Primeiros quatro episódios da terceira temporada de Fringe arriscam com foco em Olivia, mas também entregam uma pequena obra de arte da Ficção Científica com Do Shapeshifters Dream of Eletric Sheep?

por Fábio M. Barreto, de Los Angeles

[Importante! A cobertura de TV do SOS Hollywood contém spoilers, portanto, sugiro a leitura após acompanhar os episódios identificados anteriormente]

Elogio Fringe desde sua estréia por uma razão simples: o roteiro deixa de lado as tendências de mercado e busca a consolidação de uma série 100% dedicada à Ficção Científica. Questão de ideal, aliás, um pensamento compartilhado com os produtores da série J.H.Wyman e Bryan Burke, os responsáveis pela manutenção do argumento elaborado ao lado de J.J. Abrams e seu triunvirato criativo (Bob Orci e Alex Kurtzman). Fringe é a única idéia original desse gênero que existe na TV aberta norte-americana. Supernatural aborda o fantástico, mas de outras formas, acaba bebendo muito na fantasia, folclore e, recentemente, na religião. Fringe tem uma religião: a ciência das maluquices.

Depois de duas temporadas dedicadas a estabelecer um confronto de proporções inimagináveis – envolvendo dois muitos literalmente em choque -, a série começou o mergulho em direção ao cerne desse conflito e escolha Oliva Dunham como a pessoa cuja trajetória vai guiar o público nessa viagem. Querem matar dois problemas com uma porrada só: a falta de interesse na personagem, habitualmente sem graça, por conta da atuação morna de Anna Torv e mostrar que existe vida fora da família Bishop, o mote principal da série até agora. A decisão é mais arriscada que dividir um sorvete com Walter!

Fringe já está em seu breve intervalo os primeiros 4 episódios foram dedicados a ambientar as super gêmeas em seus novos mundos. Duas farsas. Duas histórias que serão desmascaradas, eventualmente. Diferente do antecipado clímax criado pelo encontro entre William Bell (Leonard Nimoy) e Walter Bishop (John Noble) na temporada anterior, a recomposição da equipe real de Fringe – em qualquer um dos lados – vai servir como alívio. A cada cena, Anna Torv se esforça inutilmente para trocar aquele sorriso bobo da Olivia Alternativa pela cara séria da Olivia Chata. Ela falha da mesma forma que sua personagem, numa simulação tão falsa que irrita e só se manteve até agora por preciosismo do roteiro. Saber que Darth Vader é pai de Luke e que, certo dia, foi Anakin Skywalker justifica passar um tempo assistindo à construção daquele momento, mas Fringe forçou a barra – pela primeira vez – ao criar algo desnecessário e de conclusão óbvia.

Os efeitos podem ser piores que um arco descartável, pois, por conta disso, Peter caiu para o segundo plano e Walter está saindo de seu elemento, ao começar a dividir seu tempo entre o laboratório de Harvard e as instalações da Massive Dynamics. Tchau, vaquinha! Pelo aspecto criativo, isso é bom, pois tira os personagens de suas bolhas de seguranças e provoca estranhamento no público, que já podia se sentir “entendido” nas maluquices de Fringe. Muita coisa mudou e o grau de imprevisibilidade aumentou, mas no caso das duas Olivias, não há tanta impossibilidade assim.

Vejamos:
– Num cenário óbvio, Olivia Alternativa seria descoberta e, de alguma forma, trocada com a Olivia Chata e tudo voltaria ao “normal”;

– Alternativa também poderia concluir sua missão, que, pelo jeito, envolve Peter construir a tal da Máquina do Fim do Mundo no nosso lado (ou resolver algum problema fundamental que tenha impedido Walternativo de acabar com o nosso lado), e a guerra poderia guinar em favor do Outro Lado;

– Olivia Chata vai se lembrar de quem realmente é já já, logo, se for esperta, poderia tentar sacanear o lado de lá enquanto tenta voltar para casa;

– E no cenário ideal – e, sim, impossível – as duas poderiam criar um paradoxo tão grande que seriam desintegradas em ambos os mundos, permitindo, assim, que a série que todo mundo quer ver começasse: Guerra dos Mundos – Walter contra a Rapa!

Implicância com Olivia? É. Os arcos de história envolvendo a loirinha não empolgam, sua atuação é desinteressante e nem mudando de personalidade ela funcionou. Toda série tem pontos fracos, mas quando seu calcanhar de Aquiles é a atriz principal, a coisa complica. Entretanto, isso reforça a força do roteiro e a aura criada em torno da série, que consegue se manter – e bem – mesmo com essa constante jogada de risco. Os primeiros episódios da terceira temporada quebraram muito o ritmo construído para o apoteótico encontro dos mundos e o sacrifício de William Bell que, facilmente, pode ser considerada a última grande atuação de Leonard Nimoy.

