O texto abaixo contém spoilers de “Star Wars: Episódio IX – A Ascensão Skywalker”. Recomendo ler apenas depois de assistir ao filme.

 

Tem certeza que quer ler?

 

Tá bom.

 

Então vai!

 

Pelo ponto de vista de quem curte o duelo entre Jedi e Sith desde cedo, como analisar a conclusão de uma saga cinematográfica que deu certo sem querer no mundo analógico, desapareceu por décadas, e retornou na Era Digital como produto cabeça de chave do maior conglomerado de entretenimento da História? É justamente nessa natureza fragmentada, distante e comercial que Star Wars encontrou seus maiores êxitos, mas também esbarra no maior dos desafios. Afinal, como consumir uma das histórias lineares mais longevas da história do cinema sem sentir o efeito do tempo, tanto na galáxia habitada por Wookiees, Jedi e droids engraçadinhos quanto dentro de nós mesmos? É nesse contexto que “Star Wars – Episódio 9: A Ascensão Skywalker” chega aos cinemas em 2019, 42 anos depois do início de sua gênese.

George Lucas atribui a distância entre a Trilogia Original (4, 5 e 6) e a Nova Trilogia (1, 2 e 3) à tecnologia, ou a ausência dela. Independente da razão, o tempo afetou tudo. Conceitos foram atualizados, parte da magia desapareceu, e uma nova geração foi apresentada à saga. George Lucas também diz que Star Wars é um tipo de novela (mexicana ou da Globo, você escolhe) sobre a família Skywalker. Ou seja, eles são o recorte daquele universo regido pela Força e em constante conflito pelo poder. Muito por conta disso, a Última Trilogia (7, 8 e 9) continuou com o foco nos Skywalker e nos desdobramentos de suas decisões, ações, escolhas, acertos e, principalmente, erros.

Novamente, anos se passaram. A tecnologia avançou, o jeito de contar histórias mudou, a representatividade entrou em jogo e, fora das mãos de George Lucas — pela primeira vez, depois da venda da LucasFilm para a Disney — a saga navegou por conta própria com dois diretores: J.J. Abrams e Rian Johnson. Sempre sob o comando de Kathleen Kennedy.

Por que já bati tanto na tecla do tempo? Bem, o consumidor de entretenimento não está muito acostumado a receber materiais de forma não linear, com tantas janelas temporais separando cada dose, sem sentir alguns efeitos colaterais. Em partes, a culpa pode ser das séries que vivem da linearidade. E, mesmo quando o cinema brinca com a dança das cadeiras, tudo costuma acontecer dentro de uma mesma obra. Amnésia, por exemplo, é contido numa mesma dose.

Star Wars começou pelo meio (despirocou para todos os lados com livros e quadrinhos), aí foi pro começo (deu outra volta insana nas outras mídias para então aposentar tudo), e, só então, chegou ao final. Alias, a Última Trilogia é a única cronologicamente no lugar certo. E a tecnologia mais avançada. Foi curioso ver a Nova Trilogia com efeitos e designs mais avançados que os três primeiros filmes, aliás.

O tempo é importante, pois estamos falando da mesma história. Como a história principal — aquela dos filmes — parou em 1983 com a estreia de “O Retorno de Jedi” nos Estados Unidos, levou 36 anos para sermos apresentados à conclusão oficial. E ela não saiu da cabeça de George Lucas, o sujeito responsável pela linha narrativa dos outros seis filmes. Será que isso é bom? Ruim? O tempo dirá.

Mas a realidade é uma só: aquela apresentada na tela.

A mesma realidade responsável pelos midiclhorians é a mesma responsável por Palpatine ser o grande arquiteto de toda a narrativa. Por si, esse fato já subverte o conceito de Lucas para o protagonismo dos Skywalkers e coloca o Imperador em pé de igualdade com o clã megapoderoso. Se considerarmos apenas a Última Trilogia, o retorno de Palpatine foi arbitrário, quase um deus ex (aquela inserção de um conceito pelo autor para resolver uma série de elementos sem preparação anterior). Por que isso? Bem, passaram-se décadas desde a morte de Palpatine em “O Retorno de Jedi” e vimos mais cinco filmes — dois deles, 7 e 8, SEM a presença ou influência direta dele — antes de J.J. Abrams bater o martelo e colocar toda a culpa nele.

Existe uma parte boa e uma parte ruim.

