Capítulo curiosíssimo, embora fictício, da História do Brasil se perde em montagem com ares mambembe, estrutura quase teatral e roteiro didático emBela Noite para Voar, de Zelito Viana, com José de Abreu, Marcos Palmeira, Mariana Ximenes e Cássio Scapin.

Bela Noite para Voar abriu o recente Los Angeles Brazilian Film Festival. Parecia uma boa escolha, já que traria história brasileira, estrelada por um presidente – o cargo mais idolatrado nos Estados Unidos – e que envolveria conspiração, assassinato, romance e mostraria uma versão para a gênese da ditadura militar no Brasil, com grande influência do governo norte-americano. Entretanto, o longa de Zelito Viana se mostra desinteressante por conta da indecisão entre documentário fictício, longa comercial ou ficção descompromissada. José de Abreu bem que se esforça como Juscelino Kubitschek, mas escolhas arriscadas para elenco e falta de refino no roteiro prejudicam demais o resultado final.

Inconsistência é o termo mais adequado para tratar o desenvolvimento de Bela Noite para Voar, baseado no livro do jornalista Pedro Rogério Moreira. A trilha sonora propondo momentos tensos e o constante senso de urgência divide espaço igualmente com discursos artificiais. Artificiais por falharem na tentativa de recriar o momento “original” e não demonstrar nenhuma autenticidade de cena. Poucos são os momentos em que as falas de JK, ou mesmo de sua “princesa” e amante (Mariana Ximenes, mais maravilhosa e estonteante do que nunca), correspondem ao modo de falar de uma pessoa normal. Isso vale tanto para os comícios de JK quanto para seus momentos mais íntimos. Tudo muito ensaiado e hermético.

Por falar em comícios de JK, esses provocaram as maiores, e constrangedoras, risadas da platéia em Los Angeles. José de Abreu deixa de lado o estigma de machão, mas sua interpretação intensa e, por que não, apaixonada, se esvai quando Zelito Viana resolve colocar meia dúzia de gatos pingados na “platéia” dos compromissos políticos do presidente. Por falar em Abreu, será muito bem-vindo vê-lo nas telas mais vezes com esse lado romântico e sonhador que emprestou a seu JK.

Não é comédia positiva, soa mais como deboche ou amadorismo. Outros tempos, os showmícios ainda não existiam, mas é difícil, praticamente surreal, crer que o Presidente da República atrairia 11 peões de obra, 4 ou 5 deles com vassouras nas mãos, na inauguração de uma usina em Campinas, ao lado de Jânio Quadros – “varre, varre vassourinha!”.

Aliás, ver Jânio e seus trejeitos recriados pelo sempre versátil Cássio Scapin é também parte da inconsistência, uma vez que o personagem não se define pela comédia caricata ou tentativa de recriação histórica. Mas as presenças dos humoristas David Pinheiro e Nizo Neto, respectivamente, Armando Volta e Ptolomeu na saudosa Escolinha do Professor Raymundo, não convencem. Neto, aliás, chega a ser altamente caricato, deixando a impressão de olhar para a câmera e fazer caretas. Pinheiro faz seu trabalho, porém o tom sério de seu personagem não lhe faz jus. Cecil Thiré é um dos maiores acertos do elenco, com seu sério e decidido Marechal Lott. Mesmo linda, Mariana Ximenes não chama a atenção dramaticamente e a melhor das mulheres do elenco é mesmo Julia Lemmertz, fazendo as vezes da esposa de Carlos Lacerda (Marcos Palmeira, filho do diretor).

Entretanto, o tratamento aos personagens no roteiro representa um dos maiores incômodos nessa obra. Em tom desnecessariamente didático e com falta total de refino, cada uma das figuras políticas é apresentada em linhas de roteiro artificiais. Incapaz de encontrar uma saída prática para suas introduções, cada uma das figuras histórias faz uso de nomes e patentes completas quando se encontram num jantar logo no início do filme. Seja o público, brasileiro ou estrangeiro, tal ferramenta não cai bem, não é usual e tampouco cumpre sua função educativa.

O exercício ficcional tem suas vantagens, mas não fica claro ao espectador que se trata de obra inteiramente fictícia, especialmente aos norte-americanos, nitidamente incomodados com a forte sugestão de que a paranóia da caça às bruxas teria sido um dos principais fatores que levariam o Brasil a sofrer com a Ditadura Militar. Temporalmente, Bela Noite para Voar acontece nos últimos anos do governo Einsenhower, quando alinhar países na luta contra o comunismo era tarefa vital. O extremismo da Força Aérea Brasileira e o pensamento bipolar dos americanos faz a ficção ganhar tons de realidade e, especialmente sabendo do destino que aguardaria o País anos depois, tragédia.

Grande pena nisso tudo é ver Zelito Viana tratar seu herói, JK, de forma não-convincente e não escolher, descaradamente, um tom para seu Bela Noite para Voar, que tem de tudo um pouco e não decola como as noitadas aéreas de Juscelino, que, conforme prometido, transformou cinco anos de mandato em 50 anos de progresso… como diria JK, Graças a Nossa Senhora!

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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