Nas últimas semanas, andei pensando muito sobre a estratégia de abandonar de vez a TV por Assinatura (não posso dizer “cabo”, afinal, uso a DISH, que é via satélite) e tentar a sorte no consumo de entretenimento baseado em dois serviços extras que assino: Netflix e Amazon Prime. A ideia nasceu por conta de uma dura realidade financeira, afinal, pagar mais de US$ 100 por mês para assistir 5 ou 6 canais, gravar séries e poder ver filmes On Demand parece um pouco demais. E, na verdade, é. Especialmente se compararmos ao que, de fato, recebemos em troca da pequena fortuna dedicada à deusa da telinha.

São centenas de canais repletos de horas e horas de lixo digital e nem digo isso pela qualidade, mas se você acumula algo que não precisa, ou não usa, tal item não passa de lixo, afinal, a programação está à sua disposição, mesmo sabendo que é humanamente impossível consumir horas e horas de programação e ainda ter uma vida social ou profissional. O atual sistema, que existe desde a popularização do serviço de TV a cabo, transforma todos os clientes em channel hoarders (gente que acumula o que não precisa e tem dificuldade para se livrar das tralhas). Não é mesmo? “Uau, tenho 237 canais na minha grade!”, diz o consumidor feliz, no ato da assinatura. A realidade é que essa pessoa vai ver alguns deles por curiosidade no início, depois vai simplesmente passar por cima sem dó nem piedade. Na DISH, por exemplo, posso programar um guia de favoritos por gênero e etc. Logo, tenho um menu com Esportes, um com Notícias e um com Filmes. No total, são 28 canais que, de alguma forma, me interessam dependendo da programação. Desses, assisto 4 no mesmo dia. Logo, pago toda a mensalidade para consumir 4 canais e, basicamente, ver filmes da HBO, que me cobra US$ 19,99 a mais todo mês.

Eis que, há dois meses, a DISH inseriu um canal no guia: Netflix. Cliquei pensando ser um promo, mas não era. Era uma página de login. Entrei e pude acessar toda a minha biblioteca de streaming do Netflix (para quem não sabe, nos Estados Unidos, também existe o sistema de envio de Blu-rays e DVDs de lançamentos pelo correio). Logo na primeira semana, passei mais tempo assistindo animês no Netflix na TV da sala, coisa que fazia utilizando a AppleTV (que, alias, fica inutilizada nesse cenário), via setup box da Dish do que, de fato, a programação da oferecida pela própria Dish.

Esse foi o alerta. Liguei na operadora para renegociar e pedir um pacote que contivesse os 6 canais que preciso, de fato: CNN, AMC, HGTV, SyFy, ESPN e MSNBC. Já tinha perdido a BBC America (saudade do “Doctor Who”), alias, quando reduzi um pouco meu custo. Descobri que apenas um deles está no pacote mais barato, o resto está espalhado em três camadas diferentes, e todos presentes no pacote premium que pago, o America 250+. Isso mesmo, tenho mais de 250 canais… e ainda preciso botar mais vintão para ter HBO. Nesse momento, aquele velho sonho do “seria tão bom poder escolher os canais e pagar só por eles” voltou à tona, trazendo a esperança e a tristeza por saber que isso ainda não existe.

Bem, ainda não. Mas começou a mudar.

Peter Dinklage says what?

Soltando as Amarras

Ainda em 2015, a HBO vai lançar um serviço digital independente. Ou seja, será possível contratar apenas o canal de filmes SEM passar pelo sofrimento de ter que comprar um pacote qualquer na operadora e ainda pagar o extra mensal. O comando do canal considera o produto como algo premium, ou seja, o preço inicial vai ser alto e a programação ainda não foi anunciada. Uma tentativa anterior já havia acontecido com a ESPN, mas a Disney ficou com medo de canibalizar a programação atual e transformou o serviço num complemento à programação do canal nos pacotes por assinatura (exigindo login via operadora).

De qualquer forma, é uma jogada necessária – e atrasada, em certo ponto – para manter a competitividade no mercado. A HBO foi suprema por muito tempo graças a produtos fantásticos como “Game of Thrones“, “True Detective“, “Band of Brothers“, “The Sopranos” e tantos outros, mas, aí, canais como Showtime, AMC, FX e os originais da Amazon e Netflix mostraram que tem mais gente capaz de fazer bons filmes e séries, inspiradas pelo modelo de produção e distribuição da própria Home Box Office. Nesse cenário, Amazon Prime, Netflix e Hulu se dão bem, pois há um mercado crescente de residências que funcionam 100% à base de banda larga e ignoraram as operadoras por assinatura. Hoje, são mais de 10 milhões de casas nos Estados Unidos. E 10 milhões (vezes a média de moradores por residência) é gente para caramba! Fora a possibilidade de acesso simultâneo em tablets e telefones.

Um cara que cresceu assistindo Netflix, quase não sabe o que é intervalo comercial, lê as notícias online e consome mais o YouTube do que a CBS, vai mesmo achar interessante pagar o triplo do que ele paga só para ter 250 canais que ele, provavelmente, não vai assistir?