Parte boa: Palpatine justifica aquela sensação incômoda de repetição dos últimos filmes. Afinal, quase ninguém mais aguenta outra super-arma capaz de destruir planetas sendo destruída nos últimos segundos. Com o ressurgimento do Imperador — e a responsabilidade dele tanto pela Base Starkiller da Primeira Ordem como pelas Estrelas da Morte e a natimorta frota da Última Ordem — podemos colocar a culpa pela falta de originalidade nele e só nele. Basicamente, entre episódios 4 e 9, temos o mesmo cara tentando ganhar a guerra com o mesmo plano. Um Cebolinha malévolo interplanetário. Narrativamente conveniente, não?

Parte ruim: além de conveniente, essa escolha não foi construída e desenvolvida nos filmes anteriores. “O Despertar da Força” existe sem Palpatine. “Os Últimos Jedi” se sustenta sozinho, quase fora desse arco — e ainda é o melhor dos três. Em outras palavras, a revelação do Imperador não era necessária, esperada e só gerou alguma surpresa justamente por ter aparecido do nada, como um daqueles sustos em filmes de terror.

Ah, lembra do tempo? Ele volta aqui. Para quem assistiu na ordem (e na época) de lançamento, faz 36 anos que Palpatine está morto. Faz 36 anos que a influência, pelo menos direta, dele acabou. Essa reintrodução dele pode parecer esquisita e inesperada agora, mas, alguém vendo os filmes sem os quase quarenta anos de distância pode ter uma perspectiva diferente, afinal, ele está bem presente na Nova Trilogia e na Trilogia Clássica. Em verdade, ele só “sumiu” nos episódios 7 e 8.

O ressurgimento de Palpatine é levemente justificado para encerrar o arco de Rey. Quem é ela? Quem eram seus pais? Ela é filha do Luke? Irmã de Kylo Ren? Sobrinha do Bátema? Nasceu no repolho? Aparentemente, alguém só é importante no Universo de Star Wars se tiver grau de parentesco com alguém da Trilogia Original (novela, oi!). Então, a pergunta foi respondida: e não fez a menor diferença, pois os dilemas, obstáculos e escolhas de Rey pertenciam à personagem construída ao longo de três filmes, não pela imposição da última meia-hora da saga. Os laços com Leia, Luke e, claro, Ben eram as relações significativas, numa alusão ao fato de que somos um reflexo de quem está à nossa volta e quem acredita na gente. Rey poderia ser um clone do Palpatine e não faria diferença em quem ela havia se tornado. Ela só tinha um caminho à frente dela, ninguém nunca duvidou.

E, ao fim, ela aceita a família que a acolheu.

Clichê? Sim. Mas era a última escolha dela. Uma escolha que precisava lhe fazer sorrir. A garota levou tanta porrada, duvidou da própria sombra, voltou dos mortos, e merecia escolher o nome que quisesse. Se ela preferiu aceitar uma família de fantasmas (todos eles morreram, notou?), quem somos nós para criticar.

Mas as críticas de “A Ascensão Skywalker” não vem daí, elas vêm de vários lugares. A expectativa frustrou muita gente, a falta de conexão com “Os Últimos Jedi” levou mais um bom número de fãs para o Lado Negro, o fã service (as referências para gente como eu pularem da cadeira) aumentou as reclamações e a imensa quantidade de problemas de lógica ou soluções fáceis completou serviço. Existe mérito nessas reclamações? Sim. Muito.

“A Ascensão Skywalker” é um filme corrido, apressado para resolver muitas pontas narrativas, com uma edição meio estranha em alguns pontos e com uma missão questionável: de acordo com J.J. Abrams, ele queria levar o grupo de personagens principais para uma aventura, afinal, eles passaram os dois primeiros filmes em núcleos separados. O problema é essa aventura não ser tão significativa, ou transformadora, como a busca de Rey pela identidade em “Os Últimos Jedi” ou (mais uma) luta desesperada de “O Despertar da Força”. Rey responde muito mais ao laço com Kylo Ren do que com qualquer outra descoberta ou perigo. É a postura dela naquelas conversas que a define. Claro, no final, tudo se encaixa e ela alcança o objetivo definido pela primeira cena dela no filme: ser aceita pelos Jedi. Ela começa a trajetória sozinha e termina como parte de algo maior, um desejo facilmente relacionável numa sociedade cada vez mais excludente.

Mas o problema real do filme está em seu lugar no mundo do cinema. “Uma Nova Esperança” começou a revolução tecnológica dos efeitos especiais e, desde então, as ideias contidas em Star Wars são inspiradoras para cineastas e contadores de histórias em diversos formatos. Sim, George Lucas também se inspirou em Kurosawa, Campbell, Flash Gordon e etc, mas ele acabou transformando a saga num novo ponto de referência. “A Ascensão Skywalker” fez Star Wars passar de influenciador a influenciado.

