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Nova ofensiva contra sites ilegais de legendas e downloads reacende discussão na internet brasileira, mas não promove solução para a situação.

Em nova investida da Associação Antipirataria Cinema e Música (APCM), diversos sites brasileiros que forneciam legendas gratuitamente foram retirados do ar recentemente. Em represália, o site da instituição foi invadido por hackers. Dias depois, os sites alvo da ação retornaram à atividade plena em novos servidores (“juridicamente seguros”, de acordo com os proprietários) e assim terminava mais um round de combate à pirataria digital no Brasil. Resultados práticos: movimentação pesada na blogoesfera em defesa aos sites ilegais, enquanto as entidades de proteção à propriedade intelectual mostram que continuam lutando contra a disponibilização de vídeos e legendas de forma não-oficial. E só.

SOS Hollywood entrevistou os envolvidos na polêmica e traz reportagem exclusiva sobre o combate à pirataria, alguns números dessa guerra e os argumentos dos dois lados. Demorou mais de uma semana, mas finalmente todas as entrevistas aconteceram e aí vai a matéria.

De acordo com a APCM, em seu último balanço anual, somente em 2008, mais de 41 milhões de CDs e DVDs piratas foram apreendidos e destruídos no Brasil, fruto de 3.600 ações de combate à pirataria. Esse dado representa um aumento de 14% em relação às apreensões de 2007. Entretanto, entidades como a Motion Picture Association (MPA), e APCM continuam pressionando o fronte virtual. A primeira grande ofensiva aconteceu em 2006, quando o portal LostBrasil precisou retirar do ar downloads e links ligados a arquivos contendo episódios e suas respectivas legendas, depois que a Adepi comunicou o provedor sobre a presença de conteúdo ilegal em seus servidores.

A retirada temporária do site causou indignação, mas nada se compara ao ocorrido há duas semanas. A APCM retirou do ar cerca de cinco sites que ofereciam legendas. O primeiro deles foi o Legendas.tv, cuja remoção provocou grande movimentação popular de apoio na blogosfera e – provavelmente – inspirou hackers a invadirem o site da entidade, inserirem uma mensagem de apologia à pirataria e redirecionar o visitante para o mininova.org, endereço de torrents. Outros sites envolvidos na ofensiva da APCM foram: InSubs, Legendado.com.br, OpenSubtitles e LegendasDivix.

A confusão toda já começa com a definição do que é pirataria. Entidades invocam o uso indevido de conteúdo protegido por lei, enquanto os legendadores reclamam de arbitrariedade e culpam a desatualização da legislação. Afinal, o que é pirataria no caso dos sites de legenda? De acordo com Marcio Gonçalves, diretor antipirataria para a América Latina da MPA, “O filme[série] está protegido pela lei de direito autoral e sua reprodução é uma violação à lei 9.610/98. Se houver intuito de lucro, direto ou indireto, esta violação passa a ser também crime previsto no código penal com pena de 2 a 4 anos e multa. A tradução e legendagem de uma obra cinematográfica [ou televisiva], depende da autorização do autor, pois é uma transcrição ou adaptação do roteiro e portanto, constitui violação”. Ou seja, para as entidades, o problema está na manipulação indevida e desprovida de autorização, seja para fins de consumo próprio ou para acalmar os ânimos de “clientes insatisfeitos com o modelo atual de comércio de entretenimento e cultura”, conforme classificou uma porta-voz do site Legendas.tv, que optou por não revelar sua identidade.

Para o Legendas.tv, “é preciso rever o que é ‘ilegal’, pois não é um site que está contra a lei. É o comportamento de milhares de pessoas [que está contra a lei].” O site é produzido por três administradores e cerca de 30 equipes, que envolvem centenas de tradutores amadores. Um dos argumentos utilizados pelos defensores das legendas e downloads envolve o fato de o trabalho não prever remuneração, logo, ser classificado como uso pessoal, com base no Artigo 46 da Lei de Direitos Autorais. “A reprodução, mesmo sem intuito de lucro, sem autorização do autor constitui uma violação da lei de direitos de autor, com sanções cíveis de até 3.000 vezes o valor da obra”, explica Gonçalves. “Disponibilizar obras na internet para milhões de pessoas com acesso ilimitado e irrestrito não pode ser considerado uso privado. As ações da MPA/APCM visam proteger as obras de seus associados distribuídas ilegalmente na internet, causando prejuízos a milhares de pessoas”. Um dos maiores pontos de interesse das ações de proteção ao mercado de entretenimento é a situação complicada que enfrentam as locadoras de vídeo, cujos fechamentos estimam-se superiores a 2.000 lojas nos últimos dois anos, de acordo com a APCM.