Jornalismo

Esse é, de fato, o próximo passo do mercado de TV por assinatura, em termos de distribuição. Os preços dos pacotes sempre sobem e a rejeição àqueles truques do “desconto inicial” criam apenas dois tipos de consumidor: aquele que vai trocar de operadora ao fim do desconto (e que, basicamente, vive nesse esquema, pulando de desconto em desconto) e aquele que vai ficar bravo com o aumento (que, às vezes, chega a 60%) de um mês para o outro. E nenhum deles está feliz. A fidelização se torna cada vez mais difícil. Enquanto isso, os serviços de streaming são o oposto: eles permitem a personalização do que se assiste, cobram um preço aceitável, entregam conteúdo em HD e agora têm seus originais. A CNN, por exemplo, anda promovendo muito o CNN.com/Go, seu serviço de streaming para qualquer aparelho, mas ainda pede o login da operadora. Eles não querem perder essa fatia, claro, mas ainda são dependentes. O Go, assim como o serviço idêntico da HBO, serve como primeiro degrau: “olhe, acostume-se a nos ver no seu iPad, daqui um tempo não precisa mais ligar a TV!”

Nesse cenário provável dos canais de notícia evoluírem para a oferta independente, formatos como o Vice vão decolar de vez. Atualmente, além da presença fantástica na Internet (inclusive com um site brasileiro), o Vice tem vínculo com a HBO, que exibe suas videoreportagens em formato de documentário e atrai cada vez mais seguidores para o princípio do jornalismo engajado de Shane Smith (veja o vídeo abaixo), que construiu um pequeno império midiático estimado em US$ 2.5 bilhões e mostrou um novo caminho – lucrativo – para a imprensa ao longo de 20 anos.

Muita gente mantém a TV por assinatura por praticidade, que é inegável. Basta ligar, escolher o canal e deixar a caixa mágica fazer o trabalho dela. E você ainda ganha um telefone fixo (cada vez mais moderno, ou não!) e a Internet. Aqui em Los Angeles, o único serviço que oferece esse combo com qualidade é a TimeWarner Cable. Alias, os Estados Unidos são separados em dois blocos de monopólio. Do lado Leste (NY, Boston, Miami, etc),a ComCast manda no jogo. Do lado Oeste (LA, SF, Vegas, etc), a TimeWarner é a única. A Verizon tenta entrar com o FiOS (serviço de fibra ótica), mas a cobertura deles é ridiculamente pequena, pois só conseguem oferecer o serviço onde a TimerWarner não está. É, eu tentei, afinal, fibra ótica é bem mais legal, né?

Entretanto os últimos estudos do comportamento de cliente mostram o crescente desinteresse no telefone fixo e no desmembramento dos combos com maior frequência, o que não é muita surpresa, certo? O grande problema vai surgir – e abalar – as operadoras de TV quando a próxima geração começar a pagar as próprias contas. Um cara que cresceu assistindo Netflix, quase não sabe o que é intervalo comercial, lê as notícias online e consome mais o YouTube do que a CBS, vai mesmo achar interessante pagar o triplo do que ele paga só para ter 250 canais que ele, provavelmente, não vai assistir?

A resposta parece óbvia. E ela vai mudar o jogo. O primeiro passo começa esse ano, com a HBO e eu não vejo a hora, afinal, vai ser a minha carta de alforria!

E você ainda usa TV por assinatura? Já migrou para o streaming? Compartilhe sua experiência!

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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6 Comments

  1. Muito bom! E um assunto que me interessa. O pior de tudo é que isso não é noticiado. Por que será? 😉

    1. Sei lá, cara. O anúncio foi feito, mas sabe como é.. enquanto um jornal diário ou grande portal falar, ninguém liga. 😉

  2. Excelente postagem! Acho bem interessante este assunto.

    Pago TV a cabo com grande aperto no coração, pois eu simplesmente não utilizo. Pra mim Netflix tem prevalecido.

    Infelizmente minha mãe e tio ainda usam, apenas por isso não cancelo.
    É realmente triste esperar intervalos, sem contar o quanto sofremos por aqui com falta de opção com legenda e programação absurdamente repetida. Séries atrasadas e assim vai…

    1. Vou fazer uma matéria sobre os comerciais, Vivian 🙂
      é algo que me incomoda absurdamente!

  3. Apenas durante esse ano entrei na TV por assinatura e olha… é triste como uso 5% do que achei que iria utilizar. Pouquíssima variedade de filmes (a não ser que você aceite a facada de HBO + Telecine), reprises chatas… Percebi que uso apenas os canais ESPN, Fox Sports e a TNT pra quatro ou cinco premiações no ano. Tá acabando o período de 12 meses de fidelidade, e tô realmente inclinado a cancelar. Enquanto uma iniciativa como essa da HBO não estiver funcionando aqui no Brasil (e será que um dia vai?) acho que não volto.

  4. O prejuízo para ver esportes é muito grande. Meu pai é o que mais consome tv dá duro para ter os SporTv’s e ESPN, que no final são os únicos canais que ele assiste. E por causa dessa fama do streaming eles encareceram sem dó o esporte. Se fosse por mim eu teria só o Netflix também.

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