As regras de Fringe renascem ao ponto em que Olivia Chata é convertida no Outro Lado e até mesmo a constante ameaça dos Transmorfos chega ao fim no nosso lado. É um período de transição, de busca de um novo clímax capaz de reenergizar a narrativa e o primeiro sinal claro, embora possivelmente um formato que não voltará a ser utilizado, Do Shapeshifters Dream About Eletric Sheep? – último antes do hiato – entrou imediatamente na lista de três melhores capítulos da série e entre os grandes momentos da Ficção Científica na TV moderna. Muito além da menção óbvia, e justa, ao livro de Philip K. Dick [em português, O Caçador de Andróides, que deu origem ao filme Blade Runner], o episódio discutiu a essência de muitos dos personagens, especialmente dos transmorfos, e abordou um assunto necessário e já tardio nesse ponto da construção da mitologia. Nenhum dos dois lados é Mal. Não há “guerra” como Walternativo defende. Tudo é questão de lealdade e sobrevivência, tanto é que os metamorfos infiltrados no nosso mundo há anos descobrem a emoção. A monstruosidade está nos olhos de quem vê, não no coração. Quando Thomas Jerome Newton (Sebastian Roché, recentemente visto em Supernatural, como o anjo Baltazar) confronta essa possível convivência entre os dois mundos, sua fidelidade diminui o impacto emocional, mas não o blinda totalmente de vislumbrar um outro tipo de realidade. Um terceiro tipo, no qual monstros e soldados como eles poderiam viverm em paz. Sem guerra.

De certa forma, Newton foi uma ameaça problemática para a Fringe Division, um sujeito praticamente infalível, responsável pelas grandes ameaças oriundas do outro lado. Pudemos conhecê-lo e, finalmente, presenciar a história contada, ou melhor, vivida, por outros olhos. Os olhos de um ser criado com um propósito, mas capaz de perceber um mundo muito melhor ao seu redor. Mas como todo monstro, sua percepção não modifica sua essência e seu destino é um só. Conclusão. Fim. Destruição.

Ele. A máquina. O monstro. Ele tinha mais coração que Olivia Alternativa, representante de uma estirpe sem compaixão. Isso possibilita a pergunta: o robô com coragem e coração tem menos direito à vida que uma menina assustada e enganada?

O fim é árduo e, dessa vez, não há estrada de tijolos amarelos ou a companhia reconfortante de Deckard na hora do último suspiro.

Todas as criaturas morrem sozinhas.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

Recomendado para você

9 Comments

  1. Não acho que tenha sido um ótimo episódio…
    achei mediano apenas. Alguns furos foram meio gritantes, como por exemplo: estavam loucos atrás do newton, o capturaram finalmente, e ao invés de interrogá-lo, jogaram numa solitária sem ninguém por perto…

    1. além da cena clichezaçaaaaa do newton no hospital e a fila de guardas entrando na linha de fogo dele com a camiseta “SHOT ME RIGHT HERE” (alías, só faltou a camiseta mesmo)

  2. O que você espera de Anna Torv? Ela tem entregado um trabalho impecável nesta temporada, reinventando a si mesma e carregando, quase sozinha, toda a narrativa. Tem sido elogiada por críticos especializados e, pelo menos, dois deles já falaram em indicações ao Emmy.
    Talvez você devesse deixar de lado sua implicância pessoal com a atriz, a fim de conduzir uma crítica objetiva e imparcial. Não sei quais são seus critérios, mas estão obviamente maculados por preconceitos.

    1. Cada um entende a qualidade como sua bagagem permite, Diego. Não há nada de impecável no trabalho dela.
      Se você me garantir que essa opinião é 100% sua e não influenciada pelos críticos, positivos ou negativos, podemos discutir os critérios. Defendo Fringe no Emmy desde a primeira temporada, pelos mesmos critérios que avaliam a atuação dela como ponto fraco. Não é ruim, mas também não é boa. É igual. Só muda o sorriso.
      Compartilhe seus critérios e compartilho os meus. Vamos conversar a respeito. 🙂

      Ah, nenhuma crítica é imparcial. 😉 A crítica, por definição, tem caráter opinativo e pressupõe o julgamento.

      1. como disse desde a 1a. temporada….
        Oliva Dunham (Anna Torv) é uma porta!

        Alias é a 1a. vez que vejo alguém defendendo atuação dela
        =)

        Neste caso, concordo com o Fabio… essa discussão seria interessante!

  3. Concordo que a personagen foi a de menor relevância no começo, e botar ela no foco agora pode servir pra trama mas não ajuda a personagen que é praticamente ignorada pelos fãs.
    Mas devo dizer que a personagen tem se tornando bem interessante com todo esse foco no começo dessa temporada e embora a atriz com certeza não chegue aos pés do John Noble, é nitida a significante melhora da Anna Torv fazendo a Olivia Alternativa, uma personagen bem mais interessante de se interpretar do que a boazinha haja o que houver (embora a Olivia Chata tenha ficado mais interessante).

  4. não vou entrar no mérito dela ser uma boa ou má-atriz.
    Na minha opinião, ela não estraga em nada o meu sentido da série.
    Tem muita gente que se incomoda com ela, mas pra mim, não faz diferença nenhuma…
    até gosto daquele ar meio blasè…

  5. não achei esse episódio dos melhores… não é ruim mas tb não é espetacular.
    depois de ver o episódio “White Tulip” q é o melhor da serie é difícil dizer q esse ultimo episódio é espetacular.
    Concordo com Fabio acho a Anna Torv muito fraca. Ela não tem carisma nenhum e basta ver algum outro trabalho dela pra perceber q a culpa não e do personagem.
    Como uma serie dessa q é um investimento alto eles não conseguiram achar uma melhor atriz para ser protagonista.
    Mas a nossa sorte é o John Noble q acaba equilibrando a ruindade q vem dela.

  6. Eu não gosto do trabalho da Ana Torv desde o início.

    Sempre a achei insípida e para mim, Peter e Walter Bishop é quem fazem a série interessante.

    A Olívia seria maravilhosa se interpretada por outra atriz que não a Torv.

    Felizmente, o trabalho dela não interfere em nada na minha admiração pela série.

Comments are closed.