O mercado de home entertainment, aliás, enfrenta problemas há um bom tempo e há muita preocupação dentro das companhias para encontrar novas maneiras de manter sua clientela. Porém, se aqui nos Estados Unidos o Netflix e similares já ganharam a guerra e a Blockbuster perdeu muito terreno, embora ainda mantenha sua identidade (diferente do triste destino no Brasil depois da aquisição da marca pela Americanas), há pouca esperança para o mercado brasileiro, cuja capacidade de consumo – embora grande e essencial para as distribuidoras – é muito inferior ao norte-americano. As companhias, porém, sabem utilizar o recurso da internet como arma quando necessário. Um dos casos mais celebres é o de Heroes, lançamento da Universal Home, que apostou na força da internet e na disseminação da série por via dos downloads como força de marketing para convencer donos de locadoras e até mesmo sua equipe de vendas. O resultado de vendas foi inquestionável e o conseqüente sucesso no Universal Channel também colheu frutos.

O Universal Channel foi um dos primeiros canais a reconhecer a importância desse formato. “As pessoas que baixam as séries são formadores de opinião, ajudam a série a ficar conhecida, despertam a curiosidade de quem tem TV paga. E é um processo irreversível, a TV tem que se acomodar a isso”, afirma Paulo Barata, diretor do canal, em entrevista ao portal Globo.com

“O detentor de direito autoral pode utilizar a estratégia comercial que lhe parecer conveniente e cada companhia tem sua estratégia para cada produto”, comenta Gonçalves, que desconhece a estratégia adotada pela Universal Home. “Se aconteceu desta forma, os direitos dos produtores, artistas, roteiristas, etc… estava preservado”. Pode estar no envolvimento oficial uma luz no fim do túnel? Cada vez mais fica claro que a solução para o problema está nas mãos dos canais de TV e distribuidoras de home entertainment, afinal, é deles o interesse em vendas maiores e na fidelização de um público que, claramente, discorda da janela de lançamentos entre o mercado norte-americano e o brasileiro. É uma das opções, porém, a mesa de negociações está vazia atualmente, pelo menos por parte da APCM.

De acordo com a entidade, “MPA e APCM não se envolvem em estratégias comerciais. Os estúdios buscam lançar o mais rápido possível. A pirataria, no entanto, só faz com que este prazo aumente, pois o titular do direito não terá interesse comercial em lançá-lo no país se não houver retorno financeiro e quanto mais pirataria, menor é o mercado legal potencial. Oferecer diferenciais também é uma alternativa e já se observa isso em alguns produtos, mas tudo isso, depende de cada produtor para cada filme. É uma estratégia individual de cada companhia”. É aqui que os sites de legendas batem de frente com a APCM, conceitualmente, pois os envolvidos na produção de legendas e downloads acreditam na sua força como divulgadores dos mesmos produtos.

Para o Legendas.tv não resta dúvidas de que “Heroes explodiu em popularidade na internet (por meio de sites de legendas e downloads) e reuniu milhares de fãs em pouquíssimo tempo. Sabendo disso, os executivos das distribuidoras investiram e lançaram a série mais rapidamente no Brasil, já com garantia de sucesso”. A fidelidade do fã de internet é a maior das armas vislumbradas pelos sites, mas toda essa fidelização não é vista com bons olhos, afinal, o consumo de produtos licenciados de forma não-oficial causa prejuízos e, legalmente, pouco importa se o consumidor também é assinante da TV a cabo ou se compra Box de DVD original mais tarde. A polêmica está na análise focada nesse trecho do processo e não nos demais pontos envolvidos no hábito de consumo de entretenimento cultural.

A APCM afirma ter “inúmeras evidências que mostram cópias piratas obtidas em salas de cinema da Rússia [via camcorder], por exemplo, e utilizando legendas feitas no Brasil”. Toda essa precaução e agressividade são reflexos diretos dos números dessa guerra. Anualmente, estima-se que o Brasil sofra prejuízos em torno de US$ 198 milhões (dados da APCM), e a internet responde por 30% desse total (aproximadamente US$ 59,5 milhões). “O maior problema ainda é o DVD físico, que é reproduzido a partir de conteúdo pirateado no exterior (embora os lançamentos mundiais façam com que o Brasil também possa originar tais cópias) e complementado com legendas de sites como este que foi retirado do ar [Legendas.tv]”, revela Gonçalves, que confirmou a existência de duas ações antipirataria em andamento por conta dos filmes nacionais Meu Nome Não é Johnny [cujo infrator foi identificado e processado] e Se Eu Fosse Você 2, que foram amplamente vendidos por camelôs em diversas localidades brasileiras.

