Há muitas regras envolvendo a cobertura cinematográfica em Hollywood, mas o que acontece quando apenas um dos lados pode agir como der na telha?

Não fará perguntas pessoais. Não divulgarás no Twitter. E, acima de tudo, não tirará fotografias. Esses são alguns dos mandamentos da complexa estrutura de divulgação de cinema aqui em Los Angeles. Regrinhas claras e bem sacramentadas entre os correspondentes de cinema. Quebrar algumas delas pode resultar em bronca de assessor durante a entrevista ou, em último caso, no banimento do jornalista de eventos futuros. Essas são as normas e quem quiser brincar precisa aceitá-las. Vez por outra alguém se aventura, mas, recentemente, foi o outro lado que resolveu abrir um precedente. Nunca imaginei, mas o que acontece quando um entrevistado resolve tirar fotos dos entrevistadores? O caso inusitado aconteceu na entrevista com Jason Reitman, diretor de Juno e possível indicado ao Oscar pelo fantástico Amor Sem Escalas, com George Clooney, que estréia hoje no Brasil.

Reitman [filho de Ivan Reitman, diretor de Os Caça-Fantasmas] chegou bem descontraído, cumprimentou a todos e, sem muita cerimônia, puxou seu celular e começou a tirar fotos de cada um dos repórteres presentes. Ninguém entendeu nada até que uma colega australiana, pouco antes de ser vítima da lente atrevida do cineasta, se constrangeu e pediu para ficar de fora. Afinal, para que um diretor de sucesso como ele precisaria, ou faria, com fotos de um bando de correspondentes? Pergunta válida e o surpreendeu.

Ele começou a se justificar que ninguém precisava participar, enquanto continuava fotografando os demais. Até que foi novamente interrompido. Constrangido, resolveu explicar. “Estou fazendo um vídeo na qual vou inserir todos os rostos que conheci durante a divulgação desse filme, que é algo descomunal”, disse, enquanto fotografava nossos gravadores. O estrago já estava feito. E de modo justificado. Quando um jornalista arrisca pedir para algum entrevistado tirar uma foto, a assessoria trabalha rápido e barra a tentativa. Mas, nesse caso, a situação relativamente inusitada – se ele está fazendo isso com todos, devia ter fotografado um mundaréu de gente antes do incidente, começando em Toronto, onde Amor Sem Escalas foi exibido pela primeira vez – era de se esperar que ele repetisse a dose.

Curiosamente, Reitman notou a mesma tendência exagerada do circo da mídia que este correspondente [leia o artigo Panela de Pressão: Hollywood, na Sci-Fi News e aqui no SOS Hollywood] e partiu numa jornada para mostrar – se ao mundo ou a quem comprar o DVD de Amor Sem Escalas, não se sabe, já que ele não detalhou tanto seus planos? – um dos aspectos de sua profissão. A idéia é ótima e ser abraçada por um diretor tão relevante quanto Reitman só reforça sua validade, mas há sempre a questão do uso de imagem e, acima de tudo, a cortesia de pedir ou informar sobre suas intenções.

Quando Sacha Baron Cohen solicitou perguntas por escrito semanas antes das entrevistas para Brüno – pois coreografaria todas elas previamente e apareceria como o personagem para os jornalistas – alguns integrantes da imprensa televisiva exigiram da Sony o comprometimento de que suas imagens não fossem inseridas na campanha de marketing. Havia receio de que o comediante utilizasse as entrevistas para tirar sarro dos jornalistas. Desejo respeitado, todo mundo saiu feliz.

No caso de Reitman, a fronteira foi cruzada sem aviso prévio. Há uma noção velada de que lugar de jornalista impresso é longe das câmeras, “nosso papel é fazer perguntas, não opinar ou aparecer” e alguns países levam isso bastante a sério. Especialmente colegas alemães e, depois desse, australianos. Em alguns casos, como em visitas aos sets de filmagem, os estúdios se preocupam com isso e distribuem autorizações de uso aos presentes. Assinar, ou não, é opcional, mas todo mundo acaba concordando.

E o que mais incomoda é o fato de que, de alguma maneira, Reitman pode fazer dinheiro com isso, ou ganhar mais fama, ou ser novamente elogiado. E nenhum dos envolvidos terá lucro com a situação. Afinal de contas, o que importa é o retorno: financeiro ou para o ego.

Fui o último – estava sentado ao lado direito do diretor, que começou a fotografar no sentido anti-horário – e gostei da idéia. Não reclamei da foto e quero só ver onde meu rosto vai parar [veja o resultado abaixo]. Agora fica a pergunta: se nós não podemos tirar fotografias por sermos meros jornalistas, quem disse que um entrevistado pode sem pedir ou se justificar? A fama ou uma noção dúbia de total liberdade por conta da hierarquia do momento?

A panela de pressão continua a soltar vapor sem sinais de diminuir o ritmo. Uma hora explode.

Lost In The Air: The Jason Reitman Press Tour Simulator from Jason Reitman on Vimeo.

*Apareci aproximadamente no 1m46.

por Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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4 Comments

  1. Cara, muito bom, velho… Esse Jason além de talentoso, deve ser muito gente boa. E esse é o tipo do cara, assim como o PTA e o Aronosfsky que posso dizer que acompnhei toda sua tragetoria, e quem sabe mais tarde quando ele torna-se um dos maiores cineastas do mundo eu não tenha orgulho de dizer isso.
    Uma coisa já podemos falar, comparado ao pai dele, o filho já mostra ser melhor. Apesar de fazer adaptações, o cara conseguiu fazer 3 obras prima, Obrigado Por Fumar, Juno e agora recentemente essa aula de cinema chamado Up In The Air.
    Jason Reitman tem tudo pra ser um dos maiores cineastas dessa nova geração!

    E sobre a história e o video, não tem nem o que falar Bá, só você mesmo pra fazer de uma coisa tão foda algo tão simples. Quanots naõ dariam tudo pra participar de acontecimentos como esse… Valeu mais uma vez por dividir conosco mais uma de suas aventuras.
    Abraços!!!

  2. E ae Fabio!
    Ouvi vc falando sobre isso no podcast de Cinema da mtv… que alias estava muito legal sua participação, alias, sempre gosto de suas participações principalmente no Rapaduracast… Nao sabia que vc tbm tinha um podcast e peguei um pra ouvir, o do Halloween… achei muito bacana como assim todo o trabalho que vc faz, e se quiser uma ajuda pra continuar pode contar comigo, pois acho que você deveria voltar.
    Sou um apaixonado por cinema, assim como cultura em geral!
    Abs Fabio

  3. Interessante a atitude do diretor, novamente e acho que infelizmente sou obrigado a dizer, que muitos poucos jornalistas merecem ser respeitados hoje em dia, seja pelo complexo de estrela que aflige alguns profissionais do meio, seja pelo cada vez maior papel ativo de partido político que a mídia vem exercendo, o fato é que por mais que os artistas estejam no limite, o mesmo é com os jornalistas, que por causa desses motivos citados a pouco, acham ruim quando o comportamento do artista, ou mesmo a falta de respostas a perguntas pessoais fica aquém do esperado. Não digo isso de você Fábio, que é na minha opinião um dos únicos profissionais do jornalismo tanto no Brasil, quanto no mundo, que merece ser chamado de jornalista, seja pelo ótimo trabalho em entrevistas, pela cobertura, e pelos textos de opinião, deste que é um dos melhores blogs do mundo.

  4. Cara, quanto tempo até conseguir pausar o vídeo exatamente na sua foto? UHAAHUAHUAUAHAU

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