O show do Rush, em Irvine, foi uma inesquecível Viagem com os Poetas da Música.

Texto e Fotos: Fábio M. Barreto, de Irvine

Há momentos marcantes na vida. Alguns acontecem por acaso, outros sempre estiveram ali, simplesmente esperando para deixar o campo dos sonhos e entrar no feliz grupo das realizações, das memórias, das experiências. Moro em Los Angeles há quase três anos e sempre morro de inveja ao ver a quantidade de artistas bacanas que toca na região, mas nunca posso ir pois, como não cubro a área musical, falta verba – e tempo – para curtir a cena musical. Mas dessa vez foi diferente. O Rush faria três show aqui perto. Era a turnê Time Machine, que passa hoje por São Paulo e amanhã pelo Rio de Janeiro; era a chance de ouvir os clássicos de uma das minhas bandas favoritas. A chance de parar de sonhar com os refrões e poder, finalmente, me lembrar deles ao vivo. Comprei o ingresso. Tinha um encontro marcado com os canadenses no Verizon Amphitheater, em Irvine, em Orange County.

Não exagero quando digo que o Rush é a banda mais poética do rock’n roll. Suas canções impactam e influenciam. Marcam nossas mentes com facilidade e, para aqueles dispostos a escutar com o coração, abrem caminho para uma nova percepção; e não estou apenas parafraseando Closer to the Heart. É um fato. Tanto é que o modo como esse encontro com o Rush aconteceu parecia saído de uma crônica literária, não de um simples concerto de rock.

O Sol ainda brilhava acima da colina onde está instalada a arquibancada do Verizon Amphitheater. Era fim da tarde e um mundarél de gente caminhava pelo vasto estacionamento, já praticamente lotado, para aquela distante área onde o show aconteceria em minutos. A cada passo uma nova experiência. Carros chegando com Rush no volume máximo; gente bebendo, gente já bêbada; e, lentamente, a luz foi ganhando tonalidades avermelhadas e assim, de repente, sumiu. O alvorecer nunca foi tão lindo. Especialmente pelo barulho que a platéia já fazia e pelo clima eletrizante desse encontro que, mesmo sendo repetido para muitos, ainda parecia tão empolgante quanto da primeira vez.

Leia Artigo Exclusivo de Ock-Tok sobre as visitas do Rush ao Brasil e o conceito da turnê!

Conheço grandes estádios e casas de shows, mas tomeu um susto quando notei que o “barranco” era, de fato, gigantesco, formando uma concha acústica perfeita. O lugar estava abarrotado, mas como todos os lugares eram marcados, encontrei minha cadeira, lá no topo. Ao lado estava meus amigos Brandon e Thaís. Eles curtiriam daquele jeito especial que só os casais conhecem e nem se deram conta da minha presença. Estava em transe, pois, conforme subia a íngreme rampa de acesso, o show começou.

E eu delirei!

Foram anos de espera. Décadas de convencimento de que nunca presenciaria aquele momento. Confesso que demorou para cair a ficha. Ok, só um pouquinho, pois The Spirit of Radio me acordou para a feliz realidade. Estava, de fato, no show do Rush! E que show!

Um palco steampunk ou seria laundrypunk? Pois misturava torres cujo estilo retrofuturista entretia, mas as características de máquinas de lavar-roupa quebravam as possibilidades de uma análise monotemática. Nada surpreendente, afinal, o fato de o Rush reunir seus maiores clássicos e percorrer sua carreira com uma felocidade, voracidade e resistência sobrehumanas mostram que eles são tudo, menos previsíveis. Dois telões laterais e um gigantesco painél no fundo do palco permitiam que todos ficassem mais perto dos ídolos. Especialmente no meu caso, que estava há cerca de 150 metros do palco, e uns 50 metros de altura, ao lado esquerdo da torre de som.

Acostumado com o estilo brasileiro de assistir a show – exceto Iron Maiden e, forçando um pouco, U2 – sempre reclamei de as pessoas saberem dois ou três hits e ficarem com cara de paisagemem 90% do espetáculo. Vi isso acontecer com Eric Clapton, no Pacaembú, Echo and the Bunnymen e Red Hot Chilly Peppers, ambos no Credicard Hall, e de forma estarrecedora no Kiss, em Interlagos. Inicialmente, levei um susto e pensei que o mesmo acontecia em Irvine. Mas como? A barreira da língua não existia. Eram só clássicos.

