Anúncio do filme Lula – O Filho do Brasil como pré-candidato brasileiro ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro surpreende [pouco] e desagrada [muito]. Em meio a tantas teorias envolvendo maquinações políticas e até mesmo conspirações, a reação da imprensa mostra uma certeza aparente: não teremos chances na lista dos 5 candidatos oficiais. E os efeitos podem ser catastróficos.

por Fábio M. Barreto, de Los Angeles

Esperava não ter que dar atenção a Lula – O Filho do Brasil, do meu homônimo Fábio Barreto (o diretor). Desgosto da idéia de mesclar política eleitoreira com cinema, ou mesmo com qualquer outra mídia. Cada um na sua. Por isso, esse Fábio Barreto paulista (o repórter) procura manter distância do trabalho do Fábio Barreto carioca, que ainda convalesce de seu grave acidente. Entretanto, hoje, a jornada sofrida de Luiz Inácio da Silva rompeu a barreira que me mantinha distante e, ao vincular-se com Hollywood, com pretensões ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, não teve jeito. Assisti ao filme e não é questão de “não ter gostado”. Para deixar claro: é desgosto mesmo. A situação não me agrada e seus resultados também não. De qualquer forma, o destino – e uma bancada “independente” de votantes – trabalhou para unir, pela primeira vez, os dois Fábios Barreto.

A escolha de Lula – O Filho do Brasil como nosso candidato é, primeiramente, infrutífera, mas potencialmente perigosa. Infrutífera pela inconsistência narrativa, pela sua indecisão sobre ser documentário ou mocumentário, e, acima de tudo, por sua natureza morna. O filme não ofende, tampouco empolga. E colocar tal quadro contra a nata da cinematografia internacional, com seu aprumo visual e técnico, é pedir para perder. É ressuscitar o tal complexo de vira-latas apregoado por Nélson Rodrigues. A decisão é política. Ponto. Contudo, deixarei essa discussão para outros veículos, outras mentes mais capacitadas que a minha em termos de motivações do Planalto.

Dediquei boa parte do dia de hoje à análise dessa obra e a repercussão de sua indicação. A primeira reação é de assombro: ter sido malhado pela crítica nacional e ignorado nas bilheterias deveria ser termômetro suficiente para desqualificá-lo como o representante da indústria brasileira. Nem todo filme sobre Kennedy ou outros presidentes norte-americanos é digno de grandes louros e, infelizmente, este ainda não é o primeiro filme sobre um presidente brasileiro digno de elogios. Alinhamentos políticos, claro, aumentaram ou diminuíram sua receptividade – que, em realidade, deveria ter sido mediana e nada mais.

Vale lembrar que ele foi retirado de uma lista sem grandes destaques, num ano com uma safra bastante fraca. Logo, é possível compreender a facilidade para se confundir duas coisas importantes aqui: o desejo (que se tornou quase paranóico desde que Central do Brasil perdeu para A Vida é Bela) do Brasil em conquistar um Oscar de Filme Estrangeiro, e a idolatria – ou seria imaginário? – deslocada atribuída ao presidente em fim de mandato.

No Brasil não se vota em plataforma. Muito menos, em partidos. Vota-se no sujeito. Lula transformou-se no Camisa 10, o sujeito que poderia mudar. Mudou no cinema, pois motivou o primeiro filme biográfico de grande escala sobre um presidente. Os americanos fazem desses às dúzias, os ingleses também – seja sobre seus primeiros-ministros, seja sobre a família real – e foi preciso um fenômeno popular, construído ao longo de praticamente 40 anos, para motivar a realização de uma película desse estilo.

Por que as comparações entre Lula e Kennedy, o grande mito presidencial de Hollywood? Americanos e brasileiros? Bem, o Oscar acontece a 10 quarteirões da minha casa e a jornada do migrante Luiz Inácio será vista pelos americanos. Em outras palavras, o filme estará entrando no terreno deles. Idolatrar, ou destruir, presidentes é algo que Hollywood faz com o pé nas costas há muito tempo, talvez um tempo maior do que o dedicado por Lula ao seu sonho, tão dramaticamente retratado, com seus violinos exagerados, por Fábio Barreto.

E é justamente aí que mora o perigo dessa indicação. Vamos fazer de conta que o dinheiro público não será usado para o lobby em favor do filme e nos concentrarmos no fato de que Lula – O Filho do Brasil vai ser a primeira retratação de um estadista brasileiro realmente apresentada aos norte-americanos. Nada contra a violência familiar e a dura realidade dos retirantes – de quem também sou descendente – ou mesmo do exagero meio dramalhão mexicano, mas sou contra criar uma imagem base da liderança nacional, do modo brasileiro de pensar, da índole de uma nação, inspirada num único homem, que, como personagem principal de uma biografia, tem mais falhas que méritos. Presidente é coisa séria por aqui, nos Estados Unidos. Sempre polarizador. Muitos querem “a América de volta”, uma América que Obama tomou ou modificou. Os outros acreditam na mudança prometida, nos novos rumos, numa nova identidade, distante de guerras, com economia sólida e melhores saúde e educação.

