Cloudy2land

Qual o resultado da mistura de dois diretores nerds, animais feitos de comida e um personagem principal criativo e desesperado por atenção? Alucinação!

Fiquei ansioso pelas entrevistas de “Tá Chovendo Hambúrger 2” (Cloudy with a Chance of Meatballs 2) por uma razão: um dos diretores, Cody Cameron, foi um dos responsáveis por The Chubbchubbs (assista abaixo!), o único curta-metragem animado de ficção científica a ganhar um Oscar! Sentia cheiro de nerdice no ar! Descobrir que Kris Pearn, o outro co-diretor, é tão ou mais nerd que Cody, só deixou meu dia mais feliz e facilitou o trabalho. Jovens, engraçados e alimentados pelas mesmas fontes que muitos de nós fomos, nos anos 80, essa dupla entupiu a sequência dessa animação de sucesso da Sony Pictures Animation com referências pesadas e piadas nerds num filme que, essencialmente, deveria ser “apenas infantil”.

“The ChubbChubbs!” animated short from Jeff Wolverton on Vimeo.

O roteiro de “Tá Chovendo Hambúrger 2” continua, imediatamente, após o fim do primeiro filme e os moradores da ilha foram relocados para que a “limpeza” fosse feita. O arauto da bondade é Chester V, uma mistura de Steve Jobs, Bill Gates e todos os outros tecnogurus modernos. Se no primeiro filme, Flint Stockwood queria ser aceito pelo pai, neste segundo, ele quer encontrar seu lugar no mundo e impressionar seu herói de infância. É o mesmo que Sheldon Cooper tentar cair nas graças de Leonard Nimoy. Aí já cabe a primeira crítica social, pois o protagonista – que, visual e criativamente, lembra Neil Gaiman, por ser uma “metralhadora de ideias”, como diz Kris Pearn – tem tantas ideias, mas elas só serão relevantes se validadas pela mente corporativa da Live Corp, liderada por Chester V. O sujeito inventou uma máquina de criar comida usando apenas um pouco de água! Ele não precisa provar mais nada. Porém, o vazio existencial pode ser um problema e ele sofre desse mal. Claro, tudo dá errado e quem vai tentar consertar a bagunça? O próprio Flint.

Ao retorna à ilha, Flint entra no “Parque dos Comidassauros”! A comida criada pela máquina de Flint ganhou consciência e uma nova espécie de criaturas – em inglês batizados como Foodanimals, o Comidassauros é por minha conta – tomou conta da região. A referência a Spielberg é descarada numa das tomadas mais bonitas da animação, quando os personagens percebem que estão envoltos em novas formas de vida. “Era preciso mostrar todo esse escopo e a grandiosidade. Foi inevitável não pensar em Jurassic Park e o carinho que nós, e todo mundo, temos pelo filme”, comenta Cody Cameron. “Até o visual da personagem Sam veste roupas inspiradas nas que Laura Dern usou!”, complementa Kris Pearn. Os dois batem bola com uma facilidade imensa, nascida pelos interesses semelhantes e forjada ao longo de anos de produção dos dois filmes (Pearn foi Head of Story, ou seja, cuidou dos storyboards e do encadeamento de ideias do primeiro filme).

Por que dois diretores?

Muitas animações são comandadas a quatro mãos. Nunca houve uma boa justificativa e vendo os dois trabalhando em tamanha sincrônia, tentei desvendar. “Olha, nunca me perguntaram isso e nunca parei para pensar na razão”, diz Cameron. “Provavelmente é por conta do volume de trabalho. Temos que controlar a qualidade e gerenciar tantas unidades e profissionais que estar em dois lugares ao mesmo tempo ajuda”. Pearn complementa: “O resultado do trabalho depende exclusivamente do alinhamento de ideias, então, a habilidade de transferir isso para toda a equipe, constantemente, todos os dias, sem vacilar, é vital. No fim de cada dia, nós dois sentamos para conversar e checar a evolução do trabalho e da história em si. Num set real, o diretor toma todas as decisões, mas elas acontecem ao vivo e no ambiente do set. No nosso caso, os problemas surgem ao longo de meses de dedicação, logo, muito do que fazemos é antecipar ou corrigir o curso na gênese do problema. É uma vantagem em relação ao diretor live action, mas a quantidade de decisões aumenta absurdamente”.