Foi então que por alguma razão misteriosa, deixei o jornalista de lado e comecei a curtir. Ou melhor, viajar, usando o bom e velho jargão roqueiro. Deixei minha mente se perder pelos arranjos do Rush e, minutos depois, quando resolvi olhar ao redor e ver se as pessoas cantavam, notei que todos haviam caído vítimas do mesmo transe que me afetou. Aquela massa de espectadores ouvia cada nota e não precisava cantar, ou berrar, pois o show acontecia no palco e à nossa volta. Era o ato da apreciação musical acontecendo em tempo real. Sem forçar a barra, sem querer bancar o intelectual. Apenas um bando de gente apaixonada por aquelas canções.

Claro que nesse clima de catarse coletiva, não demorou muito para a marola começar.

E mais uma constatação curiosíssima me chocou: a galera viaja, mesmo, com Rush; logo, a erva se faz presente de forma contundente nos shows do grupo. Viajo nas letras, piro nos arranjos e a mistura desses elementos é razão suficiente para curtir a viagem, mas muita gente não pensa assim. Cada um na sua.

O Rush tocou por quase duas horas! Duas horas! Até que Geedy Lee, depois de terminar Subdivisions, agradeceu ao público e, sabendo ter apoio total, brincou: “Vamos fazer uma pausa por causa de nossa idade avançada”. Foi a chance dos velhinhos canadenses descansaram e, pela primeira vez, eu tentar assimilar a jamanta interminável que havia me atropelado.

Se alguém precisa de uma definição para “show de rock’n roll progressivo” de uma banda ainda em operação, é só presenciar o trabalho desses caras. É uma enchurrada de construções brilhantes, solos aprimorados ao longo dos anos e as melhores letras do gênero. Longe das parábolas alucinógenas do Pink Floyd e bem perto do lirismo do Yes, Rush é uma banja engajada com algo maior que as bandinhas de nicho. Seu engajamento é com a Humanidade, com uma raça mais consciente e pé no chão, com gente que pensa, mas sem exigir ou agredir. A oferta está na mesa, aceita quem quer. Pratica quem entende.

Nesse primeiro set de doze músicas [veja o set list completo no final da matéria], chamo atenção para Faithless, que me levou à loucura. Conhecia a música, mas a versão de estúdio não me atraiu tanto. Mudei de opinião depois de ouvir ao vivo. Que espetáculo. Por alguma razão, eles estavam inspirados naquela noite e depois de procurar outras versões ao vivo, nenhuma chegou perto da execução em Irvine. Simplesmente brilhante.

E quando um dos melhores momentos não é um dos maiores clássicos é que se entende o grau de complexidade e relevância do Rush, uma banda comprometida com sua música e seus efeitos. Mesmo depois de tanto tempo na estrada, ainda há muita paixão naquele trio, uma espécie de relação simbiótica entre canção e artista, na qual um lado alimenta o outro deixando o público de queixo caído.

Eles voltaram do intervalo botando a casa abaixo com Tom Sawyer. Aí todo mundo berrou e perdeu a noção. Eu só conseguia sorrir de felicidade. O fantasma do MacGyver finalmente foi exorcizado. A memória da versão de estúdio deixou de ser única. E um dos maiores hinos do rock’n roll invadiu minha mente sem dó nem piedade. Entretanto, não imaginava que algo ali ainda conseguiria estraçalhar com meus parâmetros roqueiros. Bem, era o Rush, tudo podia acontecer.

E aconteceu.