A decisão mais acertada de Fábio Barreto pode ser pivô desse efeito colateral indesejado e longevo.
Ganhando ou não. E com esse lobby governamental, não duvidaria da indicação e eventual vitória, afinal, se o lobby da Miramax favoreceu Shakespeare Apaixonado… E Obama gosta do Lula. O americano menos alienado, não. Para essa classe, somos uma nação de esquerda, praticamente uma filial da Venezuela. Basta perguntar a Rick Sanchez, da CNN. O Lula fictício não é herói; líder sim, herói, não. Seu sofrimento é o do homem comum, que perde, fraqueja, ama e prossegue. É o famoso self-made man, sujeito que se construiu sozinho, algo que os americanos tanto adoram, entretanto, com um desfecho diferente. Sem nenhuma realização palpável e relevante, além de se tornar líder sindical (mais de três décadas atrás) e, eventualmente, presidente, Lula sentiu muito, sofreu muito e construiu pouco. Além de – ao menos no que é mostrado no filme – ter piorado em termos intelectuais, deixando de ser um garoto prodígio e com ótima pronúncia para se transformar num adulto de língua presa e as falhas gramaticais que conhecemos.

Tudo isso constrói uma imagem. Tudo isso ensina sobre um povo e seus heróis.

Lula – O Filho do Brasil vende o presidente petista como merecedor incontestável do comando de uma nação, do mesmo modo que o Ministério da Cultura anunciou, orgulhoso e de peito estufado, a “unanimidade” para a escolha do nosso representante na briga pela estatueta.

Bem, na Era da Informação e com tantos elementos contrários à qualidade atribuída ao filme, o ditado volta a se fazer presente. Hoje, mais que nunca, toda unanimidade é burra. E os estereótipos brasileiros estão cada vez mais unânimes. Faça as contas.

Colaborou: Ricardo Rigotti

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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18 Comments

  1. Fábio, o que mais espanta a mim e acho que a todos é essa questão que você levantou sobre o fracasso de público e de quase toda a crítica, que classificou o filme apenas como mediano ou comum, sendo que a mesma se derreteu para “Melhores Coisas da Vida” e “Duendes …” Gostaria muito de saber quem fez parte dessa classe de notáveis que escolheu o filme do presidente. Eles insistem com essa “coisa” de filme de Oscar, numa categoria que – e você deve saber isso muito melhor do que eu – não tem fórmula. Já ganhou de tudo na categoria filme estrangeiro, de comédia a drama de guerra. Como saber o que é um filme de Oscar? Não existe fórmula.

    Abraço

    1. Fábio,

      Antes de tudo, parabéns pelo texto ABSOLUTAMENTE IMPECÁVEL. É evidente a imparcialidade com que você tratou o tema e a lucidez da sua análise.

      Infelizmente, imparcialidade e lucidez estão cada vez mais escassos aqui em nossas terras tupiniquins, e a escolha deste filme para disputar o Oscar só prova isso.

      A maior contradição nisto tudo é que, se o filme vencer a disputa, o cinema brasileiro perde… é triste, mas só nos resta torcer contra.

  2. É óbvio que teve dedo político na decisão e isso que incomoda tanto os brasileiros.
    Todos conhecemos Lula pelo que ele é e pelo que ele fez para chegar onde chegou. É um ícone imperfeito assim como todos os seres humanos.
    Não aprecio essa forma de homenagear por aquilo que ele fez para o cinema nacional, dando oportunidades para iniciar um crescimento de respeito dentro do Brasil.
    Mas isso é o suficiente para representar o Brasil no Oscar?
    Sinceramente, a crítica pegou pesado e isso não vejo como explicação, já que hoje a crítica só bate em filmes comerciais. Mas os resultados nas bilheterias sim, assim como a opinião de quem presenciou o filme.
    Por isso, acredito que infelizmente é uma escolha errada, assim como ter um dia recusado ‘Tropa de Elite’, mesmo optando por ‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’ que é um belo filme.
    Enfim, sou mais um cinéfilo descontente com a escolha…

  3. O pior é saber que eu votei no site do Ministério da Cultura para nada.

  4. É uma palhaçada e ainda tem gente que vota nessa mafia do PT… Isso é uma mafia, bando de criminosos que so beneficiam os seus e não os trabalhos sérios.

    PSDB pode ser ruim, mas PT consegue ser muito pior.

    1. Me dizem que este cidadão tem quase 90% de aprovação…
      hahaha
      nem jesus tem 90% de aprovação!

  5. Com todo o respeito, meu irmão, mas chamo essa escolha de SAFADEZA! E ainda pedem pra respeitar o cinema nacional! Mas, ei, isso é Brasil!