No período em que outro grande site de legendas ficou fora do ar, o comércio de DVDs piratas não desaqueceu. Além dos laboratórios de fabricação de DVDs, havia laboratórios de legendagem. Não negamos que, às vezes, nossas legendas sejam indevidamente utilizadas nestes DVDs, mas este comércio ilegal se mantém sem a nossa ajuda”, argumenta o Legendas.tv. A APCM contra-ataca: “nosso trabalho é permanente e sites que utilizarem obras de nossos titulares com violação de direitos de autor serão removidos e as medidas legais cabíveis serão tomadas. Em alguns casos, são feitas investigações mais profundas, além da remoção dos links ou conteúdo ilegal, para identificar o responsável e instaurando inquérito policial por pirataria”.

Embora o Legendas.tv não represente os demais sites envolvidos na polêmica, fica clara a disparidade de conceitos entre os fãs e as entidades de proteção. “É necessária uma revisão e atualização da lei, pois enquanto isso não for feito, cada vez mais, pessoas serão vítimas de ações arbitrárias”, defende o site, que afirma ter tentado contato prévio com a APCM para iniciar uma relação diplomática, mas não encontrou canal aberto com a entidade. “A APCM nem chegou a dizer qual material era considerado ilegal”. De acordo com a entidade, “todo o conteúdo ilegal foi listado e enviado ao provedor de internet que, observando a legislação, removeu os links” [e, conseqüentemente, o site].

Sites consideram as pressões legais como arbitrárias; entidades se baseiam em leis que, embora inadequadas para a internet, ainda regem o país e vivemos um impasse. Seguindo a lei, a prática de download, streaming não-autorizado e a divulgação de legendas (se é para consumo próprio, para que divulgar aos quatro cantos?) é ilegal. Contrapondo com o argumento dos sites, a janela de lançamentos realmente poderia ser menor e o Brasil só perde com todo esse distanciamento com as estréias norte-americanas. Entretanto, não é no constante desafio às leis e as táticas de guerrilha que está a resposta a essa situação. Se o caso de Heroes ganhou conotação legal por conta do envolvimento da Universal, por que não dedicar esforços a repetir o formato, em vez de disputar uma luta inglória para provar que as leis estão erradas? Disso todas sabem, pois todo o sistema jurídico brasileiro requer revisão e atualização e, no caso da internet, criação adeqüada.

Os sites estão errados, legalmente falando. Ponto. As entidades fazem sua parte. Poderiam tentar um diálogo? Sim, seria a melhor saída, mas MPA e APCM usam a legislação disponível e não adianta os advogados defensores dos downloads/legendas gritarem na internet. Façam isso da forma e no ambiente em que surtirá efeito, ou poupem nossos ouvidos. Se há tanta certeza de seus argumentos, provem que as entidades estão erradas. Uma vitória jurídica vale mais que mil artigos em blogs e sites. Isso me lembra muito a discussão das “rádios comunitárias”, há uns 15 anos. Todos acham que estão corretos, mas poucos faziam algo para buscar legalidade. Quem conseguiu hoje tem rádios pequenas, mas legais e funcionando dentro dos padrões nacionais. Uma solução precisa ser encontrada e falação de fachada não leva a nada. Ação é o que resolve esse tipo de coisa.

Há uma semana, conversava com Ale Rocha, do Poltrona, e falamos sobre o Terra transmitir episódios de séries do Sony Entertainment Television (Grey’s Anatomy, se não me engano) como tentativa de diminuir a pirataria. Esse parece ser o caminho, soluções oficiais que reduzam a janela e acabem com a necessidade de tanta gente, em tantos sites, dedicarem grande parte de suas vidas a “fazer justiça… Oops, legendas… Com as próprias mãos”. Tudo isso existe por diversão. Na hora que começa a envolver ações jurídicas, processos e ameaças, a diversão acaba. A não ser que alguém esteja disposto a revolucionar o mundo e “desafiar o sistema” usando legendas e downloads.

Reportagem: Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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