mas não vi nada da postura ríspida de Hollywood na moça. “Nunca me perguntaram sobre a essência de viver uma poetisa. Todo mundo só quer saber sobre a cafetina, se conheci esse tipo de gente e etc”, disse Jane Adams, ao fim da primeira temporada. “Muito mais que ler ou saber nomes dessas mulheres [poetisas] precisei entender qual esse papel na sociedade atual, afinal, qualquer um pode usar a alcunha e nunca realizar nada. Poesia está em todo lugar, mas pode estar em lugar algum se for feita apenas pelo título”. Curiosamente, ela e sua personagem compartilham uma característica inusitada, mas bastante útil: Jane tem o nome do poeta francês Marcel Proust tatuado num dos braços. “Isso é totalmente meu. Um amigo emprestou um dos livros dele, li e fiquei apaixonada por alguns textos. Não é uma paixão daquelas doentias de ler toda a obra, mas foi o suficiente para fazer a tatuagem. Foi importante naquele momento”.

Hung foge do comum tanto por argumento quanto por direcionamento. Morar nos Estados Unidos mudou minha perspectiva em relação a muitas coisas dessa sociedade tida como ‘muito mais evoluída e melhor que a nossa’, assistir Hung pode fazer o mesmo por você. Drama relevante, comédia bem estruturada e um tapa na cara atrás do outro.

por Fábio M. Barreto, de Pasadena

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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5 Comments

  1. […] This post was mentioned on Twitter by Gabriel. Gabriel said: Hung: Crítica, Sexo e Família | SOS Hollywood – Hollywood Nunca …: A série Hung, da HBO, cuja segunda temporada … http://bit.ly/bCklQP […]

  2. Gosto muito dessa série, a premissa dela, logo que estreou a 1ª temporada, me deixou um pouco com o pé atrás, mas a marca HBO, sinônimo de qualidade, me fez ir atrás da série..

    uma que estreou recentemente na HBO também é a ‘How to Make It In America’
    que mostra um lado totalmente diferente diferente do que estamos acostumados a ver nos filmes e séries, tirando todo aquele ‘glamour’ de NY, e mostrando a cidade de NY por um outro angulo.

    além de ser bem presa a realidade a serie, de dois amigos em busca do ‘sonho americano’.

    é um entourage sem o dinheiro e a fama. rs

  3. @HBO_Brasil Para o SOS Hollywood, a série #HUNG é um “tapa na cara” da sociedade americana, confira a crítica: http://bit.ly/aKHkLi

  4. A HBO estava passando vários episódios em seqüência alguns dias atrás e pude ver alguns deles. A séria parece bem interessante, fugindo do comum e dos clichês. Muito bom.

  5. Aind não tive a oportunidade de ver, mas estou muito interessado. Da HBO sempre podemos esperar coisas acima da média.

    Apesar dos filmes secundários, curto Thomas Jane. Um dos melhores desempenhos dele foi em O Nevoeiro, ao meu ver.

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