    Grande abraço!

  6. Quase caí para trás quando vi a manchete de que esse filme tinha sido escolhido pro Oscar na capa do Uol.
    O Brasil já tem uma imagem ruim lá fora. Com uma escolha dessas para o Oscar, as coisas só tendem a piorar… E quem sofre? Nós, que depois temos que ficar ouvindo louco dizer que no Brasil “Te dão macaco de presente pra levar pra casa.” ¬¬
    Baita texto, Fábio! Parabens mesmo!

    Abraços!

    PS: cara, eu TE ADOREI no RapaduraCast de Star Wars!!!

  7. Falar da qualidade do texto do Barretão é chover no molhado. =D

    Mas o fato dessa fita ir defender o nome do Brasil no ‘óshcar’ (tm José Wilker) só servirá pra terminar de manchar a PÉSSIMA relação do Luif Ináfio com a imprensa. Depois de oito anos, já deu esse messianismo exagerado e alimentado pelo presidente e sua equipe, né?

    @Márcio Teruel
    ‘É óbvio que teve dedo político na decisão e isso que incomoda tanto os brasileiros’. Da mão esquerda ainda. =D

  8. É engraçado ver como a nossa visão do lado de fora do país consegue ser diferente de quem mora lá dentro. Ver que cada decisão ou cada menção inesperada ou infeliz (como o caso do Stallone e o macaco) pode ter um impacto significativo na economia e na visão financeira dos outros países em relação ao nosso.

    Destaco a Austrália, que bancou filmes como Crocodilo Dundee e o mais recente Austrália porque sabe que suas produções podem gerar maior fluxo no turismo e atenção dos investidores internacionais. Ou mesmo os Estados Unidos que reduz o imposto das produções caso elas coloquem a sua tão amada bandeira flamulando entre uma cena e outra.

    E para o Brasil o cinema tem se mostrado mais contra que a favor. Tem gente que acha #mimimi antipatizar com filmes que esteriotipam o Brasil como um país não confiável como foi o caso de “Turistas”, e não percebe a força que esta mídia tem principalmente no exterior. E supostamente pessoas que tem o poder de voto deveriam ser cientes disto.

    Aliás, e Tropa de Elite 2? Com todo aquele exército na rua, quase uma guerra civil? Acha que influenciaria na visão do Brasil aqui fora, principalmente com o Brasil em evidência por causa da Copa e Olimpíadas? Me lembro quando passou aqui (Japão) Cidade de Deus, que a notícia era que metade do público saiu do cinema horrorizado com a história. E por algum tempo o Brasil foi visto como um lugar perigoso (não que não seja, mas isso afasta investimento) e que aliviou um pouco quando teve a Copa de 2002.

  9. Desesperança do Oscar foi da hora Barreto, ahahahahaha.
    Filme nacional pra mim, só se for do ZÉ DO CAIXÃO.

  10. Que politicagem!
    É o “cordão dos puxa-sacos” que cada vez aumenta mais… Está todo mundo de olho num “carguinho” no próximo governo da “DI UMA” (Não confundir com a LADY DI)… E, claro, esse pessoal não ia deixar passar uma oportunidade dessas. Não é?
    Nem mesmo se fosse uma superprodução de cinema ( o que não é!), caberia a indicação do filme ao Oscar nos estertores de uma campanha eleitoral, na qual o presidente Lulla se coloca como protagonista.
    Aéticos e… patéticos!
    The End!

  11. O pior na minha opinião é que essa escolha não reflete a opinião do povo brasileiro no geral. O filme é uma mentira que será empurrada goela abaixo de brasileiros e americanos no Oscar. Lula não é um herói e o filme fará com que acreditem que nós brasileiros pensamos dessa forma. Totalmente distorcido. Vergonha!!!

  12. “Only a Sith deals in absolute”. Besteiras de lado, é complicado. Cinema no Brasil infelizmente parece sempre algo muito obtuso, pouco medido e composto. Tem muito filme bom, mas que não recebe o devido marketing e morre na praia onde nasceu enquanto, de resto, já sabemos. Não entendo essa ferida que temos no orgulho, de nunca termos ganhado um Óscar.

  13. Legal mesmo é o Cakoff, que integrou a comissão julgadora, admitindo publicamente que não considera “Lula” o melhor filme, mesmo a decisão sendo unânime.

  14. Filme bom pra representar nosso pais no oscar esse ano seria Olhos Azuis, ninguem enxergou isso né…

  15. Fiquei muito decepcionado com esta escolha, na minha opinião o melhor representante seria Nosso Lar, filme belíssimo e muito emocionante que merecia este lugar o qual Lula -O filho do Brasil ocupa.

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