Cloudy_With_a_Chance_of_Meatballs_2_-_3

Essa não é uma regra do mercado (Madagascar tem vários diretores, A Lenda dos Guardiões teve só um, por exemplo), mas parece ser a opção mais comum e ela afeta outra particularidade da animação: a inexistência de um Diretor de Fotografia. Normalmente, o Designer de Produção e o Head of Lighting cuidam dos aspectos visuais, enquanto o Head of Layout cuida da movimentação de câmera. Logo, cabe aos diretores transmitir as instruções precisamente para que o resultado final seja o vislumbrado pela dupla criativa. “Muito do trabalho de câmera é discutido e definido na fase de storyboard, então é só questão de conferir a execução. O importante é permanecer aberto às sugestões do líder da equipe e aos improvisos. Especialmente no caso de “Tá Chovendo Hamburger 2”, no qual tudo é grande e cheio de profundidade, tivemos que ir alinhando a nossa visão com a evolução visual”.

Evolução é tudo na animação. Os personagens evoluem, o estilo também e é preciso muita fé no roteiro original, especialmente nas piadas, para manter a coesão. “Algumas piadas funcionam bem. Entretanto, depois da centésima vez que você a vê, por conta das diversas fases do processo, ela se transforma em apenas mais uma linha de roteiro e cena a ser finalizada”, alerta Cameron. O mesmo vale para aqueles momentos especiais e egocêntricos dos diretores. Eles passaram anos criando os “comidassauros” – bananas velozes, elefantes de melancia, morangos simpáticos, pepinos apaixonados por sardinhas e X-burgers monstruosos, entre tantos outros –, mas nunca deixaram o lado nerd de lado. O final do filme conta com uma menção magnífica ao primeiro filme de Jornada nas Estrelas. Berry é um moranguinho alucinado, mas também é um fanático religioso à espera de um momento especial. “Não podíamos incluir religião de forma direta, ou mesmo mencionar algum “deus”, mas demos um jeito de incluir esse momento no roteiro”, conta Pearn. Vou guardar a surpresa, claro. Mas nerds convictos vão poder entender. Curioso foi eu ter defendido essa teoria para vários jornalistas, antes da entrevista, e me chamaram de louco. Perguntei aos diretores e ganhei até um high five! 😀

“A leitura do roteiro foge do nosso controle. Ser óbvio é ruim, mas as dicas precisam estar lá. Acreditar que o espectador vai pensar do nosso jeito é um erro. Se você quer transmitir algo, seja claro. É preciso correr o risco da obviedade”, defende Cameron, para quem o “ser óbvio é melhor que falhar no ato de contar a história”. Mesmo tendo que agradar crianças e adultos, o roteiro de “Tá Chovendo Hamburger 2” consegue manter algumas surpresas na manga, que, ao lado de momentos de fofice pura (Berry é algo inexplicável!), garantem um filme competente. Nada extraordinário, mas efetivo no ato de entreter, mesmo ficando um passo atrás do primeiro filme em termos de originalidade e coragem.

Assista e descubra o segredo de “eee… muuuuu”. 😀

[box type=”shadow”]Fábio M. Barreto é jornalista, cineasta e autor da ficção brasileira “Filhos do Fim do Mundo“, publicada em 2013 pela editora Fantasy/Casa da Palavra, integrante do Grupo LeYa. Mora em Los Angeles e está escrevendo seu segundo romance, Snowglobe.[/box]

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

Recomendado para você

2 Comments

  1. Salve, Barreto!
    O primeiro filme é de longe um dos meus preferidos, que mergulhei no mundo das animações após a chegada da minha filhota, há 5 anos.
    Infelizmente, a parte 2 me decepcionou.
    Apesar das referências espalhadas por toda a história, um bom filme não sobrevive apenas de homenagens. Achei que faltou ritmo e sobrou tempo na tela. Tem momentos hilários, como o dispositivo de festa instantânea, e outros bastante enfadonhos. Enfim, dormi no cinema 🙁
    Talvez tenha sido o monstro da expectativa. Ou não.
    Abraço e continue com o USReporter, tá massa!

  2. Curti a idéia, ainda mais quando me deparei com uma “banana raptor” de fibra de vidro numa das estações em SP. Ainda não assisti, mas a criatividade me chamou a atenção.

Comments are closed.