É muito fácil encontrar referências diretas a Matrix (Kylo Ren salvando Rey, que também tem um tiquinho de Romeu e Julieta), Jogador Número 1 (a chegada inevitável da frota de Lando), e até mesmo à série Star Wars: Rebels (o espião imperial).

É errado? Não, mas Star Wars sempre foi uma caixa de areia para coisas novas, não um repositório da cultura pop dos últimos 20 anos. É isso que faz de “Os Últimos Jedi” um filme eficaz, ele ousou e será lembrado por isso. J.J. Abrams não ousou, ele reaproveitou a fórmula de SW, reverenciou Spielberg mais uma vez, e entregou um encerramento digno do que Star Wars se tornou cada vez mais ao longo dos anos: um evento comercial.

Contudo nada disso tira a diversão de “A Ascensão Skywalker”. Os duelos de sabre de luz são constantes e podem fazer as vezes de uma DR entre Rey e Ben, afinal, eles discutem a relação na porrada. O visual tem momentos estonteantes: como não babar naquele mar revolto em frente aos destroços da Segunda Estrela da Morte?

O filme também tem seu momento de brilhantismo. Kylo Ren não merecia redenção. Não havia como voltar atrás na morte de Han Solo. Rey, Leia, Luke e nem ninguém teria o poder para perdoar o personagem. Mas o roteiro — cuja confecção foi conturbada — encontrou um jeito, o único jeito. O reencontro entre pai e filho foi dramático e lindo. Foi a primeira vez que vimos Ben Solo Skywalker de Orleans e Bragança II em cena. Sem dar piti, Adam Driver se eleva ao grande ator que está conquistando todo mundo. Um pecado não podermos ter um filme com ele como mocinho.

Quem também ganha seu lugar ao sol é C-3PO. Na maior, e melhor, atuação do querido Anthony Daniels na saga, o andróide de protocolo entrega o chapéu de bobo da corte para Poe Dameron e Finn, deixa o pano de fundo e “entra para a turma”, dando lições de amizade e sacrifício. A sequência dele em Kijimi é belíssima e emocionante para os fãs mais antigos.

Mas falta emoção na última batalha. Um dos inúmeros arcos narrativos apressados ao longo do filme é a ascensão de Poe Dameron ao comando da rebelião. Oscar Isaacs até que se esforça para dar profundidade ao momento de desespero de Poe, mas ninguém duvidava que um milagre salvaria todos. Era apenas mais uma das soluções esperadas e óbvias espalhadas ao longo da projeção. Além do mais, o escudo da imortalidade circundava o novo núcleo da saga: Poe, Finn, Rey e Chewie (aquela morte temporária serviu para blindá-lo). Aliás, como “A Ascensão Skywalker” encerrou de vez o ciclo de Luke, Leia e Han, matar mais heróis sempre esteve fora de cogitação.

Talvez justamente isso tenha diluído, e muito, a emoção da trama principal. Devo concordar com esse problema aqui, pois embora “A Ascensão Skywalker” seja divertido e empolgante, ele fica devendo na emoção exceto em alguns momentos bem específicos.

Mas o que se espera de Star Wars? Choro ou empolgação?

O tempo passou para os fãs, a bagagem de cinema e de vida aumentou, as nossas demandas mudaram. Mas o tempo não passou tanto para jornada, pois a promessa sempre foi a mesma: amizade e diversão com pitadas de sabedoria. Nesse aspecto, Episódio IX entrega tudo que se espera da saga com direito a estrelinha da morte na testa, mas não passa no teste da lógica e da tensão. Um alerta: pode ter sido suficiente para encerrar a jornada dos Skywalkers, mas não bastará para manter a franquia com força no cinema.


Nota do autor: URREI quando vi Dennis Lawson revivendo Wedge Antilles na tela depois de tantos anos. Rogue Squadron Forever!

Nota do autor 2: a legenda em português está PÉSSIMA!

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

Recomendado para você

1 Comment

  1. […] É só concluir mesmo o que foi prometido. Pense em qualquer história que você gostou, pense no final dela. Promessas, progresso e recompensas estão sempre bem atrelados. E quando a gente não faz essa continuidade, temos algo como a última temporada de Game of Thrones ou Star Wars: The Rise of Skywalker. […]

Comments are closed.