Depois de Red Barchetta, YYZ, Limelight, Caravan, The Camera Eye e Witch Hunt (escrever os nomes já parece set list dos sonhos, mas enfim) veio um momento mágico. Ou melhor, um momento de elevação musical. Algo que atualmente reside no topo da minha lista de acontecimentos históricos: o solo de bateria de Neal Peart. Já vi Lars Ulrick, já vi Peter Criss, já vi Scott Columbus, já vi Chad Smith, já vi e entrevistei Eric Kretz, mas eles que me desculpem. Peart é fenomenal quando domina o palco, e nossas mentes, por 7 minutos. Solos podem ser chatos e repetitivos, seja qual for o instrumento. Esse solo é simplesmente uma obra-prima. Parece uma big band tocando tamanha a complexidade e grandiosidade da composição. Claro que usa alguns recursos para enriquecer a performance, mas isso não diminui seu efeito. Simplesmente brilhante.

Daí para a frente eles não tiraram o pé e foi uma porrada atrás da outra. Logo na seqüência emendaram com uma versão bastante diferenciada para Closer to the Heart, com uma pegada meio reague no começo e o estilão Rush da metade para o final. Inspiradora ao extremo. A viagem no tempo tomou forma real quando as duas partes de 2012 levaram o público – já devidamente entorpecido – até Júpiter numa ode à boa música de um futuro que poderia ser, mas só existe nessas mentes vanguardistas.

Mais de três horas depois, embora o Rush continuasse brilhando sem sinais de cansaço e o público não arredasse o pé, era hora de fechar as cortinas e o golpe de misericórdia foi Far Cry, muito mais poderosa e incisiva ao vivo. Há músicas que nasceram para a execução ao vivo e essa é uma delas. A barulheira das caixas de som ajuda um bocado, sem bem que aquela sensação de agradecimento ao trio também ajudou a apreciar cada segundo como se o mundo fosse explodir quando eles dissessem boa noite.

Eles ainda voltaram para um bis com La Villa Strangiato e Working Man, afinal de contas, nada mais justo do que lembrar a todos que eles trabalharam duro nesses últimos 30 anos e, de forma inesquecível, nas últimas três horas.

Não tocaram The Trees, que é minha canção favorita. Mas tudo bem. Saí do lugar em êstase, especialmente depois do divertidíssimo vídeo de encerramento com Paul Rudd e Jason Segel levando suas piadas do filme I Love You, Man para os bastidores do show, dando um ar hollywoodiano a um show já digno das estrelas.

Set List:
The Spirit Of Radio
Time Stand Still
Presto
Stick It Out
Workin’ Them Angels
Leave That Thing Alone
Faithless
BU2B
Freewill
Marathon
Subdivisions

[Intervalo]
Tom Sawyer
Red Barchetta
YYZ
Limelight
The Camera Eye
Witch Hunt
Vital Signs
Caravan
Drum Solo
Closer To The Heart
2112 Part I: Overture
2112 Part II: The Temples Of Syrinx
Far Cry

[Bis]
La Villa Strangiato
Working Man

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Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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5 Comments

  1. […] E que roteiro fantástico este disco-filme nos apresenta: ele já começa apresentando de forma marcante o personagem principal, Tom Sawyer, que não gosta de ser confundido com seu homônimo das obras de Mark Twain, apesar de suas leves semelhanças. O guerreiro dos dias modernos é reservado e muitas vezes confundido como arrogante, mas possui um grande amor pelo mundo e pela liberdade. Mesmo que as músicas não sejam co-ligadas como em muitas obras de bandas progressivas, podemos imaginar este mesmo personagem em todas elas como, por exemplo, na futurista Red Barchetta, claramente inspirada no conto A Nice Morning Drive, sobre um fazendeiro que, numa época em que a “lei dos motores” é clara sobre ser proibido o uso de veículos de motor à combustão, mantém uma Ferrari Barchetta vermelha em seu celeiro e desobedece as regras levando seu sobrinho adolescente para correr nas velhas estradas. Leia Crítica Exclusiva do Show, por Fábio M. Barreto […]

  2. Uma pena que. no domingo. terei um compromisso inadiável senão certamente estaria na Apoteose (que, por sinal, esse fim de semana está bombando).

  3. Estou acordando agora de um sonho, simplismente maravailhoso, também fui ao Show do Morumbi há 8 anos, Time Machine não foi um bom Show, foi maravilhoso.

    1. Demais, né? Revivi tudo escrevendo esse texto e simplesmente fiquei doido para ver novamente! :p

  4. Fui no show do RJ, os caras mandam muito bem mesmo!

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