A estréia de Bolt representa muito mais que um sucesso inevitável de bilheterias. Esse é o primeiro projeto liderado por John Lasseter do começo ao fim, um processo que revolucionou o pensamento dentro da Walt Disney Animation e, provavelmente, salvou a companhia de uma linha descendente em termos de qualidade e competitividade. Tudo isso graça a um cachorro criado num set de filmagens, levado a acreditar que tem superpoderes e colocado frente a frente com uma realidade difícil e inevitável: a vida de verdade. Assim é Bolt, dublado por John Travolta, o próximo clássico instantâneo do cinema de animação.

Bolt apresenta vários elementos que podem significar crítica a Hollywood, às pessoas e aos exageros do trabalho, mas tudo isso é subjetivo uma vez que o verdadeiro objetivo dos diretores Byron Howard e Chris Williams, e de John Lasseter, era mostrar a jornada de um sujeitinho que descobre toda a falsidade envolvida em sua vida. E é basicamente isso que Bolt faz. Criado dentro de um set de TV, ele vai parar em Nova Iorque e precisa atravessar o país para reencontrar sua dona em Los Angeles.

Embora não seja fácil, a travessia se mostra divertida ao extremo. Primeiro pelo choque de realidades entre Bolt e o mundo ao seu redor, afinal de contas, quando seus “poderes” deixam de funcionar, ele não passa de um cachorro normal que não sabe nem mesmo conseguir comida! Essa peculiaridade abre espaço para todos os tipos possíveis de boas piadas e desenvolvimento de personagens como o próprio Bolt, Mittens – uma gata de rua – e a maior estrela humorística da produção: Rhino, o hamster que vive dentro de uma bola de plástico! Além de ser divertido e alucinado, ele serve como a ponte entre o mundo surreal de Bolt e a realidade na qual ele não passa de um astro de TV. Rhino, por acaso, é viciado em seriados e assistiu a todas as performances de seu mais novo amigo!

Quem dubla Rhino é Mark Walton, um dos animadores da Disney que entrou na brincadeira para fazer a voz de trabalho e acabou ganhando a simpatia dos chefões. Lasseter me contou que isso acontecia direto na Pixar com Joe Ranft, um dos parceiros criativos da companhia. “Não acreditei quando disseram que a voz final seria minha”, contou Walton, enquanto ensinava como funciona o processo de dublagem da Disney. Lasseter considerou a voz do grandalhão Walton muito especial e insubstituível nesse papel.

A presença de Lasseter é sentida em cada canto dentro dos Estúdios Disney, afinal, pela primeira vez na história, um chefão é tão referenciado dessa maneira – e sem precisar colocar medo em ninguém. Bolt foi resultado desse clima positivo, da valorização da prata da casa e, claro, das orientações do homem que mudou a animação computadorizada no mundo. Por conta disso, comentar a qualidade técnica de Bolt é redundante. Importante mencionar que os seres humanos presentes no desenho são representações, não réplicas. “Nunca conseguiremos recriar um ser humano na tela, pois há tanta complexidade e sempre teremos aquele sentimento de estranhamento”, comentou Byron Howard. “Sempre tivemos isso em mente e assim não gastamos tempo tentando fazer algo que não era o objetivo”.

A história é empolgante, os personagens cativantes e o modo como tudo acontece consegue conquistar adultos e crianças. A combinação perfeita de acordo com Lasseter e com o público, que reagiu positivamente nas bilheterias norte-americanas e deve repetir a performance no resto do mundo.
É inesquecível, especialmente com a voz de John Travolta. Milley Cyrus faz a voz da menininha Penny, mas serve apenas como coadjuvante para o trio animal, que rouba a cena e mostra que a Disney voltou ao eixo de uma vez por todas. Viva São Lasseter!

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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1 Comment

  1. […] Bolt – Supercão foi seu primeiro projeto coordenado desde os primórdios, mas nem só de animação 3D vive a nova geração da Disney. O retorno à animação clássica aconteceu em 2009 com A Princesa e o Sapo, que de quebra apresentou a primeira princesa negra do estúdio. Boa parte do quartel-general da companhia em que a equipe trabalha pelos últimos 3 anos ficou caracterizada como Nova Orleans e dentro do ambiente do século retrasado. Hoje em dia, só se vêem heróis dos contos de fadas, valentões, torres e princesas cabeludas, pois Rapunzel, ou melhor, Tangled, está em produção. Inspiração para todos os lados – mais um presente do estilo Lasseter. Cada equipe de produção decide como quer decorar seu espaço. Quer mais uma vitória para Lasseter? Up – Altas Aventuras foi a primeira animação a abrir o Festival de Cannes e venceu o Oscar de Melhor Animação em 2010. […]

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