Alice Munro

A vencedora do Prêmio Nobel de Literatura deste ano nunca escreveu um romance sequer, provando que a arte da literatura curta continua mais relevante do que nunca. Por que não dá certo na Ficção Científica do Brasil?

A contista Alice Munro é um senhora canadense de 82 anos. Professora e distante dos holofotes, embora algumas de suas histórias já tenham sido adaptadas para o cinema (entre elas, “The Bear Came Over the Mountain, que virou o filme “Away from Her”, com Sarah Polley), ela foi a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2013 sem ter escrito um romance sequer. A vida dela é tão tranquila e desligada da fama que foi informada da premiação por uma mensagem deixada pelo Secretário da Academia Sueca de Literatura, Peter Englund. O Nobel chega no mesmo ano em que Alice anunciou a sua aposentadoria, logo após publicar o livro “Dear Life”. Ela foi a 13ª mulher a receber o prêmio, mas a única pessoa no mundo a ser agraciada pelo trabalho em contos.

Por ter crescido lendo ficção, sempre que procurava por um autor nacional, invariavelmente, esbarrava numa coletânea de contos de diversos autores ou em coleções de um ou outro mais produtivo. Ainda novo ouvi “brasileiro é bom com conto, mas nunca vai ser bom em grandes romances”, o que foi uma grande bobagem, mas, como garoto, acreditei nisso por um tempo. Li grandes contos e crônicas, muitos dos quais me recordo apenas das histórias. Demorei a “dar atenção” aos autores (irônico, não?). Num momento dessa evolução, lembro de ter sido um dos primeiros (se não o primeiro) a entrevistar Luiz Ruffato, que trabalhava na mesma redação que eu, no Grupo Estado, veja só, por uma coletânea de contos. Ele é o jornalista e escritor brasileiro que, nesse momento, representa o Brasil na Feira Internacional de Frankfurt. Falamos justamente sobre a força dos contos e sua relevância. A paixão de Ruffato foi contagiante, pois ali havia um sujeito capaz de conduzir pela simplicidade e certo da utilidade daquele formato. Não por conta de “o brasileiro só ser bom em contos”, mas por escolha, pois era como ele se sentia bem escrevendo. Pensei muito nisso e trouxe essas lições comigo tanto no jornalismo quanto na carreira literária.

Tentei ler alguns romances nacionais e fui afastado por muitos pela linguagem parada no tempo, confesso. Os contos foram uma válvula de escape para a obrigatoriedade de Machado e seus colegas clássicos, pois tinham uma linguagem mais próxima e, na maioria das vezes, falavam sobre o mundo no qual eu vivia. Quando os romances eram mais atuais, ou lembravam partidas de RPG ou simulacros daqueles mesmos clássicos que haviam me repelido por um tempo. Logo, voltei aos contos e me diverti por um bom tempo. Mas, logo que enveredei para a Ficção Científica, encontrei um gênero imensamente povoado por contos e noveletas. Muitos deles ótimos e marcantes, que conheci por fanzines e algumas coletâneas. Grandes escritores nasceram ali (mencionarei apenas Gerson Lodi-Ribeiro, por ser meu ídolo declarado) e, inevitavelmente, migraram para os romances em busca de maior reconhecimento e o tão sonhado sucesso financeiro, que são causas nobres e respeitáveis, afinal, escritor também paga conta. Ali vi os primeiros sinais do preconceito com o conto e a dissociação do formato com o sucesso financeiro.

Qual a razão de contar tudo isso? A vitória de Alice Munro dá a maior de todas as chancelas aos contos, estilo do qual ela, aliás, vive há muito tempo (ela também escreve colunas para o The New Yorker). “Sempre terminei uma coletânea pensando em finalmente fazer algo sério e escrever um romance”, diz Alice, em entrevistas. Se esse é o reino que ela domina, para que mudar? Inconscientemente, ou não, ela protelou o romance que nunca saiu e nunca vai sair. E qual o problema? Nenhum.

Num momento tecnológico no qual qualquer um (mesmo!) pode publicar um conto ou um romance nas plataformas de self-publishing, por que o tamanho da obra estaria diretamente ligado ao tamanho do sucesso? Um escritor que vender 20.000 contos na Amazon, por exemplo, não pode ser diminuído perto de alguém que vendeu o mesmo número de romances. Pensemos: claro, o romancista vai ganhar mais dinheiro, pois um conto vai custar uns R$ 5, enquanto o romance sai por R$ 25 (levando em conta suas respectivas porcentagens de capa). Mas, pensando em abrangência e público: 20.000 pessoas foram atingidas pelo conteúdo, que, com certeza, gerou um boca a boca positivo e criou uma base sólida para próximos trabalhos. Não existe a mentalidade de que “o que é bom vai encontrar o público certo”? Então, o mercado caminha para isso. As perguntas são muitas e a primeira é: temos todos esses leitores? Sim. Sabemos como encontrá-los? Provavelmente não e fazer isso é caro.

E, “se o brasileiro é bom com contos”, por que não vemos mais coletâneas quebrando barreiras? Falando mais especificamente da Ficção Científica. Ofereço algumas possibilidades, afinal, não tenho a resposta: coletâneas justificam tanto o investimento de marketing; a pluralidade de autores, cujo objetivo é sempre ampliar a relevância do título, acaba jogando contra, pois o leitor precisa colocar na balança o quanto quer investir para ler 1 conto que, com certeza vai gostar, e arriscar com os outros; o conteúdo em si, afinal, muitos dos nomes se repetem e cada editora tem seu time, que, habitualmente, só alimenta aos leitores fieis. É preciso dizer que, até segunda ordem, o mercado de FCB ainda é menor que o ideal, especialmente se comparado ao norte-americano. Barreiras precisam ser quebradas e, fica claro, o sistema atual é ineficaz. Elas podem até causar repercussão no meio e ter qualidade (cito aqui Intempol, uma das melhores de todos os tempos), só que falham ao continuarem restritas.

De qualquer forma, não sei a resposta. É preciso até mesmo questionar o conceito de que “sucesso só é atingido fora do nicho”, pois casos de sucesso existem, mas sem grande relevância de mercado literário nacional. E não quero transformar uma notícia sobre o Nobel em algo maior do que, de fato, é. Entretanto, como eterno amante do gênero, autor, e alguém que descobriu seu ídolo justamente numa dessas coletâneas de contos, me pergunto por que a coesão do material publicado na década de 90 não evoluiu para algo mais efetivo e comercial. Aparentemente, continuamos tentando reinventar um formato num círculo perpétuo. Com certeza o jeito certo já passou e, sem o sucesso estrondoso aparente, deixamos passar sem querer.

[box type=”shadow”]Fábio M. Barreto é jornalista, cineasta e autor da ficção brasileira “Filhos do Fim do Mundo“, publicada em 2013 pela editora Fantasy/Casa da Palavra, integrante do Grupo LeYa. Publicou o conto “Ela“, na coletânea Imaginários 4, da Ed. Draco. Mora em Los Angeles e está escrevendo seu segundo romance, Snowglobe.[/box]

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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